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Petróleo: "No limite, a questão é se queremos continuar, como espécie, neste planeta"

Sónia Balacó, atriz, poeta e ativista no Movimento Peniche Livre de Petróleo, e João Camargo, investigador em alterações climáticas e ativista comentam formas de resistência e luta contra a exploração de petróleo em Portugal.
Plataformas petrolíferas, foto de Chris Protopapas/Flickr.

Comentários à reportagem sobre a contestação à exploração de petróleo em Portugal de Sónia Balacó, atriz e poeta, que faz parte do Movimento Peniche Livre de Petróleo, e de João Camargo, investigador em alterações climáticas e ativista. A reportagem e os comentários estão incluídos no terceiro programa do “Mais Esquerda”, o programa de atualidade política do esquerda.net. O programa pode ser visto aqui (na íntegra aqui), a reportagem pode ser lida aqui e vista aqui.

Sónia, tu és de Peniche, porque te quiseste juntar ao Movimento Peniche Livre de Petróleo e que consequências teve, até agora, a petição lançada?

Sónia Balacó: Eu tomei conhecimento desta questão primeiro através do movimento do Algarve e fiquei muito chocada com o facto de não se tratar só do Algarve, mas de se tratar, também, praticamente da nossa costa toda e com o facto de isto não se saber. Quando soube que havia mais pessoas a movimentar-se no sentido de se organizarem, de haver uma organização de cidadãos em Peniche quis, claramente, juntar-me. 

Acho que esta é uma questão de extrema importância e em que nós vamos decidir coisas que vão ser muito duradouras, não é só uma questão sobre o agora, é uma questão sobre que país vamos deixar para os nossos filhos, para os nossos netos e, no limite, que mundo estamos nós a construir e, no fundo, se queremos continuar, como espécie, neste planeta, ou não. 

Sobre a petição, acho que a primeira consequência foi muito boa, conseguimos trazer para o mapa da agenda noticiosa a questão como uma questão nacional, já não é uma questão do Algarve. Tomou-se conhecimento que, afinal, praticamente toda a faixa litoral está cedida para prospeção, o que é importantíssimo porque só estando informada é que a população pode dizer sim ou não e o que quer. Portanto, essa consequência, logo à partida, foi cumprida.

João, porque é que a exploração de petróleo é um problema e porquê este súbito interesse na prospecção?

João Camargo: Bem, não há nenhuma distinção entre prospeção e exploração, foi tudo transformado no mesmo contrato, nos idos de 94, na altura pelo Primeiro Ministro Cavaco Silva e Mira Amaral. Nesse sentido, como não há uma diferença entre exploração e prospeção, estamos a falar de exploração de combustíveis fósseis, da exploração de petróleo e da exploração de gás. 

A primeira questão é global, naturalmente, num contexto em que existem alterações climáticas da maior ordem. 2016 será o ano mais quente de que há registos e vai substituir 2015, e 2015 substituiu 2014. Os últimos anos todos são uma sucessão de recordes batidos que estão, de facto, a mudar o planeta em que vivemos. E isso está diretamente relacionado com a combustão de combustíveis fósseis. Portanto, insistir nesse rumo é absurdo e revela apenas uma total falta de perceção do que está a acontecer ao planeta. 

A exploração tem impactos diretos locais e isto tem a ver quer com a exploração convencional, quer em terra, quer no mar, quer pela exploração através de fratura hidráulica, o chamado fracking, quer por deep offshore, que é a exploração a centenas ou milhares de metros de profundidade. Isto provoca poluição difusa, poluição sonora, poluição química. Não só quando há acidentes, e aí ficamos bastante traumatizados, lembramo-nos do Prestige, lembramo-nos do que foi o acidente da BP no Golfo do México, mas a atividade diária e permanente do petróleo tem perdas permanentes de petróleo.

Porque é que isto está a acontecer agora, é de facto uma pergunta bastante pertinente. Acho que a primeira questão é porque estivemos, principalmente no governo anterior e no ciclo anterior político, num período de escancaramento económico. A senda de liberalizar tudo materializou-se em contratos deste tipo, apesar de a lei já vir de trás, em contratos em que há a entrega de todo o benefício às petrolíferas, e as petrolíferas vieram porque têm muito pouco investimento para fazer, têm lucros garantidos, e ótimas condições. Em alguns casos, foram processos com tal opacidade que nem sequer houve concurso, foi apenas a entrega. Mmuitas vezes as empresas foram criadas só para receberem as concessões, como é, por exemplo, o caso da Australis em terra, ou da Portfuel no Algarve do Sousa Cintra. 

Agora existem menos reservas disponíveis de combustíveis fósseis e foram desenvolvidas técnicas, que não são propriamente novas, mas há agora um investimento maior nelas: o fracking (ou fratura hidráulica), e o deep offshore. O fracking implica uma perfuração agressiva do solo, e não é aplicado em grandes reservas, mas em reservas contidas na rocha. Portanto, precisa de uma grande atividade química para o poder extrair. Isto, infelizmente, acarreta poluição difusa e concreta, nos solos, no subsolo e nos aquíferos. O deep offshore, é a exploração a milhares de metros de profundidade, em que os riscos são, obviamente, muito maiores. O furo que estava previsto para Aljezur era a mais de mil metros de profundidade. 

Isto enquadra-se tudo numa política europeia que teoricamente teria a ver com tornar-nos energeticamente independentes da Rússia, por todas as quezílias diplomáticas que existem neste momento entre a Europa e a Rússia. A estratégia europeia de energia o que diz é que é preciso mais gás natural, e vende até o gás natural como uma alternativa limpa ao carvão e ao petróleo. Isso é um absurdo, o gás natural é metano, que é mais um gás com efeito estuda que, queimado, produz um pouco menos de CO2, mas continua a produzir CO2. No contexto das alterações climáticas, esta a estratégia europeia é um suicídio.

Sónia, quais são os próximos passos do Movimento Peniche Livre de Petróleo?

Sónia: Estamos a continuar a recolha de assinaturas, a mobilização social tem sido tremenda. Pretendemos também, no seguimento daquilo que os movimentos do Algarve conseguiram, envolver a Câmara Municipal. Primeiro a Câmara de Peniche e depois as câmaras da faixa litoral. Gostaríamos que também essas câmaras dissessem que estão do lado da população, do lado do meio ambiente, e do lado das economias locais. Pretendemos estender o movimento a toda a faixa litoral, há grupos a formarem-se noutras zonas que se querem associar, pois esta não é uma petição exclusivamente para Peniche, estamos a falar de toda a faixa norte/centro litoral do país, em terra e no mar.

João, como achas que se pode ganhar esta luta?

João: Acho que o que tem acontecido até agora tem sido um bom prenúncio. O Algarve foi um excelente exemplo de como se pode ganhar esta luta, mobilizando uma boa fatia da população, indo quase porta a porta informar e realizar sessões por todo o território, o que acabou por convencer todos os autarcas a juntarem-se na contestação à exploração de petróleo. 

Neste momento, o que falta é aquilo que começa a acontecer em Peniche, que é sairmos da bolha do Algarve, e conseguirmos de facto que haja movimentos em Peniche, mas também que haja movimentos na costa alentejana (onde ainda há relativamente poucos) e também que haja movimentos acima de Peniche. 

Temos a costa basicamente toda concessionada e, neste momento, já há contestação em mais que um sítio, mas a verdade é que precisamos de continuar a engrossar este movimento, porque o que precisamos é de Portugal livre de petróleo. E isso põe-nos até outra pergunta que é não só o que nós não queremos, que são os combustíveis fósseis, mas também o que queremos. E, de facto, queremos outro modelo de desenvolvimento e num contexto de alterações climáticas isso claramente é central.

+e3 | Petróleo em Portugal, comentário de Sónia Balacó e João Camargo | ESQUERDA.NET

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