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Um futuro primitivo?
Bem sei que a discussão dos últimos dias ficou armadilhada por arruaças, agressões absurdas entre trabalhadores, preconceitos e equívocos. Mas, francamente, pouco importa a cor do carro ou se lá dentro puseram um ambientador. Gente simpática há em todo o lado – e alarves também. Interessa-me pouco, também, a disputa entre patrões de táxi que pagam mal e empregam pessoas a recibo verde ou a receber por baixo da mesa com horários de 12 horas e patrões da Uber ou das empresas intermediárias que pagam mal, empregam pessoas com horários de 12 horas e praticam preços baixos para arrasarem a concorrência e terem um monopólio que lhes permitirá, no futuro, praticar preços mais altos. A questão não é se o transporte é chamado por uma aplicação de smartphone (seja a Uber ou a MyTaxi) ou por um número de telefone, se é pago em dinheiro ou pelo cartão de crédito. Não, a disputa entre o “novo” e o “velho”, entre o “antigo” e o “moderno”, o “futuro” e o “passado” não é essa. É saber de que regulação precisamos para defender os direitos de quem trabalha, para defender os utentes que têm direito a ser bem tratados nos serviços de transporte e para defender cidades que sejam equilibradas. E nisso, estamos muito longe do que é necessário.
A questão é saber de que regulação precisamos para defender os direitos de quem trabalha, para defender os utentes que têm direito a ser bem tratados nos serviços de transporte e para defender cidades que sejam equilibradas
Como muitos têm alertado, esta não é apenas uma contenda entre uma “corporação” e uma “multinacional da nova economia”. É mais vasta e nela jogam-se escolhas mais profundas, que se prendem com saber se, em nome de slogans como a “economia da partilha”, queremos substituir conquistas de civilização pelo velho e perigoso despotismo do mercado. Ou se, pelo contrário, somos capazes de encontrar novas formas de regulação laboral e de fazer valer o primado do interesse público.
Comecemos por isso pelo trabalho. Quem é que ganha com uma economia de biscates, onde não há contratos nem direitos, onde se substitui o emprego por uma sucessão de “relações esporádicas” entre prestador de serviços e cliente, onde cada um é “empreendedor de si mesmo” em luta pela sobrevivência, sem horários, sem direitos e sem regulação coletiva? Tanto faz que falemos de uma viagem como de um artigo de jornal, de uma aula como de uma consulta ou de um par de sapatos. Não, isto não tem a ver com os taxistas. Diz respeito ao trabalhador do táxi, da Uber, do Serviço Nacional de Saúde ou da Sonae: vamos mesmo aceitar que relações de trabalho sejam dissimuladas de relações comerciais, como se não houvesse empregadores mas apenas intermediários (mais ou menos high-tech) entre as necessidade do consumidor e pessoas transformadas em empresários em nome individual, em concorrência permanente e a ganhar à percentagem em função da oferta e da procura?
Falemos, também, dos utentes. A caricatura entre os supostos “lavadinhos da Uber” e os “rudes de bigode dos táxis” não passa disso mesmo e serve de pouco. A inovação tecnológica está aí, e existe para chamar um táxi como existe para chamar um táxi vestido de Uber, com aplicações para todos os gostos. A lógica da avaliação do serviço pelo cliente está aí, com as vantagens e as perversidades que lhe estão associadas, com o controlo de qualidade que induz mas também com o autoritarismo do cliente e com a “mercantilização da simpatia” que promove. A questão é saber se a regulação que queremos se faz pelo número de estrelas que atribuímos no fim de uma viagem ou se queremos que o Estado assuma a responsabilidade de garantir bons serviços e regras de segurança para os utentes, designadamente através de formação específica exigida aos motoristas (a todos), da obrigatoriedade (para todos) de seguros que protejam as pessoas, ou da existência de instâncias públicas capazes de punir a violação dos direitos dos utentes – tudo coisas que a Uber parece querer dispensar e que nos táxis estão muito longe de se encontrarem garantidas.
Assobiar para o lado, como faz o Governo, não protege as pessoas. Pior: não resolve nada do que é importante
Discutamos, finalmente, as cidades. Se não queremos uma atividade desregulada por multinacionais privadas que fogem dos impostos e da lei e chantageiam Estados, mas regulada pelos poderes públicos, então estes têm de poder fazer escolhas que implicam, por exemplo, limitar o número de automóveis que circulam, nomeadamente os que prestam serviços de transporte de passageiros, sejam táxis ou táxis disfarçados de Uber. Assobiar para o lado, como faz o Governo, não protege as pessoas. Pior: não resolve nada do que é importante.
Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 14 de outubro de 2016
Comments
Antes de comentar o artigo,
Antes de comentar o artigo, deixa-se uma sugestão que espero ser pensada: Falta por aqui pelo portal, a possibilidade de remeter uma valor simbolico e qualititativo na escala de 3 (insatisfatório, satisfatório, ótimo) . Ora este texto, recebe a meu ver OTIMO; está supremo, soberbo, e toca em todas as vertentes relacionadas com a questões da mobilidade de transportes na "economia partilhada" que agora se reproduz violentamente sem rei nem roque, sem lei nem mandato, e que se camufla em protocolos Web. Nisto, sou muito critico com quem aborde este problema como se tratasse apenas e exclusivamente de atividades não regulamentadas na economia real dos corredores do Ministério das Finanças. É bem mais que isso, é um domínio no qual nem UE, nem mesmo USA, se intrometem preocupando-se bem mais com a "pirataria de conhecimento" (abolição massiva de torrents, e outro tipo de protocolos nesse âmbito - do que com esta forma emergente de precarização que se alastra diariamente com as novas plataformas digitais que iludem cidadãos por dinheiro fácil mas sem garantias algumas de estabilidade a longo prazo , e muito menos acesso a uma reforma digna!
Realço também a par do que escreve o Soeiro , a habilidade de se desfocar do que realmente é necessário mudar. Não são certamente preocupações quanto ao tipo da Uber com Gravata Pomposa e Chique em contraste com os nojentos dos taxistas que vem com camisa desfraldada..O problema e muito bem o escreve , é a precariedade relacionada que se está a fomentar com estas tecnologias atrevendo-me a dizer de que se os Governos não se focarem no essencial- sério e extenso debate internacional entre Governos Mundiais e com a IANA , sobre o que é uma actividade de partilha e uma actividade comercial -estaremos prestes a amontar centenas de milhar de precários com ridículas reformas no final das suas vidas.
O «progresso» - leia-se novas
O «progresso» - leia-se novas formas de escravização uma vez que tudo visa exclusivamente o lucro - funda-se no «empreendedorismo», logo, no sistema presente é imparável. Porém, se os táxis são considerados serviço público e por isso beneficiam de isenções fiscais, utilizam as linhas dos autocarros e outras benesses.
Para terminar com o questionamento com a UBER porque não suprimir as regalias dos táxis e todos entrarem em competição franca e igual como atividade privada? Alguém admitiria o surgimento em Lisboa ou Porto de empresas privadas concorrendo com os autocarros públicos? Claro que não. Para mim o problema grave da UBER é desviar os lucros para a Holanda furtando-se ao IRC devido a Portugal.
Ah e que se saiba que a minha
Ah e que se saiba que a minha imparcialidade não possa ser questionada: licenciado em Tecnologias de Informação mas bastante preocupado na com o desenvolvimento etico e social na Internet
É muito importante esta
É muito importante esta chamada de atenção e análise. Há uma guerra ideológica a favor da chamada nova economia e novas relações de trabalho contra outras, "passadistas", quando as questões de fundo não são assim tão diferentes, infelizmente. Uma das consequências bizarras deste modo de pensar é que quem trabalha nessas empresas se possa ver não como trabalhador/a mas antes como "colaborador", "partilhador" - tudo menos explorado. Paralelamente, fazendo-nos mudar de perspetiva empurra-nos, portanto, a mudar de lado e a permanecermos isolados e desvinculados nos nossos interesses comuns.
As cidades "lavadinhas" só poderão ficar limpas, de combustíveis fósseis, se tiverem serviços de transportes públicos justos e que passem a deixar de usar essas energias.
Reduzir o acesso ao automóvel privado é fundamental, mas é preciso estar alerta e não permitir que esse acesso seja cortado com base novamente nos rendimentos e na classe social. Colocar um preço para entrar na cidade vai aumentar desigualdades e favorecer a gentrificação. O transporte público limpo e justo abre as portas a quem se queira deslocar, tirando simultaneamente espaço ao carro privado e a soluções elitistas que impõem barreiras à entrada e ao desfrute das cidades.
Subscrevo a Paula quando diz
Subscrevo a Paula quando diz ' quem trabalha nessas empresas se possa ver não como trabalhador/a mas antes como "colaborador", "partilhador" '. aINDA ESTAMOS NA FASE "BABY" DE CONCEITOS NA ECONOMIA CIBÉRNETICA..
Eu não sendo um especialista neste sub-micro-domínio da Informática, de uma coisa a minha intuição me diz : a Rede Multibanco quando foi criada (não baseada em Ip's) não teve em conta a Internet que a viu surgir. Ora aí é que a História da Informática irá provavelmente dar-me razão, quando de facto não existe integração (e se o existe é apenas parcialmente ao nível de monitorização/registo de Ip's envolvidos numa transferencia bancária ) entre IP e NIB (Numero de Conta Bancária). A propósito , também ao nivel de registo de domínios( para desconhecedores da matéria simplesmente uso o termo "sites", os quais se podem subdividir noutros "sites" para alojar conteúdos comerciais em economia anónima denominados por "serviços de alojamento de conteudos" ) , aos mesmos não foi exigido associação de NIF obrigatório , sendo que quando se realiza uma operação de identificação WHOIS a um site, não está associado nenhum NIB/SERVIÇO_mb.
E desculpe não ter anexo um
E desculpe não ter anexo um exemplo. Usemos por exemplo o servidor de base mundial de registro de dominios : IANA: e completem este pedido: http://www.iana.org/whois?q=sapo.pt.
Ora a arquitetura atual de pagamentos electrónicos , isola por completo informações de servidor com NIF/SERVIÇO_MB . É aqui que os investigadores no desenvolvimento de protoclo principal TCP/IP (no qual maior parte -com execpção de protocolos DeepWeb "- todas as ligação à WWW se realizam) devem-se focar já que os anteriores versões (Ipv4 Ipv6) não partiram dessa necessidade.
COMPLEMENTO:
COMPLEMENTO:
Na sequenciado anterior resultado lê-se "refers to DNS.PT", pelo que há que questionar o DNS referido pelo site : www.dns.pt/pt/ferramentas/whois/detalhes/?site=sapo&tld=.pt
Recomendo por isso uma ferramenta auxiliar Etoolz, que permite rapidamente entnder como o processo de WHOIS funciona desde a IANA. (Escolher Aba WHOIS, na caixa hostname : "sapo.pt" e na caixa de texto server escrever "WHOIS.IANA.ORG")
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