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A pegada social da crise

O Governo português deve dar o exemplo através do offshore da Madeira, mas esta bandeira de justiça económica em tempos de dificuldade deve envolver os povos europeus

A crise é a versão moderna do saque: O governo português (PS e PSD) saca aos portugueses mais pobres; os Estados europeus mais fortes sacam aos Estados europeus mais fracos; o Banco Central Europeu tenta sacar a quem já está de joelhos com tanto saque; e o sector financeiro privado saca a todos os outros os lucros perdidos durante a espiral da crise por ele criada.

Na sequência de roubos ninguém assume responsabilidade nem admite culpas, ainda que no rastro destes modernos saqueadores surjam as consequências que todos conhecemos: mais pobreza e desigualdade, desastre social, desemprego e salários baixos para os que estão no fundo da cadeia. Já todos sabemos bem o que significa a “pegada ecológica” do capitalismo. Esta é a “pegada social” da crise.

Tal como no ambiente, é hora de impor aos poluidores o ressarcimento dos danos causados. A pergunta que se impõe é bastante simples, afinal: quando é que exigimos alguma coisa a quem sempre enriqueceu com tanto saque?

Dizem-nos que estamos todos a apertar o cinto, mas existem na espiral da crise buracos negros que permitem esconder negócios suspeitos; há quem se esconda em “jogos de espelhos”, transferindo milhões sem qualquer controlo, de um lado para outro, sem pagar os impostos e sem cumprir os sacrifícios que agora nos impõem.

Os offshores são os instrumentos desse saque, e afectam todos os países europeus sem excepção.

Na semana passada a Polícia Financeira de Itália desmontou um esquema de fraude fiscal com recurso a facturas falsas e lavagem de capitais. Um pequeno grupo de nove pessoas roubou ao Estado italiano 31 milhões de euros em taxas e impostos não pagos. Como? Através de transferências para três paraísos fiscais, entre eles o offshore da Madeira.

Só em 2009, saíram de Portugal com destino a estes buracos negros financeiros 12 mil milhões de euros, grande parte sem pagar a parte devida ao Estado português. Quer isto dizer que, só em 2009, um punhado de pessoas detentor de 12 mil milhões de euros deixou de cumprir a sua parte dos sacrifícios impostos pela crise. Quer isto dizer que, só em 2009, o Estado português ficou uns milhões de euros mais pobre para poder tapar a pegada social deixada pela crise.

Tal como o Estado português, também o italiano, o grego e o espanhol ficaram a perder com esta injustificada permissividade perante o obscurantismo financeiro. Mas nem esta evidência impede o acordo de Sócrates, Passos Coelho, Alberto João Jardim, Sarkozy, Zapatero e Berlusconi e de todos os outros governantes europeus: os offshores estão para ficar; o regime de excepção nos sacrifícios é para manter.

Não cedemos perante um saque tão descarado. O Bloco de Esquerda apresentou uma proposta clara: 25% de taxa sobre os milhões que são transferidos todos os anos para os offshores. Essa é a nossa exigência a quem enriqueceu com o saque durante tanto tempo.

O Governo português deve dar o exemplo através do offshore da Madeira, mas esta bandeira de justiça económica em tempos de dificuldade deve envolver os povos europeus como frente de combate por uma reivindicação comum: democracia e igualdade nos sacrifícios impostos pela crise.

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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