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Colégios Privados: A história do saque ao Estado

O Esquerda.net dá conta dos fortes laços que unem o poder político ao poderoso grupo de colégios GPS, pelo qual já passaram vários ex-responsáveis políticos do PSD e do PS, e de quem mais tem lucrado com o financiamento estatal.
Foto de Paulete Matos.

A contratualização com os privados surgiu da incapacidade da rede pública de escolas responder às novas exigências decorrentes do alargamento do ensino obrigatório que teve lugar nos anos 80. Por forma a garantir o direito à Educação a todos e todas, e apenas nas situações em que não existia oferta pública, os privados recebiam os alunos sem poderem cobrar qualquer propina e sem poderem proceder a qualquer seleção, mediante a transferência de um determinado montante por parte do Ministério da Educação.

Nos anos 90, e ainda que já fosse expectável, face à evolução demográfica, que o número de alunos ia registar uma quebra e que as escolas públicas seriam capazes de absorver todos os alunos, continuaram a firmar-se novos contratos de associação. O mesmo aconteceu em 2005, quando a redução da natalidade já era por demais evidente. Segundo assinala o jornal Expresso, atualmente, 79 colégios privados beneficiam de contratos de associação, num valor total de 139 milhões de euros.

Conivência e subserviência do governo PSD/CDS face aos interesses privados

Em 2011, a então ministra do PS Isabel Alçada encomendou à Universidade de Coimbra um estudo sobre a rede que confirmava que a grande maioria dos alunos encaminhados para o ensino privado, e que garantiam o seu financiamento, tinham lugar nas escolas públicas. A Região Centro, mais propriamente o distrito de Coimbra, foi assinalada como sendo a mais problemática, com vários colégios, como o Colégio de São Martinho, a receber apoios estatais com escolas públicas vazias mesmo ao lado.

Conforme refere o Expresso, o ministério de Alçada acabou por acordar com a Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) uma redução gradual do financiamento, com um corte previsto de 256 turmas num universo superior a dois mil e a redução do valor por turma de 114 mil euros anuais para 80.500.

No entanto, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas veio a reverter a diminuição do número de turmas, registando-se uma mudança de visão sobre as escolas privadas na Educação.

Em dezembro de 2012, a TVI emitiu uma grande reportagem da jornalista Ana Leal na qual foram assinalados os fortes laços que unem o GPS, um poderoso grupo de colégios privados com contrato de associação com o Estado, ao poder político, as verbas avultadas transferidas pelo governo para os estabelecimentos que o compõem e as condições laborais impostas aos seus profissionais (ler artigo: Escândalo: Colégios privados GPS receberam do Estado mais de 52 milhões, em ano e meio).

Na peça, Ana Leal descreve como o ministério de Nuno Crato desviava alunos das escolas públicas para os colégios privados e como a DREL (Direção Regional de Educação) negava autorização às escolas públicas para a abertura de mais turmas, ao mesmo tempo que os colégios com Contrato de Associação com o Estado tinham parecer positivo. Cada uma dessas turmas representava para os privados mais 85 mil euros.

Em novembro de 2013, a TVI transmitiu uma nova reportagem da mesma jornalista (ler artigo Crato paga 154 milhões a colégios privados enquanto encerra escolas públicas) onde voltou a denunciar a conivência e subserviência do governo PSD/CDS-PP face aos interesses privados, com o escândalo do financiamento a colégios privados em detrimento do ensino público.

Na peça é retratado como o governo de Passos Coelho, e, em particular, o ministro Nuno Crato, asseguraram o total facilitismo para o ensino privado ao mesmo tempo que desferraram um duro golpe na Escola Pública. Em causa está o financiamento estatal, de muitos milhões de euros, pagos por todos os contribuintes, de 81 colégios privados, construídos de norte a sul do país, localizados, muitas vezes, ao lado de escolas públicas.

Neste trabalho de investigação são apontados inúmeros exemplos de colégios privados que “nunca deveriam ter tido autorização para serem construídos”, refletindo a “teia de cumplicidades que abrange ex-governantes que, depois de exercerem os cargos, passaram a trabalhar para grupos económicos detentores de muitos desses colégios, ou ex diretores regionais de educação que fundaram depois colégios que são pagos com o dinheiro dos contribuintes”.

A reportagem mostra ainda "o retrato de um país que se prepara para pagar, até ao fim deste ano (2013), mais de 154 milhões de euros em contratos de associação”.

No mesmo mês em que foi transmitida a peça, entrou em vigor o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que abriu a porta a uma nova vaga de contratos de associação, na medida em que flexibilizou as regras que regulam os acordos de associação para financiar a frequência de escolas privadas pelos estudantes.

Passou, inclusive, a haver liberdade para que sejam firmados contratos de associação com os privados quando existe oferta pública disponível na proximidade desses estabelecimentos de ensino.

Nuno Crato lançou ainda concursos abertos aos colégios que queriam ter ou manter os apoios do Estado. Os acordos foram assinados em 2015 com a validade de três anos.

Quem mais lucra com o financiamento estatal

A maioria dos colégios privados com contratos de associação pertence à Igreja Católica, segundo lembra o jornal Expresso na sua edição deste fim de semana, o que explica a reação da Conferência Episcopal Portuguesa às alterações introduzidas pelo Governo PS ao financiamento destes estabelecimentos.

“A Igreja não se pode calar quando vê algumas situações. Não é uma questão de benefício ou privilégio. É uma questão de respeito pela liberdade de todos, pela democracia, pelo bem comum”, argumentou o porta-voz Padre Manuel Barbosa.

Entre os restantes colégios com contrato de associação com o Estado destaca-se o grupo GPS, que sujeita os seus professores a cargas horárias excessivas e ilegais.

Na reportagem da TVI são mencionados os avultados ganhos obtidos pelo grupo GPS, que, em 10 anos, passou a deter 26 colégios e mais de 50 empresas, em variadas áreas de negócio, e é referido o caso de Manuel António Madama, diretor da Escola de São Mamede, que tinha em seu nome 80 automóveis, enquanto o seu filho António Madama, também destacado elemento do grupo, era proprietário de pelo menos 17 automóveis.

Em agosto de 2015, a Federação Nacional de Professores (Fenprof) denunciou o reforço do financiamento, no valor de 4 milhões de euros, dos colégios GPS investigados pela justiça, em resultado do concurso para o efeito realizado em julho desse ano (ler artigo: Governo dá 140 milhões a colégios privados, alguns sob investigação). O ministério de Nuno Crato atribuiu uma verba de cerca de 140 milhões de euros aos colégios privados no respetivo ano letivo, pondo os contribuintes a pagarem mais 651 turmas no privado, apesar de em muitos locais existir oferta na escola pública.

Os fortes laços que unem o Grupo GPS ao poder político

Pelo grupo GPS, que, em 2014, foi alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária por suspeitas de apropriação ilícita de verbas transferidas pelo Estado, já passaram vários ex-responsáveis políticos do PSD e do PS. Presidido por António Calvete, antigo deputado do PS e membro da Comissão Parlamentar de Educação, no tempo de António Guterres, passaram pelo GPS nomes como José Junqueiro, deputado do PS, Domingos Fernandes, ex-secretário de Estado da Administração Educativa de António Guterres, e Paulo Pereira Coelho, ex-secretário de Estado da Administração Interna de Santana Lopes e ex-secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso.

Em 2005, o grupo GPS recebeu autorização para ter 4 colégios com contrato de associação ao Estado, e como tal receber financiamento público, quando esses colégios ainda não tinham existência legal. O despacho foi assinado por José Manuel Canavarro, secretário de Estado da Administração Educativa de Santana Lopes, e José Almeida, diretor Regional de Educação de Lisboa do mesmo governo, a cinco dias das eleições perdidas por Santana Lopes. José Manuel Canavarro e José Almeida tornaram-se depois consultores do grupo GPS. A então ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, tinha como chefe de gabinete o antigo responsável da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), que voltou posteriormente ao cargo. O Padre Vítor José Melícias Lopes, destacado apoiante de Maria de Belém, é, atualmente, presidente da Assembleia Geral da AEEP.  

Dinheiros públicos, vícios privados

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