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Colégio Militar – Uma abordagem mais global

Para que serve o Colégio Militar, quais são as suas condições de acesso e, finalmente, terá razão de existir?

As recentes declarações de um responsável do Colégio Militar sobre a atitude para com os alunos homossexuais levou a uma grande polémica e mais consequências do que o esperado, já que terá sido a razão para a demissão do Chefe de Estado Maior do Exército. A polémica poderá já ter saído da agenda mediática sem que se cheguem às verdadeiras questões: Para que serve o Colégio Militar, quais são as suas condições de acesso e (finalmente) terá razão de existir?

Lembre-se entretanto que assuntos semelhantes têm vindo ao conhecimento público nos últimos anos. Em 2009, respondendo a queixas, o Ministério Público levantou processos a alguns alunos (que entretanto teriam concluído a sua formação no CM) por violência sobre os mais novos, alguns tiveram danos físicos sérios. Três alunos finalistas na altura da agressão foram condenados em 2014 a penas de multa, em função destas agressões. Em causa estariam praxes particularmente violentas. Notem-se as ambiguidades da instituição, os agressores tinham sido alvo de processos disciplinares e de suspensões, porém um deles foi alvo de louvor. Para o director de então, "Era tradição os graduados castigarem os alunos mais novos", dando alguma margem de desculpa para o acontecido.

O Colégio Militar foi criado no início do século XIX, numa época em que não havia escolaridade obrigatória ou generalizada. Tem servido sobretudo para garantir os estudos de nível secundário aos filhos dos oficiais. Aliás, apesar de ser possível a entrada de civis, os regulamentos de admissão, aprovados em 1980 (Portarias 545/80 e 626/81) dão prioridade não só aos filhos de militar, como dentro destes aos filhos de oficiais do quadro permanente, numa hierarquia de prioridades que até toma em conta se o avô era militar. Estas prioridades não serão relevantes hoje, já que o número de alunos tem vindo a diminuir. A prioridade que também é dada aos órfãos de militares falecidos em combate mostra a função de “protecção social” que o CM, para os filhos de militares. As propinas têm um sistema de capitação para os filhos de militares, mas não para os civis, que pagam sempre uma propina mais alta que qualquer militar. Este sistema de capitação é progressivo para vencimentos até aos 1000 euros, e torna muito difícil a integração de crianças dos militares com vencimentos mais baixos, para quem o esforço seria muito grande. Presentemente os filhos dos elementos da PSP e GNR, como os filhos dos funcionários civis das forças armadas têm o mesmo estatuto que os filhos de militares.

Hoje é possível frequentar o Colégio Militar em regime externo do 1º ao 12º ano e em regime interno a partir do 5º ano. O CM além do currículo nacional tem formação militar e uma componente desportiva mais forte que o ensino regular. Na tradição militar, esta incluí natação, esgrima e equitação. As suas instalações desportivas que incluem piscina coberta não têm paralelo nas escolas públicas. As mensalidades pagarão cerca de 1/5 da despesa, sendo o resto financiado pelo Orçamento Geral do Estado(cerca de 14 milhões de euros anuais).

O seu projeto educativo distingue-se do de outras escolas pela inspiração “nas qualidades e virtudes da vida militar”, referindo-se no seu projeto educativo valores como “identidade nacional”, “defesa do património cultural e histórico da sua Pátria” ou ainda “respeito pelos outros”, “solidariedade, auto-estima, autonomia…”, algumas das quais em face do que tem vindo a acontecer não passarão de boas intenções.

Maus tratos e discriminação de homossexuais (ou da manifestação de afetos no geral) estão bem longe do escrito no projeto educativo, mas parecem coerentes com uma formação baseada em hierarquias e no espírito militar de casta. Porém essa é uma apenas uma questão de um problema maior. Fará sentido manter este colégio integrado naquilo que é uma forma de ação social para militares que em tempos eram muito mal pagos? Fará sentido entregar ao Ministério da Defesa a educação de algumas centenas de jovens que começam muito cedo a integrar-se no espírito e no treino militar? É a própria existência do Colégio Militar e dos Pupilos do exército que vale a pena debater. A queda continuada do número de alunos parece ser uma resposta a estas questões. O lóbi militar tem bloqueado este debate, a demissão do Chefe de Estado Maior do Exército mostra até que ponto estes estabelecimentos de ensino lhe são caros, porém à medida que os problemas vão surgindo a discussão torna-se mais urgente.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
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