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Sentimos vergonha por Aleppo?

Não se sabe ao certo quantas pessoas estão na zona oriental da cidade; não se sabe ao certo porque lá ficaram e se, agora, querem sair; não se sabe ao certo que tipo de garantia estas pessoas têm de que não vão ser acusadas de cumplicidade com os rebeldes; não se sabe, ainda, grande coisa, sobre o acordo de cessar-fogo. Há muito por saber, mas sabe-se – e a ONU pode falhar por omissão mas não costuma falhar quando faz acusações muito directas – que nas últimas horas 82 civis foram executados em casa pelas forças do regime sírio ou forças aliadas. E é bom não esquecer que o regime sírio tem cometido toda a espécie de crimes: tortura, execuções, prisões secretas, milhares de desaparecidos, bombardeamentos indiscriminados. Pode haver, e certamente há, muita propaganda contra Bashar al Assad, mas existem inúmeras fontes a darem conta desse tipo de atrocidades e não é mais possível ignorar a brutalidade do regime.
Do lado dos rebeldes também há notícias de atrocidades contra os civis, em particular contra os que tentaram passar para a zona oeste controlada por Damasco. Sendo tudo isto absolutamente condenável, não é fácil entender como é que algumas pessoas de esquerda em Portugal defendem um regime execrável apenas porque tem o apoio da Rússia e condenam os rebeldes apenas porque têm a simpatia de alguns países ocidentais; enquanto à direita apenas se condena os ataques com apoio da Rússia e do Irão esquecendo que do lado rebelde a forma de fazer a guerra também não é "flor que se cheire".
A Batalha de Aleppo, é uma moralizadora vitória para Assad e permite construir um eixo contínuo de cidades sírias (Aleppo, Idlib, Homs, Damasco e Daara) na região oeste do país. É um eixo que fica “colado” às duas províncias alawitas que são a base de apoio do Presidente Bashar al Assad. Estas cidades significam também a zona mais habitada, mais fértil e são a estrutura de suporte da Economia síria. Por outro lado estão concentradas num faixa pequena do território o que permite a sua mais fácil defesa em termos militares.
Mas a conquista de Aleppo não é um ponto final na guerra na Síria, uma guerra que tem duas frentes e até se pode dizer que são duas guerras. O regime sírio combate as forças da oposição que defende a revolta iniciada em 2011 e também combate o Estado Islâmico que ainda controla várias cidades sírias. A conquista de Aleppo parece ter levado a uma concentração do esforço militar na missão de Aleppo, obrigando a “destapar” outras necessidades militares como era o caso da protecção à cidade de Palmira. Essa opção (?) permitiu ao Estado islâmico reconquistar a cidade. Para além da derrota, as forças sírias perderam também muito equipamento militar para os extremistas. A Agência de notícias do Estado Islâmico divulgou esta terça-feira um vídeo de uma alegada base militar russa em Palmira, completamente deserta, e onde foi deixado muito armamento.
Agora resta saber qual é a capacidade militar do regime – fortemente diminuída após mais de cinco anos de guerra – para manter Aleppo e as outras cidades, para reconquistar Palmira e, vai ser terrível, desencadear um eventual ataque à capital do Califado, a cidade de Raqaa. Falta também saber qual a capacidade da oposição síria, em particular do Exército Livre da Síria, para reagrupar forças e tentar obter apoios internacionais para manter a oposição militar ao regime de Bashar al Assad. Em declarações à Al Jazeera, Haji Hassan, líder do concelho rebelde de Aleppo prometeu que a revolução vai continuar e desmentiu a influência da Jabat Fatah al Sham (antiga Front al Nusra, ligada à Al Qaeda) na cidade: “não são mais do que um por cento” dos rebeldes.
Esta é a análise fria da situação, mas o importante seria mesmo que as armas agora caladas em Aleppo se calassem em toda a Síria. As imagens que nos chegam de Aleppo deveriam envergonhar-nos a todos. O chamado falhanço da comunidade internacional é, nem mais nem menos, do que o nosso falhanço colectivo. Em pleno século XXI as nossas sociedades já deveriam ter força suficiente para exigir aos líderes políticos que encontrem forma de acabar com a tragédia.
O artigo de José Manuel Rosendo foi originalmente publicado no blogue o Meu Mundo Minha Aldeia.
Comments
Treta
Os radicais islâmicos tomaram conta da rebelião "moderada" há anos.
Declarações de que radicais islâmicos não são mais do que "um por cento" dos rebeldes feitas por um "responsável" dos rebeldes à Al Jazeera não valem nada. Al Jazeera é controlada pelo governo do Qatar, que faz parte dos estados que apoiaram os rebeldes e que aderiram à causa do derrube do regime sírio, "custe o que custar".
Apesar do regime sírio ser uma ditadura, ainda era razoável no contexto do médio oriente (comparando com a Arábia Saudita, por exemplo).
Como ocidental, envergonha-me a postura claramente parcial e russófoba por adoptada pela quase totalidade dos meios de comunicação ocidentais e até das Nações Unidas e instituições associadas.
Quando os "moderados" usam
Quando os "moderados" usam coisas como os canhões do inferno, quando impediram a realização de uma retirada de civis mais cedo e quando usam hospitais e escolas como postos de comando, estou certo que serem ou não ISIS (apesar de haver elementos da Al-Nusra em Alepo) não faz diferença nenhuma para os civis. As forças que apoiaram a primavera árabe não são uma força coesa e a diferença entre eles, a ISIS ou as forças governamentais (como a Tiger Force) é ínfima.
O que interessa retirar daqui é que ganhe quem ganhar, a Síria está fodida.
O Bloco de Esquerda não
O Bloco de Esquerda não aprende mesmo nada, pois não? Ou não quer aprender? Depois de chafurdar na Líbia, apoiando os “rebeldes” contra o “facínora” Kaddafi – e que bem está a Líbia, não está? –, eis que abraçam a causa dos “rebeldes” sírios num artigo que só pode ter sido patrocinado pela USAID. “A ONU […] não costuma falhar quando faz acusações muito directas” e o Pai Natal, que evidentemente existe, está neste momento a trabalhar com muito afinco na Lapónia. De facto, “só a esquerda radical pode salvar o capitalismo”, ou melhor, o imperialismo.
"Pouco mais"???
"Exército Livre da Síria e POUCO MAIS"???
Então e as ratazanas da Al-Nusra,não contam?
Vergonha devem ter vocês de publicar isto. Para propaganda já basta a SIC, RTP e TVI não?
Há dois temas em que era
Há dois temas em que era melhor que o Bloco de Esquerda não se pronunciasse, sobre os ditos rebeldes "bons" e sobre as ditas "primaveras árabes". Assim evitar-se-ia a companhia com os defensores da sharia, do fundamentalismo islâmico e das milícias da Arábia Saudita.
Sempre fui comunista, mas
Sempre fui comunista, mas tenho pena que o meu partido pareça ter sido tomado por uma fação de lambe-cús do Putin (e ultimamente até do Trump, pasme-se!), que fecham os olhos aos massacres da ditadura do Assad e enquanto as bombas russas e as balas iranianas atingem civis dizem que a culpa é da intervenção imperialista... dos EUA! Se Álvaro Cunhal fosse vivo, tenho a certeza que a deriva putinista do meu partido teria sido travada a tempo.
Cheira-me a esturro este post
Cheira-me a esturro este post da D.Olivia. Cá pra mim também deve pertencer à ONU
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