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Miséria do Estado e Estado Miserável. Porque perdeu a esquerda as eleições!?

Contributo de António dos Santos Queirós

Perante a crise e o peso insuportável da dívida soberana, o estado da República de Portugal, o primeiro estado nacional verdadeiramente democrático para todos os cidadãos, no que respeita ao reconhecimento pela Constituição, que não na vida real, da igualdade de direitos políticos e sociais face ao poder e às leis, independentemente da classe, género ou cor da pele, o estado democrático, é retratado como um monstro gorduroso, confundindo democracia e desgoverno. E a direita triunfa nas eleições tendo como bandeira política o seu desmantelamento no governo e no texto constitucional.

Porque perdeu a esquerda as eleições!?

Convirá olhar sempre, num balanço político, para a conduta política não só do governo mas de todas as forças da oposição, porque elas condicionam a nossa acção táctica, e analisar criticamente a sua postura. Sendo certo que, as condições objectivas - contra-ofensiva do capital financeiro à escala europeia e a afirmação eleitoral de diferenças irredutíveis entre o PS, a governar mal e os partidos à sua esquerda, criaram condições muito adversas para o sucesso das esquerdas nas eleições.

A situação internacional tornou-se mais complexa e instável, volátil mesmo, dificultando a sua compreensão quer pelos cidadãos quer pelas lideranças políticas, colocando problemas políticos e tácticos novos. Tão volátil, que não será preciso esperar muito para que as contradições se agudizem no campo dos defensores do acordo com a Troika e na aplicação deste acordo, tal como dentro das três instituições que a integram: Comunidade Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Reconhecer estas dificuldades e a ausência de respostas globais à esquerda para problemas que não têm uma solução nacional, pragmática e casuística, não é adiar o debate político e as autocríticas, mas o primeiro passo para reconhecer a sua dimensão e aumentar a exigência de maturação, aprofundamento e estudo científico das questões políticas, ampliando e democratizando a sua discussão.

Encontrar e aproveitar a mais pequena brecha no conglomerado de interesses da oligarquia, é a missão da táctica política, sobretudo quando a derrota é pesada e o risco de maiores danos para o movimento popular permanecem. E é com este objectivo que faz sentido lançar o debate e o balanço políticos.

O melhor ponto de partida para a análise crítica das derrotas políticas, é o das opiniões dos “outros”, mas também aquela a que menos recorremos, porque tendemos a ouvir com mais atenção a voz dos “nossos” e não existem instrumentos orgânicos para conhecer as opiniões populares: as assembleias populares espontâneas só são frequentes em períodos revolucionários e, na Europa, neste fim de etapa, o vento de mudança que predomina ainda é o da contra-revolução. A verdade parece ser esta: ninguém soube, nem sabe, para onde vai o país e a Europa e as suas democracias oligárquicas.

Por isso, esta intervenção no debate representa apenas a minha opinião, depois de ler e ouvir todas as opiniões expressas no Fórum do Bloco e algumas intervenções filtradas pela comunicação social dominante. E claro, depois de escutar empiricamente a vox poppuli nacional.

A actual crise financeira internacional e a crise política que atravessa a União Europeia, com o emergir do egoísmo nacional dos governos alemão e francês, tal como o início das movimentações revolucionárias nos países árabes, elevaram a consciência política de amplos sectores juvenis, da classe média e populares. Menor relevância tiveram os avanços sociais registados na China e no Vietname, ou no Brasil, pelo generalizado desconhecimento da realidade política desses países e pela acção da propaganda negativa internacional que os tem como alvo.

Mas a maioria dos eleitores do PS e PSD/CDS não tem consciência do significado político deste novo surto de crise global do capitalismo e da sua componente revolucionária e progressista, ao contrário, percepcionou apenas (e sentiu na pele) a força do capital nacional e internacional e as fraquezas eleitorais da oposição, particularmente a sua incapacidade de encontrar, no quadro deste último ciclo eleitoral de autárquicas, presidenciais e legislativas antecipadas, uma alternativa imediata de poder e de governo (s) de esquerda (s). A direita construiu progressivamente uma frente ampla, política e uma frente única, orgânica, em todas estas eleições e a esquerda não.

As alianças políticas de esquerda nas eleições autárquicas foram raras e excepcionais e a derrota do Bloco, sobretudo em Lisboa, demasiado pesada. Nas presidenciais, a maioria dos portugueses não votou em Cavaco Silva, mas não teve uma alternativa política de frente única onde concentrar o seu voto e materializar as suas aspirações e reivindicações políticas, e esse fracasso é da responsabilidade colectiva das direcções dos partidos e candidatos da esquerda, que cometeram um grave erro estratégico ao não levar a cabo nos anos precedentes qualquer iniciativa para apresentar um candidato de frente única, com um programa político de frente ampla. Os resultados das eleições presidenciais abriram assim caminho à mudança de estratégia de reconquista da governação pela direita e centro direita, que percebeu que poderia antecipar a queda do governo PS e substitui-lo a curto prazo por um governo mais liberal.

Esta mudança de correlação de forças e de táctica política não foram compreendidas pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, com este partido a apresentar uma moção de censura ao governo num quadro de forças que conduziria, mais que provavelmente, a novas eleições favoráveis aos desígnios liberais. Foi um segundo grave erro de estratégia política eleitoral, mas inevitável em coerência com a análise de conjuntura e a linha política seguida pelo Bloco.

Em Portugal, com a acção popular privada do apoio governamental e presidencial, acresce uma indústria e agricultura que não receberam senão 5% da totalidade dos fundos comunitários, semi-destruídas pela concorrência europeia e internacional, o que se traduz numa dependência em cerca de 80% da importação de bens alimentares ( 3 mil milhões € na agricultura e 1 mil milhões nas pescas) e energéticos ( 6 mil milhões €), para um total de -18 195 milhões de euros em saldo negativo da Balança de Pagamentos em Bens transaccionáveis (2010_INE/BP), a diminuição do investimento estrangeiro produtivo e a crescente deslocalização dos grandes grupos económicos nacionais, diminuição do investimento estrangeiro (1 097 mil milhões) e paradoxal crescimento da exportação de capitais portugueses (6 325 mil milhões), legal e ilegalmente, o que significa perda de soberania e uma crónica e crescente dívida externa e consequente deficit financeiro, multiplicação do desemprego e aumento da miséria.

A explicação de que há uma viragem à direita no eleitorado, é um dado objectivo e revela, mais do que a falta de uma consciência política avançada, a perplexidade, o medo, a confusão e a desmoralização de grandes massas populares, mas não explica nada, porque é consequência e não causa.

Neste quadro político e económico a acção popular independente tende a enfraquecer e, esta foi uma das ilações que a esquerda também não quis tirar da fraca adesão à greve geral no sector privado. Por aquela razão, a passagem para a abstenção, voto nulo, branco e para a direita, de centenas de milhares de eleitores vítimas da crise, torna-se um processo inevitável, por temor ao futuro, para defesa do emprego familiar, por imperativo de subsistência (PS e PSD/CDS gerem muito bem o monopólio de empregos e negócios e as suas elites encontram em obscuras sociedades semi-secretas um espaço abrigado de negociação e partilha do poder) e, principalmente, por falta de alternativas.

Na fase pré-eleitoral, ficou claro que não haveria governo de maioria de esquerda e o medo, sobretudo da classe média, materializou-se no receio do vazio de governo e no temor da falência do Estado por falta de transferência das verbas acordadas no empréstimo.

O desastre eleitoral da esquerda tornou-se previsível e a banca nacional, beneficiária indirecta do financiamento do BCE a baixo juro e da compra de dívida pública nacional a taxas superiores e crescentes, decidiu retirar ao governo de Sócrates o seu derradeiro apoio e apostar na sucessão política mais à direita, com garantia do seu próprio refinanciamento sem quaisquer contrapartidas.

O terceiro erro estratégico da esquerda portuguesa foi nunca explicar cabalmente ao seu povo porque subiram progressivamente os juros da dívida soberana a partir de meados de 2009, enquanto a direita culpava exclusivamente o governo de Sócrates, de modo a co-responsabilizar as políticas das famílias da direita europeias onde se filiam o PSD e o CDS pelo favorecimento da especulação contra a nossa dívida soberana, pública e privada. Questão que permanece pois é o défice externo que está na origem da nossa dívida e a direita continua a escamoteá-la do debate político, subordinando a economia política às finanças.

De facto, os governos conservadores europeus, como o alemão, gastaram uma fortuna para ajudar os seus bancos privados (só em empréstimos e aumentos de capital o equivalente a 70% do PIB português_FMI), que sofreram elevadas perdas durante a crise e o seu sistema financeiro reorientou-se para captar a poupança interna para títulos de dívida pública alemã, aumentando a sua procura e logo diminuindo a sua taxa de juros. Como esta serve de referência europeia para o risco de incumprimento, o resultado automático foi que os países que necessitam de financiar-se viram aumentar a sua margem de risco e logo depois as taxas de juro da dívida. A taxa de juros da dívida pública alemã a 10 anos caiu de cerca de 3,6% em Junho de 2009 para 2,29%, em Outubro 2010. Ou seja, cerca de 36 % ou 1,3 do aumento do spread (diferença entre as taxas de juro) entre a dívida pública portuguesa e a dívida pública alemã, tornando irrelevantes os sucessivos PEC.

Num movimento simultâneo, os investidores estrangeiros deslocaram os seus ingressos nos títulos de dívida alemães para a compra de títulos dos países do sul, preferindo as suas taxas de juro mais lucrativas e inflacionadas pelas agências de rating, de tal modo que representam hoje ¾ da dívida externa portuguesa.

Enfim, a ofensiva dos mercados financeiros, resultou também de factores internos da política nacional, o crescente deficit externo, sendo este o factor interno mais importante, o crescimento das despesas do estado e o endividamento privado de bancos e grandes empresas, a fragilidade da maioria parlamentar do governo PS.

Mas neste quadro, a responsabilidade política pela nossa crise, pertence, em primeiro lugar, à maioria democrata cristã e liberal que domina as instâncias de poder europeu e não enfrenta a oligarquia financeira, onde se filiam o PSD e o CDS.

Aos erros de estratégia política, ausência de um candidato único da esquerda nas presidenciais; aposta no derrube do governo numa correlação de forças desfavorável e sem proposta alternativa de governo de esquerda; ataques principais contra a política governamental do PS, quando a política financeira conservadora da União Europeia determinava as medidas anti-nacionais e anti-populares da governação… somaram-se erros de táctica política.

O mais notório foi a recusa de conversações com a troika, oportunidade perdida para confrontar a UE e o FMI com as propostas alternativas da esquerda e para denunciar o aviltamento dos princípios da democracia e da solidariedade europeias, com a imposição de medidas político-económicas de governação e juros usurários, nas vésperas de eleições democráticas que deviam ser livres e soberanas e foram as primeiras que não o foram, por responsabilidade da democrática União Europeia!?. Foi um erro menor, pois ficou justificado no plano dos princípios, pela defesa da soberania da nação e da não ingerência nos assuntos internos do estado democrático português, de modo que as camadas populares de maior consciência política o aceitaram, mas que expôs a esquerda a outras críticas que lhe negam a capacidade de governar.

A destruição do estado nacional e democrático é hoje uma consequência da nova globalização promovida pelo capital financeiro sem pátria nem controle pelo direito internacional, as nações africanas como as suas primeiras vítimas e agora os países da periferia da Europa. Como escreveu o liberal Paul Krugman, a propósito dos 6,7% de juros impostos à emissão da dívida portuguesa em Janeiro de 2011 :” A few more successes and the European periphery will be destroyed.”

A denúncia de o investimento do governo no falido BPN ser igual ao valor anual da redução da dívida previsto para 2011; da fuga ao fisco, através da baixa capitação da banca, da não taxação dos dividendos financeiros, mas também pela distribuição antecipada de lucros nas grandes empresas privadas, sancionado pela cumplicidade dos partidos da oligarquia no poder; e, sobretudo, as parcerias público-privadas nas grandes obras públicas, que representam não apenas riscam zero para o parceiro privado mas também taxa de lucro garantida pelo esforço do Estado contra a lógica do mercado; e a defesa da sua renegociação, constituíram, pelo contrário, propostas tácticas que não só foram correctas e adequadas à conjuntura política, como constituem a base para um programa de viragem estratégica que permita iniciar um novo rumo para a democracia em Portugal e na Europa.

Finalmente, a proposta da renegociação da dívida ( e a auditoria de todos os deficits), que foi largamente deturpada por comentadores, jornalistas e adversários políticos, mas encontrou apoios insuspeitos nas figuras do PSD e CDS que conhecem bem o sistema financeiro, elevou a resposta política da esquerda a um novo patamar estratégico e configura todo um programa de resistência e alternativa à crise da dívida soberana, mas que tem de ir mais longe na definição de um programa de governo que defenda e aprofunde a democracia em Portugal.

Questões de importância nacional e “fracturantes” porque confrontam políticas ocultas movidas pelos interesses do capital financeiro, como o futuro demográfico de Portugal, a previsão da queda da nação para 7,5 milhões de habitantes num prazo de apenas algumas dezenas de anos, num país que não será para velhos nem para novos e a falta de um consenso nacional de todo o leque partidário para suster e resolver este problema, que é de sobrevivência nacional!? A democratização da justiça e a racionalização e qualificação do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública. A superação do deficit externo, no quadro de retoma do Plano Estratégico para os Oceanos, território marítimo que é a última reserva da riqueza nacional e cuja soberania a UE reclama e da luta contra o ermamento do mundo rural, questão ambiental de suma importãncia, estão para além da querela eleitoral e precisam de ser abordadas na perspectiva de um governo democrático de esquerda.

A esquerda que se reclama do passado revolucionário e do socialismo (s), tem de assumir a responsabilidade histórica de lutar directamente pela partilha do poder, por razões políticas e éticas, pois o dever dos revolucionários, dos socialistas, comunistas e de todos os progressistas e patriotas, quando a sua utopia está longe, é lutar pelas reformas políticas e sociais realizáveis hoje e no seu próprio país, minorando o sofrimento do seu próprio povo. E não apostar na lotaria eleitoral, na ilusão de receber em troca do desespero popular mais votos, que o flagelo da crise empurrará para a direita ou no discurso sectário, que desgasta o aliado potencial mas deixa o poder real nas mãos do adversário político.

A esquerda, em nome de uma certa visão da coerência política, desperdiçou as condições favoráveis ao seu crescimento político e eleitoral, condição indispensável para influenciar de facto a política nacional e pagou por isso em perda de votos e deputados. O povo português perderá muito mais do que isso.

A arte do compromisso e a política de alianças

A arte do compromisso é uma das componentes da coerência reformadora e revolucionária, sob o princípio de que é válido todo o compromisso que permite elevar e não rebaixar a consciência popular.

Não podemos considerar que exista uma generalizada cultura política em Portugal: tal não acontece em virtude da substituição da propaganda política organizada dentro e fora dos partidos, pelas acções de agitação eleitoral mediatizadas; por causa da transformação das juventudes partidárias em antecâmaras dos corredores do poder; pela redução da actividade partidária aos períodos e formas de acção eleitorais; pelo esvaziamento da democracia dos congressos e da sabedoria colectiva dos órgãos partidários. Pela escassez de informação política de qualidade na comunicação social, sobretudo sobre temas internacionais e pelo enfraquecimento da educação política nas escolas públicas e privadas, sobretudo no ensino superior, com um crescente preconceito contra as ideias rotuladas de marxistas….À medida que saímos do centro urbano para as periferias, da cidade para o campo, reencontramos o analfabetismo (ainda quase 1 milhão de pessoas em Portugal) e um ainda mais vasto analfabetismo funcional, acompanhados por um elevado índice de iliteracia política. Se o fenómeno de degradação da vida democrática dos partidos políticos afecta sobretudo os da oligarquia no poder, acabou por se disseminar entre a esquerda, nuns casos substituindo a acção política pela acção sindical e noutros pela concentração da actividade organizativa e de acção política no aparelho eleitoral. O enfraquecimento do PCP nas autarquias e empresas, a fragilização da organização sindical e cooperativa, a reduzida expressão política do BE nestes campos políticos, são o sinal de que também nesta esquerda o trabalho político de base tem vindo a decair ou está por fazer, mais acentuadamente no mundo rural e em torno dos problemas da crise ambiental.

Alianças políticas e governo de coligação da esquerda

As alianças políticas não podem ser confundidas e reduzidas à participação no “governo de coligação”. Quando PS, PCP e BE convergiram no parlamento para despenalizar o aborto, esse foi um acto político de aliança. Quando, no passado, todas as forças de esquerda convergiram para a vitória de Mário Soares sobre o candidato presidencial da direita, ou para apoiar as candidatura de Sampaio (à Câmara de Lisboa ou à Presidência da República) ou de Alegre, estamos de novo em presença de alianças políticas pontuais concretizadas num objectivo e num programa. Portanto, não só é redutor olhar a política de alianças, no terreno da luta pelo poder e pelo controle dos órgãos de estado, apenas na óptica da coligação ( com partilha de cargos governamentais), como é ignorar a própria experiência política nacional e do movimento popular. Assim, “a impossibilidade histórica de as esquerdas se entenderem em Portugal”, opinião comum entre os politólogos de esquerda, como a de André Freire e sobretudo propagandeada pela direita para se afirmar como a única alternativa estável de governo, também não corresponde à realidade política do país, mas continua a ser muito eficaz na propaganda eleitoral. “Mais recentemente, o Bloco apresentou 15 propostas concretas para o Orçamento em negociações propostas pelo governo, e confirmou que votaria um orçamento que consagrasse a prioridade do emprego e do salário qualificado (ignoro se Freire discorda destas 15 medidas, porque nada diz sobre o que deve fazer o governo)”, escreveu Francisco Louçã no âmbito do debate em curso (Para pensar o futuro: vale a aposta de um governo de coligação dentro da economia cruel?) E esta foi uma proposta de participação na política de governo, arrancando-lhe um compromisso mínimo em defesa dos direitos democráticos e populares. E conclui Louçã: “Mas o governo virou-se naturalmente para o PSD, porque era quem lhe garantia o ataque ao Estado social e o corte nos salários.”Ora esta acção táctica, passou praticamente despercebida na opinião pública nacional e o que prevaleceu, nos meses seguintes, foi uma orientação de sinal contrário: moção de censura para derrubar o governo numa correlação de forças desfavorável à esquerda. Na altura em que o governo Sócrates ainda resistia à entrada da troika e à pressão das agências financeiras, e recuperava para o PS outros valores da esquerda, nos costumes ( a legalização do casamento homossexual), na educação ( as “novas oportunidades”), no ambiente ( as energias renováveis), e aqui o que conta não é a”nossa” consciência crítica da inconsequência do PS nestas políticas, mas o modo como elas são percepcionadas pela sua base popular. Estas políticas de “esquerda” trouxeram (provavelmente) de novo para o PS uma parte do seu eleitorado, tal como (provavelmente), as conversações Bloco/PCP terão trazido outros, os que conservam preconceitos anti-comunistas. E seria interessante perceber porque é que o Bloco foi, em eleições anteriores, capaz de captar também votos de eleitores tradicionais do PSD e CDS, e de abstencionistas, agora perdidos.

Governo de esquerda e programa de transição para o socialismo

Esta oscilação táctica ( que incluiu uma reunião com a direcção do PCP sem resultados políticos nem sequer o da sua continuidade) e uma grande crispação interna como ponto de partida para o debate destes temas, evidenciam que o problema das alianças políticas e da alternativa de governo e de poder, é fundamental para o futuro político do Bloco e da sua unidade ( as dissidências e os abandonos não depuram nem reforçam os movimentos políticos democráticos, antes enfraquecem-nos e os maus métodos de discussão radicalizam estupidamente as posições; neles, movimento políticos democráticos, a decapitação e a morte política são abolidos). Exige-se pois um debate aprofundado, que retire lições da experiência da revolução em Portugal e da luta política na Europa (e Louçã convoca a trajectória dos Verdes e da Refundação Comunista, questão pertinente mas face à qual é preciso dizer que estes partidos são de uma matriz muito diferente do Bloco e que no caso dos Verdes a sua evolução política ainda decorre), mas também de outras experiências internacionais. Como no Brasil, onde, sem perda de coerência programática e autonomia partidária, as forças revolucionárias que lutam pelo socialismo fazem há muito parte da maioria de governo do PT. Um debate que conduza à reavaliação da estratégia, da táctica mas também à elaboração do programa de transição para o socialismo.

Começando pela experiência histórica do nosso país e essa é ainda uma lição actual da revolução democrática de Abril, os avanços mais profundos da revolução social tiveram como resposta o boicote económico, o cerco político e a ingerência estrangeira, mas apanharam igualmente toda a esquerda impreparada para ultrapassar a desorganização das forças produtivas e sem um programa para a democracia socialista. Esta questão, a da transição para o socialismo nas condições actuais, que é de programa, estratégia e acção táctica, nenhum partido a resolveu na Europa.

Mas não é só a revolução democrática no Norte de África que avança contra a crise global do capitalismo e põe em causa o mito neo-liberal “do fim da história”. Na América do Sur nasce um mundo novo que faz da revolução uma bandeira processional. Nada sabemos dessa América Latina. Bolivar, que quis criar uma pátria comum às suas nações oprimidas, para enfrentar o novo império estaduniense. Sandino, o general que derrotou os fuzileiros dos EUA e foi assassinado. Marti, libertador de Cuba.

Inspirados nessa tradição nacional e popular, mas também pela revolução cubana, não esquecendo os trágicos acontecimentos do Chile, onde um golpe militar organizado pelas oligarquias e pelo governo americano liquidou a via reformadora e nacionalista de Salvador Allende em 1973 e martirizou o seu líder; influenciados pelo marxismo-leninismo, pelo maoísmo, pelos teorizadoras da guerrilha urbana e do foco guevarista, mas também pela teologia da libertação e pelo socialismo reformista, uma nova geração de líderes, um antigo operário metalúrgico que fundou o PT no Brasil, Lula da Siva, Evo Morales, na Bolívia, Hugo Chavez, na Venezuela, Rafael Correia no Equador e agora Dilma Rousseff, escolheram a via democrática para o seu socialismo, dando prioridade ao combate da pobreza e à promoção dos direitos sociais, resgatando os recursos e as riquezas nacionais, reforçando o papel do estado democrático e social, a integração da economias regionais e promovendo a solução pacífica dos seus conflitos e as primeiras políticas ambientais.

Como conhecemos mal a evolução da China Popular e da República Democrática do Vietname, nascidas de outras revoluções.

O PS, sem a acção política independente dos partidos à sua esquerda, jamais se renovará, mas, a flutuação política da sua base popular nos últimos anos, parece indicar que só o confronto provocado pelo exercício do poder, no quadro de um programa independente apresentado “em baixo” mas também negociado “ em cima “ à sua esquerda, nas condições actuais do país e da Europa, conduzirá à diferenciação política das suas tendências. Isso foi visível quer na transferência inicial de votos para o BE, quer no peso que Alegre teve ao confrontar Sócrates internamente e nas primeiras eleições presidenciais a que concorreu.

Mas um governo de esquerda, se realizável no actual horizonte político e eleitoral, assentará provavelmente num PS ainda hegemónico e numa aliança política mais ampla ( questão que não se deve confundir com o governo de coligação) com o PCP e o Bloco de Esquerda, ou mesmo com novos partidos e movimentos políticos heterodoxos que a crise e a revolução democrática contemporâneas fazem nascer, e tenderá a ser socialmente alargada ao movimento sindical, cooperativo (que é uma alternativa para resistir à crise), de desempregados e precários, às instituições de solidariedade social, autarquias e entidades de administração regional e, incontornavelmente, ao mundo empresarial e financeiro.

Identificado a principal ameaça à democracia e ao socialismo, como refere Louçã, “ …o sector da burguesia que tem dominado os governos do PS e do PSD-CDS é o que produz bens não-transaccionáveis, e que por isso coloniza o Estado para garantir o apoio à banca, aos empresários das obras públicas, da especulação imobiliária, das grandes superfícies, dos casinos, dos monopólios naturais, da energia e das comunicações. É o capital financeiro.”

A esquerda, quando e se sair vencedora da luta democrática pelo poder, não terá nem os quadros, nem os recursos financeiros, nem a solidariedade europeia e internacional das forças progressistas, suficiente para realizar o seu programa de defesa e aprofundamento da democracia política, económica, social e ambiental.

Terá então de incluir num compromisso civilizacional, ou, em linguagem mais política, num programa de frente ampla, não apenas a grande maioria dos pequenos e médios empresários, proprietários e investidores, que constituem o tecido empresarial do país e estão situados nos sectores em crise da construção civil, comércio, turismo e produção alimentar, carteiras de investimento e poupança, mas estender-se à banca e às grandes empresas ( ainda haverá bancos e grandes empresas “nacionais”?) que aceitem o seu programa de criação de emprego, riqueza nacional e desenvolvimento sustentável do país.

O governo Passo Coelho-Portas aceitou vender os últimos anéis do estado: privatizar parcialmente a CGD, entregar as suas posições nas empresas mais lucrativas, tornando o nosso estado miserável, incapaz de financiar a sua função social, mas também a segurança, a justiça ou a defesa nacional, e inclui entre os seus apoiantes os defensores de uma “democracia musculada”, e é preciso sublinhá-lo, pois há outra alternativa a este governo, que é o de um governo mais autoritário legitimado por sucessivas alterações legislativas e, no culminar do processo, uma revisão constitucional.

Mas, apesar da maioria parlamentar, o crescimento eleitoral do PSD (de 1.653.665/2.145.780 e do CDS 592.778/652.278) permitiu-lhes chegar apenas ao teto de 2.798.058, o que representa uma base social de apoio que não chega a 1/3 dos cidadãos.

A Grécia e a Irlanda, depois talvez a Bélgica, a Itália e a Espanha, afundam-se na crise social provocada pelo capital financeiro.

Mas os conservadores podem igualmente perder o poder na Alemanha e na França, no Leste e na Europa do Norte.

E nesta encruzilhada, que projecto defenderá a nossa direita para a União Europeia? A desagregação da Europa em estados rivais dominados pelas sociedades financeiras, o confronto com as novas democracias árabes, asiáticas, latino-americanas e o caos económico e social dentro das nações?

Um governo apoiado por uma frente única de esquerda ( este conceito político não tem de ser orgânico) poderá evitar a catástrofe iminente e apontar à Europa e ao mundo o caminho do aprofundamento da democracia, do controle do capital financeiro pela política democrática e pelo direito internacional, a alternativa da sustentabilidade económica e da paz, da prevalência da ética ambiental sobre o progresso científico, o crescimento económico e o mais democrático dos regimes da democracia liberal ou socialista deste século XXI. Ou a nossa comum civilização, mais de quatro mil anos milenar, não conhecerá o seu século XXII.

O Monstro gorduroso, o Bom e o Mau Estado

No mesmo discurso político que justificou a assinatura do acordo com o FMI, a UE e o BCE, todos os cidadãos são acusados de ter vivido acima das suas possibilidades, até os que nasceram em famílias laboriosas do Portugal subdesenvolvido de Salazar e Caetano, 80% dos agricultores e pequenos e médios empresários que nunca beneficiaram de qualquer subsídio da administração ou da UE, os que faliram trabalhando dura e honestamente, arruinados pela concorrência impiedosa do mercado global, todos, incluindo os velhos assalariados que mourejaram de sol a sol no Alentejo ou no Douro, nas Berças ou em Trás-Os-Montes, atravessando o melhor da vida sem a luz da instrução e o carinho dos apoios sociais, são responsabilizados por viver acima das suas possibilidades, mesmo que já não sejam donos dos seus andares, da betoneira ou tenham arrumado a viatura em segunda mão e recebam uma pensão abaixo do limiar da pobreza.

Discordo. Há uma maioria de trabalhadores que nunca recebeu sequer o equivalente ao valor social do seu trabalho, e nessa maioria incluo a maior parte dos pequenos e médios empreendedores. E à medida que os factos reais da “governança” da administração pública, dos grandes partidos, bancos e empresas se revela, cresce a minha convicção de que este problema, de viver acima das suas possibilidades, está sobretudo no crescimento desmesurado de uma elite social que o país não comporta. E esse crescimento teve como passaporte a troca de influências políticas a todos os níveis do Estado. É certo que, alguns sectores populares e sobretudo a classe média, aumentaram o seu crédito, mas esse crescimento teve como lado positivo a expansão do mercado interno, sobretudo o imobiliário, a compensação da queda das receitas do turismo internacional e a prosperidade do comércio das grandes superfícies.

Outra questão, é a do lugar da economia de Portugal no quadro da divisão internacional do trabalho e da sobrevivência da nação portuguesa perante a globalização, com um deficit externo brutal, que espelha não apenas a dependência financeira, mas também alimentar, atingindo 80% dos consumos de bens essenciais. E este é o problema maior e a fonte de todas as dívidas. Sem a sua resolução, o controle do deficit financeiro será uma ilusão precária. É porventura sobre isto, que Paul Krugman, o Nobel da economia, quando comenta os altos juros da última emissão de dívida portuguesa, fala: “If you think about the debt dynamics here — the burden of growing interest payments on an economy that is likely to face years of grinding debt deflation — an interest rate that high is little short of ruinous.”

Cresce, pois, a minha convicção de que o problema, de viver acima das nossas possibilidades, está sobretudo no crescimento desmesurado de uma elite social que o país não comporta:

Nada me move contra as elites políticas e económicas. O meu maior receio é sobretudo que nenhuma delas, partidariamente ou socialmente organizadas, saiba hoje o que fazer para sair da crise. Temo mesmo que cada um, por detrás do discurso técnico -financeiro, politicamente radical ou cor-de-rosa, esteja já a preparar o salve-se quem puder.

Não percebo, perante a gravidade da crise industrial, porque não reúnem em Congresso Nacional, aberto aos seus parceiros do mundo, os nossos empresários da indústria!?

Não entendo porque prolifera a concorrência sectária dos bancos, quando, todos juntos não representam sequer 2% do capital financeiro europeu!?

Não percebo porque se abandonou o Plano Estratégico para os Oceanos, nem porque as confederações agrícolas, partidariamente opostas, não vale a pena negá-lo, não avançam mesmo assim para um compromisso histórico que sustenha o ermamento do mundo rural, a única reserva de alimentos com o mar, fonte da água potável e sumidouro do carbono, que as enterrará a todas!?

Não entendo como podem os presidentes das maiores Câmaras exibir dívidas impagáveis de centenas de milhões de contos e a sua Associação Nacional não tocar a rebate, constituindo comissões especializadas, promovendo encontros multilaterais, para difundir as boas práticas municipais, conjugar estratégias de gestão face à banca credora e programas de cooperação efectiva intermunicipais, preparando intensa e democraticamente a reforma da gestão e das estruturas municipais e regionais do país, que tarda e é inevitável!?

Não percebo a passividade da Confederação do Comércio, perante a agonia do comércio tradicional, nem a sobre dimensão dos grandes espaços comerciais, gigantes com pés de barro que enriqueceram numa falsa prosperidade geral de milhões de pequenos consumidores com trabalho precário e crédito facilitado, crescendo, crescendo e importando cada vez mais, reproduzindo-se sem cessar, até…!?.

Não compreendo a guerra civil na justiça, envolvendo advogados, juízes e procuradores, enquanto os legisladores e decisores políticos, os autores de leis de malha larga, intermináveis diligências, generosas prescrições, os responsáveis pelos magros recursos técnico-científicos disponibilizados e pela elevação das taxas judiciais, passam incólumes face à opinião pública.

Não concebo a arrogância e descomprometimento de antigos e actuais ministros da economia e das finanças, primeiros-ministros e presidentes da república, senão como máscara de impotência política e ambição suicida de poder!?

Diferentes Estados e diversas funções sociais dos Estados

Confunde-se o peso dos impostos com a sua boa ou má gestão, e a eficácia do Estado com a grande ou pequena carga fiscal.

Os dinamarqueses estão sobrecarregados de impostos, a taxa máxima de IRS chega aos 59% e de IRC aos 25% e a sua economia tem crescido regularmente e com estabilidade, os apoios sociais promovidos pelo Estado garantem a saúde, educação, assistência na velhice…e apoio judicial para todos, ao mais alto nível.

Na República Popular da China, em 1979, os impostos e taxas dos camponeses correspondiam a 41% da receita fiscal. Caíram, à medida que se desenvolviam a indústria e os serviços, para 1% do total da receita fiscal no ano de 2003. Estes recursos financeiros, acompanhando a abolição das relações feudais de propriedade e a entrega da terra a mais de quinhentos milhões de camponeses pobres, serviram para a criação das estruturas baseda banca, telecomunicações, energia, comunicação social, educação, saúde e investigação, primeiro nas regiões conquistadas pelo Exército Popular da China_EPL e depois com a fundação da RPCh, generalizaram-se em todo o país. Sob a base deste Estado forte e centralista, os camponeses viram melhorar a sua condição social e mais de 200 milhões elevaram-se acima dos níveis de pobreza (Fonte: Banco Mundial), enquanto os seus impostos baixavam para níveis residuais.

Na Irlanda, os recursos do Estado foram desviados para salvar mais quatro grandes bancos e a sua dívida pública subiu até ao recorde de 32% do PIB.

Na conjuntura actual, o que têm em comum os países que continuaram a crescer, apesar da crise, como Angola e a Índia, o Vietname e o Brasil, a China…? Um amplo e forte sector de estado nos sectores fundamentais da economia.

Na actual crise, o que têm em comum (dados de 2009) Portugal, EUA, a Grécia, Irlanda Itália e… Alemanha? Em Portugal, um deficit orçamental de 9,3 % do seu produto interno bruto (PIB) e uma dívida pública equivalente a 79% do PIB. Os EUA, um deficit orçamental equivalente a cerca de 10% do PIB e uma dívida pública equivalente a 83% do PIB; a Grécia, um deficit orçamental de 16,35% do PIB e um índice de endividamento em relação ao PIB de 125%; a Irlanda, um deficit orçamental de 16,35% do PIB; a Itália, um índice de dívida em relação ao PIB acima de 100% desde 1992. Em 2009, esse índice atingiu o pico de 115. Alemanha, 80% do PIB %.(Fonte: Federal Reserve Bank of Atalanta). São rácios piores ainda que os de Portugal e indicam que estes Estados perderam não apenas o poder de controlar a economia, como passaram a ser controlados pelo sistema financeiro.

Então, o problema passa a ser qual é a função social do Estado, que interesses defende e

qual é a sua dimensão ética, sobretudo se respeita a dignidade dos seus cidadãos, garantindo-lhes o direito à paz, ao trabalho, à educação, saúde e assistência na velhice, à conservação da biodiversidade e à liberdade, sim, a liberdade está colocada nesta ordem, pois desaparece com a guerra e vale menos sem o trabalho e os outros direitos sociais e com a destruição da diversidade da vida, as comunidades humanas não terão futuro. E a questão é ainda se o Estado combate a sua própria corrupção.

Mas também se os líderes políticos, financeiros e empresários alemães, apoiados no actual governo francês, querem construir uma comunidade europeia democrática e solidária, ou escolhem de novo a via do pan-germanismo, agora em direcção aos mercados abertos e desregulados do Leste.

António dos Santos Queirós, Não filiado no Bloco

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