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O que tem a Europa a dizer a Trump?

Trump é o personagem principal da história que se repete. Mas não cometamos o erro de acreditar que está sozinho em palco, a representar o seu horrífico one man show perante um Mundo que se indigna.

O nacionalismo económico de Donald Trump tem pouco de novo. O objetivo não é proteger o trabalho ou os seus direitos. Trump quer fazer dos EUA o paraíso da exploração, dos baixos impostos para as grandes empresas e da desregulamentação ambiental e financeira. Reparem que à Goldman Sachs, a espinha dorsal do selvagem capitalismo global, não incomoda nada integrar a administração Trump.

Quanto ao resto, o muro com o México ou os decretos para banir muçulmanos dos EUA, é racismo, puro e duro. É xenofobia. É política de guerra.

Donald Trump tem aliados na Europa para este programa de extrema-direita. Quer reunir com Theresa May para ressuscitar o encontro entre Reagan e Thatcher que, nos anos 80, determinou o início da hegemonia da Direita na política mundial. Mantém contacto próximo com Marine Le Pen. Está a inspirar Viktor Orbán, o protofascista húngaro no poder.

A Europa está a ser dominada por uma vaga conservadora, xenófoba e com laivos fascistas. Mas que Europa é esta que não dá luta, e que parece embarcar sem grande resistência nesta vaga cheia de passado?

Não é esta também a Europa da Goldman Sachs? Não é esta a Europa que paga 6000 milhões à ditadura turca para manter centenas de milhares de refugiados em autênticos campos de concentração? E quantas mortes esconde o seu muro do Mediterrâneo? E a quantos foi negada passagem segura para fugir da guerra, não por serem apenas muçulmanos, ou sírios, mas por serem imigrantes, sem poder e sem escolha?

Não confundo alhos com bugalhos. Trump é, da forma mais revoltante e repugnante, tudo o que sempre rejeitei. Representa o programa que o Bloco de Esquerda quer intransigentemente combater. Mas não se combate os muros de Trump com os muros do Frontex Europeu. E não se combate a Goldman Sachs com a Goldman Sachs. Nem se combate a selvajaria laboral e económica que Trump propõe com a absoluta precarização laboral ou com a chantagem da austeridade levada a cabo pelas instituições europeias.

Combate-se o trumpismo com democracia, com solidariedade entre povos, com Estado social, com dignidade no trabalho e decência na economia. Parecem chavões? Pois não são. A cada um destes pontos corresponde um conjunto bem concreto de políticas. E, em quase todos, esta Europa falha. Ela já não é uma alternativa, e é por isso que a sua crítica a Trump se ouve tão baixinho.

Há, nos EUA como na Europa, quem resista à extrema-direita e não ceda à chantagem do menor dos males. É nesses movimentos e partidos que está hoje a esperança dos EUA e da Europa.

Artigo publicado no Jornal de Notícias a 31 de março de 2017.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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