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Um crime contra quem protege o Parque Natural da Arrábida

A família do senhor Florentino tem agora seis semanas para fazer implodir a sua casa: a sua vida.

Esta família camponesa parece condenada. A modesta habitação no meio do milho, das couves e de árvores de fruta mobiliza a comunidade de vizinhos. São estas pessoas do campo, muitas que trabalham nas quintas e palácios dos senhores, que estão na primeira linha de solidariedade com a família ameaçada.

Estamos nas imediações da Aldeia da Piedade, em Azeitão, zona de transição da aldeia para o Parque Natural da Arrábida. A toda a volta adivinham-se quintas e autênticos palácios: de um ex-ministro: de magnates, algumas recentemente construídas. Tudo legal, claro.

Florentino, a mulher e muitas das vizinhas e vizinhos daquelas aldeias vieram para ali morar há décadas. Oriundos das Beiras, faziam parte dessa corrente migratória, os Ratinhos, que encontrava trabalho sazonal na grande herdade dos duques de Palmela. Amam a terra, as árvores, tratam das plantas, dos aceiros, previnem incêndios. Mas agora são acusados de não respeitar o Parque Natural!

Há 27 anos já existia o Parque Natural da Arrábida, com algumas leis de protecção, com a intenção de o preservar e impedir a sua destruição. A autorização para novas construções dependia do poder discricionário e do fechar de olhos da fiscalização. Depois veio o Plano de Ordenamento do Parque. O labirinto burocrático entre a administração local e central, a falta de fiscais, foram permitindo sempre novas construções, porque se a Câmara não dá parecer negativo no prazo determinado, segue-se a “aprovação tácita”. Mas estas leis só beneficiam quem tem dinheiro e advogados.

Não foi o caso da família do Florentino. Comprou um pequeno terreno agrícola com dinheiro ganho na emigração, na Suíça. Ironicamente a pequena dimensão da parcela é um dos obstáculos legais à construção da casa. Para construir o terreno exige maiores dimensões. Florentino também não soube fazer como os magnates: não aproveitou uma qualquer ruína para alegar que se tratava de renovar uma casa agrícola. Nem sequer se apercebeu, como os vizinhos ricos que por ali têm casas de segunda e terceira habitação, de mascarar a sua casa como se tratasse de apoios a actividades agrícolas e pecuárias. Aí já a lei poderia permitir.

Florentino e a sua família eram (são) simplesmente uma família camponesa pobre. Vivem exclusivamente da agricultura familiar. Correm o sério risco de serem expulsos( para onde, com as crianças, as cabras e os animais?).

A uns mil metros da sua casa agrícola vê-se uma cratera de uma das inúmeras pedreiras que matam a serra e ferem irreversivelmente o Parque Natural. Por detrás das cumeadas, para os lados de Sesimbra, outras pedreiras ainda mais brutais. Para o lado de Setúbal, a Sécil com mais décadas de autorização para escavar.

A família de Florentino pode ser expulsa, apesar de praticar uma actividade relevante e absolutamente compatível com o Parque. À sua volta, por toda a serra da Arrábida, continuarão as vivendas, quintas e palácios dos falsos agricultores e outras serão construídas. Para esses tudo é legal. Pudera!

É a justiça que é injusta, as leis são uma farsa. A destruição da casa do Florentino é uma machadada no espírito do que é um parque ou uma reserva natural.

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