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Prometo que talvez

Estranho Mundo este em que a maior responsabilidade da classe política perante os seus eleitores passa pelo cumprimento das promessas.

Mais importante que a diferença entre bem e mal, mais relevante do que a boa execução das medidas, bem maior do que a percepção e avaliação dos resultados, é da eficácia da "check-list" que reza a história. Mesmo que subam os impostos de uns em detrimento dos impostos da riqueza de outros, mesmo que o emprego não aqueça e o crescimento da economia não alavanque, ainda que se cortem salários ou pensões, o gozo supremo que dá quando se cumprem mais de metade das promessas secundárias ou de vão de escada. Foi assim em tantos governos dos últimos 20 anos. No prometer é que está o ganho, promete-paga porque se pagas pareces cumprir.

Um indicador de cumprimento de promessas é muito redutor quando ninguém tem grandes dúvidas de que parte substancial do Poder Político eleito em democracia preferiria ocultar o seu programa eleitoral dos eleitores, abstendo-se de o discutir, se pudesse. Seria o fim de tantas eras de edição actualizada, do copy-paste revisto do programa anterior, bem-vindos ao golpe de misericórdia para a paciência dos democratas. A forma como as ideias políticas e societárias são objectos não identificados ou alucinações menos próprias para consumo no debate eleitoral e no cumprimento das legislaturas fazem da apropriação do chavão mais inócuo a principal bandeira programática. E também por isso é que em cada eleição tudo parece transformar-se num "reality-show" com a sondagencracia no comando do sistema. Se existes, logo és; como tem sido útil para o voto útil e para o freio do voto em convicção. Vota-se, tantas vezes, pela tendência. Agora, aprecia-se pelo índice de cumprimento.

Por cumprir está o desígnio. Os portugueses continuam a acreditar que os políticos são incumpridores de promessas e, infelizmente, ainda bem. O novo estudo do ISCTE que demonstra que os governos da últimas décadas cumpriram cerca de 60% das promessas escritas nos programas eleitorais (o primeiro Governo de António Guterres, minoritário, terá cumprido 85% e José Sócrates cerca de 80%) não engrandece por si só a classe política portuguesa. É possível fazer igual e o seu contrário com a mesma taxa de eficácia. "Read my lips". Basta perguntar a qualquer ditador sobre a vantagem da eficácia das promessas cumpridas e vê-lo soletrar um sorriso. Antes mentissem.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 18 de janeiro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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