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Quem faliu o Rio de Janeiro?

Política de renúncia fiscal por parte do governo é a responsável pelo colapso financeiro. Agora, o governador quer forçar os funcionários e reformados a pagar os custos da crise. Por Luis Leiria, do Rio de Janeiro.
Rio Falido, manifestação no Rio de Janeiro - Foto Mídia Ninja
Rio Falido, manifestação no Rio de Janeiro - Foto Mídia Ninja

A Cidade Maravilhosa está falida. Disso já tínhamos sido informados quando o governo do Estado do Rio de Janeiro, às vésperas das Olimpíadas, em 17 de junho, decretou estado de calamidade pública, alegando não ter condições financeiras para cumprir os compromissos assumidos com a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Nessa altura, os funcionários públicos estaduais estavam com os salários em atraso e as urgências de vários hospitais do estado foram fechadas por falta de verbas.

O estado de calamidade criou uma situação jurídica especial que permitiu ao governo federal vir em auxílio do governo estadual, na altura chefiado interinamente por Francisco Dornelles, já que o governador Luiz Fernando Pezão, do PMDB, estava de licença médica.

O “Pacote de Maldades”

Passados os Jogos – e as eleições municipais – o governador, de regresso ao cargo, anunciou na semana passada um conjunto de medidas para fazer frente à crise financeira do Estado, e que já foi apelidado de “Pacote de Maldades”. O plano joga o custo da crise sobre os funcionários públicos estaduais.

De facto, a principal medida é a criação de um desconto temporário para a Previdência Estadual (Segurança Social do Estado do Rio), a ser aplicado por pelo menos 16 meses, de 30% sobre as pensões dos reformados do Estado (que até agora eram isentos); os funcionários ativos têm o desconto atual de 11% elevado também para 30%. Os funcionários não receberão aumentos de salários já aprovados e deixarão de receber os adicionais por tempo de serviço.

O governo corta igualmente um conjunto de gastos sociais, como o Programa Renda Melhor, os Restaurantes Populares, alugueis sociais e um enorme etc.

Desculpas do governo não convencem

A justificativa do governo para tamanho colapso é a dimensão da crise económica: "Não há cenário na história desde 1900 para cá em que a gente tenha convivido com uma recessão desse tamanho", justificou o secretário de Planeamento, Francisco Caldas, em conferência de imprensa.

A redução da receita dos royalties do petróleo, que o governo recebe da região petrolífera da bacia de Campos, provocada pela queda do preço, é o argumento principal usado pelos governantes para justificar o colapso financeiro.

Mas é um argumento que não convence os funcionários, que não aceitam ter qualquer responsabilidade pela crise e portanto não veem por que teriam de ser eles a pagar-lhe os custos. Por outro lado, se é certo que a principal fonte de arrecadação do Estado do Rio de Janeiro vem do petróleo, também é verdade que eventos como os Jogos Olímpicos deveriam ter gerado uma considerável receita suplementar em impostos. Mas o que se verifica é o oposto: uma política descontrolada e incompreensível de renúncias fiscais em benefício das grandes empresas leva a que a arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a segunda principal fonte de arrecadação, esteja reduzida a quase metade: para cada real que arrecadou de ICMS, o estado isentou 0,78.

Empresas beneficiadas

Um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE), divulgado recentemente, mostra que o governo do Rio deixou de recolher em ICMS cerca de 138 mil milhões de reais (quase 39 mil milhões de euros) entre 2008 e 2013, devido às isenções fiscais concedidas a várias empresas.

O documento aponta casos em que as empresas tiveram mais benefícios em ICMS do que o próprio valor que gastaram para instalar fábricas em alguns municípios do Estado do Rio.

O documento cita também o exemplo do grupo Nissan, que beneficiou de isenções de 353 milhões de reais entre 2012 e 2013 e também recebeu financiamento do estado no valor de 5,9 mil milhões de reais, só tendo sido inaugurada em 2014. "Neste diapasão, significa dizer que o Estado do Rio financia duas vezes o grupo empresarial tomado como exemplo: quando empresta recursos com prazo de carência para pagamento de 30 anos e quando renuncia a receitas em favor dos contribuintes", diz o relatório.

Há ainda casos pitorescos de empresas beneficiadas pela renúncia fiscal: por exemplo, as Termas Solarium, os cabeleireiros Werner, ou as joalharias H. Stern.

Ou seja, o estado do Rio de Janeiro financia o luxo e força os funcionários e os reformados a pagar por essa benesse.

Revolta dos funcionários

A resposta dos funcionários públicos do Estado, incrédulos diante de tamanho corte nos seus rendimentos, já está em curso: sucedem-se as manifestações de protesto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, pressionando os deputados a não aprovarem as “Maldades”. Na última sexta-feira, uma grande manifestação unitária que juntou as entidades sindicais, centrais sindicais como a CUT e a CSP-Conlutas e todos os partidos de esquerda percorreu as ruas do centro da cidade. Participaram também representações dos estudantes que neste momento ocupam escolas secundárias e universidades contra as também “Maldades” do governo federal. Gritava-se “Fora Temer” e “Fora Pezão”.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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