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A era pós-nuclear

Fukushima marca, em matéria de energia atómica, o fim de uma ilusão e o início da era pós-nuclear. Classificado agora no nível 7 ou superior na escala internacional de incidentes nucleares (INES), o desastre japonês é comparável ao de Chernobyl (na Ucrânia, ocorreu em 1986) devido aos seus "efeitos radioactivos significativos sobre a saúde humana e o ambiente".
O desastre de Fukushima derrubou as certezas dos defensores da energia atómica civil. Foto de James Marvin Phelps

O sismo de magnitude 9 e o formidável maremoto que, no dia 11 de Março, atingiu com inaudita brutalidade o nordeste do Japão e causou o desastre actual de Fukushima, derrubaram as certezas dos defensores da energia atómica civil.

Curiosamente, a indústria nuclear estava a viver talvez a melhor época da sua história. Num grande número de países estavam previstas dezenas de construções de centrais. E isto essencialmente por duas razões. Primeiro, porque a perspectiva de que o petróleo venha a esgotar-se no final deste século, associada ao crescimento exponencial da procura de energia por parte dos "gigantes emergentes" (China, Índia, Brasil), faziam dela a energia de substituição por excelência [1]. Depois, porque a tomada de consciência colectiva face aos perigos das alterações climáticas causados pelos gases com efeito de estufa, conduzia paradoxalmente à preferência pela energia nuclear julgada “limpa,”por não produzir CO2.

A estes dois recentes argumentos, juntavam-se os pretextos habituais: o da soberania energética e da mínima dependência de países exportadores de hidrocarbonetos; o baixo custo da energia assim produzida; e – ainda que pareça insólito no contexto actual – o da segurança, sob o pretexto de que as 441 centrais nucleares do mundo (mais de metade das quais situadas na Europa ocidental) só registaram, ao longo de meio século, três acidentes graves[2]...

Todos estes argumentos – não totalmente absurdos – foram fulminados perante a excepcional dimensão do desastre de Fukushima. O novo pânico, de alcance mundial, que este cataclismo fez nascer assenta em várias constatações. Em primeiro lugar, e contrariamente ao de Chernobyl – atribuído em parte, por razões ideológicas, ao envelhecimento duma tecnologia soviética vilipendiada – este acidente acontece precisamente no coração de um dos centros hipertecnológicos mais avançado do mundo, num país onde bem se pode imaginar – o Japão foi em 1945, a única nação vítima do inferno militar atómico – que as suas autoridades e os seus técnicos tenham tomado todas as precauções possíveis para evitar o desastre nuclear civil. Portanto, se o Estado mais capaz e mais vigilante não conseguiu impedir a catástrofe, é razoável que os outros países continuem a brincar com o fogo nuclear?

Em segundo lugar, as consequências temporais e espaciais do desastre de Fukushima aterrorizam. Por causa da fortíssima radiação, as áreas que circundam a central ficarão inabitáveis durante milénios. As zonas um pouco mais afastadas, durante séculos. Milhões de pessoas serão definitivamente deslocadas para zonas menos contaminadas. Terão de abandonar para sempre as suas propriedades, as suas explorações agrícolas, industriais ou de pesca. Para além da região-mártir propriamente dita, os efeitos radioactivos far-se-ão sentir na saúde de dezenas de milhões de japoneses. E com certeza também na dos vizinhos, coreanos, russos, chineses... Sem excluir outros habitantes do hemisfério norte [3]. O que confirma que um acidente nuclear nunca é local, é sempre planetário.

Em terceiro lugar, Fukushima demonstrou que a questão da chamada “soberania energética” é muito relativa. Porque a produção da energia nuclear supõe uma outra sujeição: a “dependência tecnológica”. Apesar do seu enorme avanço técnico, o próprio Japão viu-se forçado a recorrer a especialistas americanos, franceses, russos e coreanos (além dos especialistas da Agência Internacional de Energia Atómica) para tentar retomar o controlo dos reactores acidentados. Além disso, os recursos de urânio do planeta [4] são extremamente limitados. Calcula-se que, ao actual ritmo de exploração, as reservas minerais desse minério se esgotem ao fim de 80 anos... ou seja, ao mesmo tempo que o petróleo...

Por todas estas razões, e muitas mais (a electricidade nuclear não é mais barata), os defensores da opção nuclear têm agora de admitir que Fukushima modificou radicalmente o enunciado do problema energético. E que daqui para a frente se impõem quatro imperativos: parar a construção de novas centrais; desmantelar as que existem num prazo máximo de trinta anos; impor uma frugalidade extrema no consumo de energia; e tirar pleno partido das energias renováveis. Só assim se poderá talvez salvar o nosso planeta. E a humanidade.

Publicado em Mémoire des Luttes

Tradução de Deolinda Peralta para o Esquerda.net

Notas

[1] Antes do acidente de Fukushima, estimava-se que o número de centrais nucleares no mundo devia aumentar 60% até 2030. A China, por exemplo, possui actualmente 13 centrais atómicas em actividade (que fornecem apenas 1,8% da electricidade do país); no passado mês de Janeiro, Pequim decidiu construir, entre 2011 e 2015, 34 novas centrais, uma de dois em dois meses...

[2] Three Mile Island, Estados-Unidos, em 1979; Chernobyl, União Soviética, em 1986; e Fukushima, Japão, em 2011.

[3] Partículas radioactivas provenientes de Fukushima caíram na Europa ocidental alguns dias após o acidente, e ainda que as autoridades tenham afirmado que "não constituíam nenhum perigo para a saúde", vários especialistas advertiram: se estas partículas ficarem acumuladas sobre legumes de folhas largas como alfaces, o consumo das mesmas pode constituir um risco.

[4] Um reactor nuclear não é senão um sistema para aquecer água. Para isso, utiliza-se a fusão do átomo de urânio 235 que, partindo-se através da "desintegração nuclear", produz uma enorme libertação de energia térmica e aquece a água. Esse calor é depois transformado em energia eléctrica. Convém saber que 156 toneladas de rocha contêm só uma tonelada de minério de urânio do qual se obtém no final apenas um quilo de urânio puro. Desse quilo só 0,7%, ou seja, 7 gramas, são de U235. Temos então que serão necessárias 156 toneladas de rochas para 7 gramas de combustível! Ler, Eduard Rodríguez Farré e Salvador López Arnal, Casi todo lo que usted desea saber sobre los efectos de la energía nuclear en la salud y en medio ambiente, El Viejo Topo, Barcelone, 2008 ; e Paco Puche "Adios a la energía nuclear", Rebelión (www.rebelion.org), 18 de Abril de 2011.

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Sobre o/a autor(a)

Jornalista. Diretor da edição espanhola do Le Monde Diplomatique. Foi diretor da edição francesa entre 1990 e 2008.
Termos relacionados Energia nuclear, Ambiente
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