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Uma nacionalidade anti-trump

A resposta das democracias à política de choque e pavor praticada por Trump joga-se sobretudo na não aceitação da normalização do estreitamento da democracia política e no combate pelos direitos todos.

A resposta das democracias à política de choque e pavor praticada por Trump joga-se em muitos campos, desde a disputa de conceitos até ao repúdio do Estado-gerido-como-uma-empresa. Mas joga-se sobretudo na não aceitação da normalização do estreitamento da democracia política e no combate pelos direitos todos: os civis, os económicos, os sexuais, os dos imigrantes.

Repito, trata-se da resposta das democracias. Ou seja, tem que fazer-se em cada país com a intensidade máxima porque é em cada lugar que a resignação ao trumpismo difuso se fará ou se contestará. É por isso que a discussão sobre a nacionalidade em Portugal tem uma relação íntima com a resposta ao choque e pavor de Trump.

Até 1981, quem nascia em Portugal tinha direito à nacionalidade portuguesa. A partir dessa data, passaram a ter a nacionalidade portuguesa os filhos de portugueses. Consequentemente, os filhos de estrangeiros nascidos em Portugal passaram a ter a nacionalidade dos seus pais. Nascem em Portugal e ficam imigrantes em Portugal. Ficam amarrados à nacionalidade de um país que, de facto, não é o seu porque nele não têm raízes nem com ele têm relação. E aqui, onde têm raízes e criam relações sociais, afetivas, culturais, são tratados como cidadãos de segunda. Sim, cidadãos de segunda – porque, apesar de aqui viverem, de aqui estudarem, de aqui trabalharem e de aqui pagarem impostos, é-lhes exigido, para adquirirem a nacionalidade portuguesa, que sejam aprovados num certificado de Língua Portuguesa, que exibam um registo criminal emitido no país de naturalidade dos seus pais e que paguem entre 175 e 250 euros.

Fosse gente rica, com direito a visto gold, e tudo seria mais fácil. Mas não. Este país não é para todos os que aqui nascem. E vem-nos à cabeça uma pergunta banal: mas faz algum sentido que quem aqui nasce, aqui cresce, aqui cria as suas relações e as suas raízes não tenha a nacionalidade portuguesa? É que há o perigo de alimentarmos as redes de emigração clandestina, dizem-nos os prudentes do costume. E depois entrava toda a gente, acrescentam os cínicos do costume.

Defender que o princípio seja que quem nasce em Portugal tenha a nacionalidade portuguesa é pormo-nos no avesso de Trump. É fazermos da nacionalidade uma expressão de estima pela riqueza que é sermos uma sociedade plural e cosmopolita. Repudiemos o trumpismo. Consagremos na lei o orgulho de sermos o país de Emília e de Ivan, de Chandra e de Francisco, de Gelson e de Samira, de Mamadou e de Rosa. Se todos/as têm a mesma relação com Portugal, não há nada, a não ser o preconceito que justifique que não sejam todos/as portugueses/as.

Artigo publicado no diário “As Beiras” em 4 de fevereiro de 2017.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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