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O partido das oligarquias assume as rédeas do Brasil

Brancos, ricos e conservadores formam o núcleo central do governo do Presidente interino Michel Temer. Pela primeira vez desde a ditadura não há uma única mulher com um cargo ministerial. 30% da sua equipa está a ser investigada por corrupção, 70% detêm um total de 250 mil hectares de terra e um terço é dono de diversos meios de comunicação social. Artigo de Agnese Marra.
Na foto: Michel Temer, Presidente interino do Brasil.

Recorre-se a todo tipo de piadas para definir o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a nova sigla que governa o país após a destituição temporária da presidente Dilma Roussef (o veredito do julgamento político só será conhecido nos próximos 180 dias). Uma das que mais circulou nestes meses pela internet comparava o partido com o pai que põe cada um dos seus filhos numa fila do supermercado para se juntar a quem chegar mais depressa à caixa.

Desde 1994, após a derrota do pemedebista Orestes Quércia, o PMDB não apresentou nenhum candidato à presidência. Mantêm os seus feudos regionais, governam em estados tão poderosos como Rio de Janeiro (o segundo maior PIB do Brasil) e alimentam-se de relações clientelares típicas do coronelismo brasileiro (caudilhismo) vivo até aos dia de hoje.

O PMDB é um partido definido como fisiológico, interessado em acumular cargos de poder para manter as suas redes de negócios através da troca de favores. Não têm um programa ideológico definido. Também não lhes interessa. Funcionam como um partido charneira que se junta a quem manda em cada momento. Fizeram parte dos governos de todos os presidentes desde a redemocratização do país, mas paradoxalmente foi o Partido dos Trabalhadores (PT) quem lhes deu mais lugares.

No Congresso dos Deputados movem-se como um peixe no água. Desde há 15 anos o seu número de mandatos na Câmara e no Senado não parou de aumentar, até que em 2014 ultrapassaram o PT com uma maioria bem mais folgada do que noutras ocasiões. A governabilidade dependia deles e, por isso, Lula e Dilma tinham como justificar as suas alianças com os mesmos que fizeram com que Rousseff fosse destituída, e que o PT estivesse mais frágil do que nunca, abandonado por uma esquerda que não perdoa os parceiros a que se juntou, nem as promessas que se ficaram pelo papel.

Michel Temer é para muitos a alma do PMDB. Um tipo frio, sibilino, anódino, que mal muda as suas expressões e que não costuma dizer o que pensa. Asseguram que nem sequer é adepto de uma equipa de futebol, um facto que para o Brasil é entendido como algo no mínimo suspeito. Ao contrário de Dilma Rousseff, dizem que a sua maior habilidade é a de escutar e negociar com os seus colegas. Por alguma razão foi presidente do Congresso por duas ocasiões, deputado federal em seis legislaturas e presidente do seu partido desde 2001.

Aos 76 anos atingiu a presidência da República através de uma das ações mais polémicas desde a redemocratização do país: um julgamento político à presidente Rousseff sem bases jurídicas claras para impugná-la. Quem sabe se o seu domínio da lei o ajudou nesta jogada, mas este advogado, especialista em direito constitucional e que nos seus momentos livres escreve poesia, apareceu na passada quinta-feira no Palácio do Governo de Brasília com os seus 23 ministros ao lado e apresentou-se perante o Brasil como novo presidente.

As oligarquias tomam conta do comando

Homens brancos, de média idade, ricos e extremamente conservadores constituem a nova equipa do governo Temer. Um gabinete de ministros marcado por graves ausências. As redes sociais e os grandes meios de comunicação social do país denunciaram-nas rapidamente. Pela primeira vez desde a ditadura não há uma única mulher a ocupar um cargo ministerial. Apesar de serem 54% da população do país, os negros também não têm espaço neste executivo.

A recém estreada equipa representa melhor do que ninguém os interesses das elites, e pelo menos dez deles já ocuparam cargos nos mandatos de Lula e Dilma. Entre os 23 ministros encontra-se o conhecido rei da Soja, Blairo Maggi (PMDB), o segundo político mais rico do Brasil segundo a revista Forbes, com uma fortuna declarada que ascende aos 34 milhões de euros. Maggi ficará encarregue do ministério da Agricultura, que provavelmente se unirá (ainda está por confirmar) ao de Desenvolvimento Agrário, destinado, entre outras coisas, à reforma agrária. Não há esperanças de que o novo ministro se preocupe por repartir a terra, já que a sua especialidade sempre foi a de acumular. Um total de 225 mil hectares (declarados) com plantações de milho, soja e algodão, fazem parte da sua fortuna. Em 2005 recebeu da Greenpeace o prémio Motoserra de ouro por ser um dos campeões da desflorestação da Amazónia, um assunto que não o preocupa muito: "Para mim, um aumento de 40% na desflorestação não significa nada; não sinto a menor culpa pelo que estamos fazendo aqui”, disse à época.

Maggi não é o único dono de terras dentro do novo executivo, ainda que as suas fazendas não estejam sempre em nome dos próprios, mas em nome de familiares diretos ou de empresas. O jornalista Alceu Castilho, autor do livro Partido da Terra (que tem analisado como os políticos brasileiros se têm apropriado de terras para os seus negócios), dá o exemplo de Leonardo Picciani, novo ministro do Desporto, cujas terras estão em nome da empresa Agrobilara, portanto não registadas na Justiça Eleitoral. No entanto, as do seu pai, o também político Jorge Picciani, somam um total de 9974 hectares, destinadas na sua maioria à pecuária. No novo gabinete as oligarquias familiares são importantes. Helder Barbalho (Integração Nacional), Fernando Coelho (Minas e Energia), Mendonça Filho (Educação), Sarney Filho (Ambiente) ou Henrique Eduardo Alves (Turismo) pertencem a algumas das famílias mais ricas do Nordeste do país. Estes clãs, por sua vez, são donos de diversos meios de comunicação regionais, pelo menos um terço dos 23 ministros têm televisões e rádios entre os seus negócios, fenómeno conhecido como “coronelismo eletrónico”.

O conservadorismo é outra das características do executivo interino. Michel Temer, que acabou com dez ministérios para cortar na despesa (o da Cultura foi o que causou mais polémica), decidiu ressuscitar um posto que tinha sido eliminado por Rousseff, o Gabinete de Segurança Institucional, que vem desde a ditadura, e que vai ser ocupado pelo militar Sérgio Etchegoyen, filho de um dos torturadores mais conhecidos do regime militar, Léo Etchegoyen, e conhecido detractor da Comissão da Verdade que se fez durante o governo Dilma. A pasta dos Direitos Humanos (que também inclui a Igualdade Racial e os direitos da Mulher) desapareceu para se fundir com a Justiça, dirigida por Alexandre Moraes, outro dos ministros mais polémicos do novo governo. Moraes, que era secretário da Segurança no Estado de São Paulo, ficou famoso pelo recrudescimento da violência policial durante o seu mandato, acusado de orquestrar ataques indiscriminados contra estudantes que faziam greve nas suas faculdades. Quando assumiu o mandato assegurou que ia ser “muito duro” com as manifestações que apoiassem a Dilma por estarem “cheias de guerrilheiros”. Para além disso, Moraes tem no seu currículo ter sido advogado do PCC (Primeiro Comando da Capital), a maior máfia do narcotráfico de São Paulo, bem como ter defendido o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, reconhecido corrupto.

Justamente em matéria de corrupção, a equipa Temer tem de sobra. Pelo menos um terço dos seus ministros estão a ser julgados por diversos casos de desvio e lavagem de dinheiro ou fraude eleitoral e três deles são acusados na operação Lava Jato, que investiga desvios milionários da empresa estatal Petrobras. Ao serem nomeados ministros obtiveram foro privilegiado o que faz com que sejam investigados só pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que costuma ser um tanto mais lento e politizado que a justiça ordinária.

Desligado da sociedade”

O novo ministro da Economia e Fazenda, Henrique Meirelles, menino bonito dos mercados financeiros e ex-presidente do Banco Central nos dois governos de Lula, não demorou em anunciar “cortes drásticos”. O ministro da Previdência, Ricardo Barros, assegurou que “não terá recursos” para a Farmácia Popular (que oferece medicamentos para as doenças mais comuns) e alertou de que no mês de agosto também não terá dinheiro para pagar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.

A jornalista do El País Brasil Flávia Marreiro questionava o discurso “pacificador” com o que se apresentou o novo presidente: “Com quem exatamente Temer “o conciliador” quer fazer acordos”? Marreiro referia-se à falta de diversidade no gabinete escolhido, onde além de não existirem mulheres também não se responde às expetativas da sociedade de lutar contra a corrupção, ou de melhorar a qualidade da Previdência e da Educação, reivindicações centrais durante as manifestações de junho de 2013 e que ainda se escutavam nas concentrações a favor e contra Dilma: “A escolha dos seus ministros choca com os desejos minimamente consensualizados na sociedade brasileira. Temer parece estar desligado do Brasil 2016”, assegurava a jornalista num recente artigo.

Cabe perguntar se alguma vez Temer esteve ligado. Um político que mal reúne o apoio de 2% da sociedade, que não ganhou nunca umas eleições diretas e o que lhe pesa no currículo é a sua grande habilidade negociadora entre iguais. As ruas começaram a reagir perante as primeiras decisões do seu executivo e ainda há parte da população que quer lutar para evitar que se mantenha no poder até 2018. A governabilidade no Congresso tem-na assegurada, mas dentro da sociedade a única coisa que tem garantida é que as mobilizações contra o seu governo já se puseram em marcha.

Artigo publicado em Publico.es. Tradução de esquerda.net

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