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A irrelevante CPLP

O “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, incluído nos objetivos fundadores da CPLP, é cada vez mais uma brincadeira retórica.

Na Guiné Bissau o poder do narco-negócio volta a expressar-se pela enésima vez num golpe de estado e a tomar como reféns um Governo eleito e um povo inteiro. Em Angola, o autoritarismo cresce de crueza à medida que as receitas do petróleo deixam de ser suficientes para manter como status quo o domínio indisputado da elite político-militar. Em Moçambique, o recrudescimento da conflitualidade violenta vai a par do anúncio da descoberta de recursos minerais apetitosos no território. No Brasil, enfim, um golpe perpetrado por arguidos em processos judiciais por corrupção leva ao poder um Governo ilegítimo que, sob o pretexto da luta contra a corrupção, pretende tornar política de Estado a vingança de classe contra as políticas sociais da última década.

Se algum mérito tem este panorama tão sombrio, esse é o de ele vir pôr ainda mais em evidência a, há muito óbvia, irrelevância política da CPLP. O “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, incluído nos objetivos fundadores da CPLP, é cada vez mais uma brincadeira retórica, posta na oficialidade formal, dita com língua de pau por chancelarias sem vertebração e crescentemente distante da realidade das coisas.

Quando se deparou com a encruzilhada entre os sonhos de um imenso Portugal (ou de um imenso Brasil…) mimético da Francofonia ou da Commonwealth e a frieza de um capitalismo em roda livre ganhador de um nicho qualquer no casino global, a CPLP, pela mão de banqueiros e de construtores civis de aquém e de além mar, escolheu o arrivismo sem alma. A admissão da Guiné Equatorial, uma das mais antigas e odiosas ditaduras do continente africano, como membro de pleno direito da organização em 2014, foi o símbolo maior dessa escolha. A verdade é que esta não era a única alternativa possível à génese lusotropicalista da CPLP. Para além desses dois caminhos, havia também o do estreitamento de laços entre sociedades democráticas capaz de gerar um polo de abordagem civil das crises e de trabalho pela paz estrutural em cada um deles e entre si. Mas essa possibilidade nunca passou disso mesmo.

A prisão política de Luaty Beirão e dos seus companheiros, a podridão institucional de Bissau, as valas comuns da Gorongosa e o ódio de classe do tchau querida tornam o silêncio da CPLP diante da degenerescência da democracia no seu seio numa atitude carregada de significado político. É a confissão de que este passou a ser definitivamente um espaço em que a democracia e a cultura são luxos marginais que as elites dispensam. Obiang, no palácio de Malabo, sorri.

Artigo publicado no diário “As Beiras”, em11 de junho de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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