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Donald Trump não é 'grande demais para falhar'

A sua vitória ilustra a fraqueza do Partido Republicano, não a sua força. E mesmo proferindo tantos autoelogios, ele é vulnerável. A sua agenda não é intocável. Por Gary Younge/The Nation.
 "Nunca vimos algo parecido com ele – mas ele não veio do nada" Foto Matt A.J./Flickr
"Nunca vimos algo parecido com ele – mas ele não veio do nada" Foto Matt A.J./Flickr

Logo após o final do ano, foi pedida uma resposta ao presidente eleito sobre a insistência do seu companheiro republicano em relação à aplicação de sanções contra a Rússia por causa da sua suposta participação como hacker durante a eleição. Ele disse:

“ Acho que os computadores complicaram muito as vidas. A era do computador chegou a um ponto em que ninguém sabe o que está a acontecer. Temos velocidade e muitas outras coisas, mas não sei se temos a segurança que precisamos. Mas eu não conversei com os senadores e certamente ainda o farei".

Serão longos anos, então é melhor que nos preparemos. Donald Trump é um farsante. Ele é racista. Ele é misógino. É um charlatão. Ele é intolerante e xenófobo. Um mentiroso e um plutocrata. Tudo isso é verdade; nenhuma delas é o ponto a que quero chegar.

Se nos concentramos apenas nesses aspectos podemos cair numa fornalha de raiva que possivelmente levará à autoimolação. Criará grandes desenhos e memes e nutrirá uma noção de desespero e reclamação que podem marinar em autoindulgência. Haverá muito material para as pessoas de esquerda que querem sentir raiva.

Há muitas pessoas com as qualidades de Trump que vagueiam pelo mundo deixando as pessoas à sua volta em situação de miséria. Trump não inventou o racismo, a estupidez, a islamofobia, ou o nacionalismo. Ele não é o primeiro a entrar na Casa Branca com intenções discriminatórias. A presidência não é meritocracia – já passaram muitos homens incompetentes pelo cargo para alguém acreditar que este é ocupado pelos mais preparados do país.

Uma ameaça à democracia

Donald Trump não vai ter que construir um regime autoritário que ignora os Direitos Humanos do zero; ele tem um edifício intacto, construído pelos antecessores de ambos os partidos. A realidade já é suficientemente má; não precisamos amplificar os seus horrores com mitos. Nunca vimos algo parecido com ele – mas ele não veio do nada.

Trump é perigoso. A sua campanha deu poder a todo o tipo de intolerantes. Ressoou globalmente, onde a extrema-direita, de França à Finlândia, emergiu como a principal beneficiária eleitoral da crise financeira. A sua campanha dispensou normas eleitorais favorecendo a violência e a disputa racial. Sendo assim, ele não somente representou uma ameaça à democracia, como também a sua candidatura foi produto de uma democracia já em crise. A razão pela qual Trump interessa não é porque ele é uma pessoa terrível. O problema com Trump não resulta do facto de ele ser incompetente. É que ele ganhou – e levou as suas qualidades à nação, vangloriou-se e emergiu vitorioso.

Trump é perigoso. A sua campanha deu poder a todo o tipo de intolerantes. Ressoou globalmente, onde a extrema-direita, de França à Finlândia, emergiu como a principal beneficiária eleitoral da crise financeira

Este ponto pode ser exagerado. Ele não ganhou o voto popular. A taxa de participação nas eleições foi a mais baixa dos últimos 20 anos. Trump ganhou com uma percentagem menor dos votos elegíveis do que John Kerry, John McCain, Mitt Romney e Gerald Ford quando concorreram à presidência – e todos perderam. Ele obteve a mesma percentagem de votos dos brancos que McCain em 2008. Isso não foi carimbado pelos membros da extrema-direita; eles entraram por uma porta entreaberta pela ambivalência de muitos e a arrogância de outros.

Mas há algo que não pode ser negado. “Eleições têm consequências”, alertou Barack Obama aos republicanos logo após tomar posse em 2008. Isso ainda é verdade. E porque Trump ganhou, ele agora tem poder – o tipo de poder que poder destruir vidas e o planeta. As mãos que um dia “pegaram em vaginas” agora têm acesso aos códigos. A sua personalidade é ofensiva; é o seu poder que é verdadeiramente assustador.

Vulnerabilidades

Felizmente, enquanto a direita tem poder, não está em ascensão. A vitória de Trump ilustra a fraqueza dos líderes do Partido Republicano, não sua força. Eles queriam outra pessoa, e agora não podem controlá-lo. Trump ridiculariza-os abertamente. Mesmo vangloriando-se, permanece vulnerável e a sua agenda não é intocável.

Mas não há nada inevitável em relação à sua queda. Se a esquerda o vai desafiar efetivamente nos anos que se seguem, deve aprender as lições da sua derrota. A máquina do Partido Democrata não precisa de ser afinada, precisa de ser reformulada. Por muito tempo foi excessivamente arrogante, complacente e desdenhosa (e às vezes os três) para argumentar que “ao menos não somos eles”.

A razão pela qual Trump conseguiu o poder não é porque teve ideias melhores, argumentos melhores, melhor organização, ou porque gastou mais dinheiro. Foi porque aqueles que se lhe opuseram não ofereceram esperança, mas sim o status quo, num  país onde a desigualdade entre os ricos e os pobres, os brancos e os negros, é cada vez maior. Ele ganhou porque os seus adversários acreditaram nas suas próprias relações públicas. A arrogância levou-os ao Arizona enquanto a humildade deixá-los-ia na Pensilvânia. Ele ganhou porque, emergindo num período de crise económica, o multimilionário cujo bordão é “você está demitido” acabou por surgir menos com um representante do establishment do que a liberal que afirmava representar os pobres. Se ele é incompetente, o que somos nós?

 

Publicado no site Carta Maior no dia 10 de janeiro de 2016

Subtítulos da responsabilidade do esquerda.net

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