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Diário de uma ida ao Centro Nacional de Pensões
9h18: Esta é a bicha com que me deparo quando chego a Entrecampos, Lisboa. Dá a volta ao quarteirão. E isto é apenas para conseguir uma senha que permita ser atendido no Centro Nacional de Pensões, no dia em que se assinalam os 30 anos da adesão de Portugal à então CEE. Antes de eu ter chegado, um senhor teve um desmaio quando anteviu a espera que ia ter de suportar. Ao cair, bateu com a cabeça. O INEM levou-o para as urgências. Durante o dia, ouvi vários relatos do episódio. Assustador.
9h 30: Devia ter chegado às 7 da manhã... Mesmo assim ainda tive sorte, “só” fiquei com 105 pessoas para informações à minha frente... Para entregar documentos, já não há senhas.
Um funcionário, a impotência estampada na cara, explica que há menos de metade do pessoal a atender. Mas o governo diz que há funcionários a mais.
"O senhor não viu que despediram gente da Segurança Social"? Eu sei, até conheço alguns deles... Por outro lado, prossegue, "não há emprego, as pessoas correm às reformas antecipadas".
Mas isso, dirá Passos Coelho, deve ser um mito urbano...
10h20: Foram atendidas 16 pessoas da letra A. Havia aqui normalmente 21 funcionários a atender. Agora, a cave está fechada. Há umas 7 pessoas a atender. Vai ser "O dia mais longo”. Um funcionário vai à sala de espera, apinhada de gente, e pede que as pessoas falem mais baixo, porque o barulho está a interferir com o trabalho deles. Muita gente obedece. Mas, numa sala onde não há sequer lugar sentado para todos, se a pessoa não bater um papo, o que mais faz para passar o tempo? Eu sei, leva um livro. Foi o que fiz.
10h 40: Diz o quadro das senhas que é preciso fazer um full scan no computador. Afinal deve ser essa a explicação da demora, não a falta de pessoal. É a prova de que isto é um mito urbano...
11h18: A minha fila, a A, vai no 26. Tenho 79 à minha frente. Por coincidência, a rapariga que tem o número 105 protagonizou comigo um ato de rebeldia. Sentamo-nos na escada da cave fechada, passando a corrente. O segurança veio dizer-nos que não podíamos estar ali. Mas não há outros lugares. O homem acabou por desistir. A rapariga está ali a apoiar a mãe.
11h 30: Sempre tive direito, como trabalhador, a um recibo de salário. Quanto é o valor bruto, que descontos foram feitos, quais os seus valores, quanto é pago no final, etc. Tudo registado para não haver enganos. Mas o pensionista não tem nada disso. Sabe pelo extrato da conta bancária quanto foi pago. Mais nada.
Se há alterações, não tem outro remédio senão vir aqui. Antes, tentei o call center, mas as informações são imprecisas. Já perguntei porque não se pode ter acesso a tudo isto pela segurança social direta. Olharam para mim como se fosse maluco.
Por enquanto, a Doença de Parkinson ainda me deixa fazer estas deslocações sem grandes problemas. Até quando?
12h 30: Arrisco dar um salto ao hospital dos Capuchos porque tinha combinado com a minha médica responder a uns questionários para ajudar a validar escalas para a avaliação da Doença de Parkinson em língua portuguesa. A Dra. Ana Calado é uma das pessoas mais importantes da minha vida atual, por razões óbvias, e por isso decidi arriscar. Além disso, acho que é meu dever colaborar no que posso com a luta contra a Doença, contra o preconceito de que são vítima os pacientes, enfim, tudo o que esteja ao meu alcance para contribuir com o meu grãozinho para se chegar à cura.
Reconheço que tenho interesse nisso. Claro! Mas digo-vos que muita gente não assume que tem a doença por medo do preconceito. Eu mesmo vejo a reação de algumas pessoas espantadas quando lhes digo que tenho a DP. Olham-me como se eu fosse um morto-vivo. Não sou, e vou vender cara qualquer piora.
14h20: Regresso a Entrecampos e mal posso acreditar. Ainda vai no número 46! Sessenta pessoas até eu ser atendido! Não vai dar! Pergunto ao segurança o que acontece às pessoas que não puderem ser atendidas hoje. Diz que todas serão. Nem que seja às 19h. Mas adverte-me que às 17h fecham as portas e ninguém mais entra, mesmo que tenha senha. Acho que ele está a ser otimista, mas a ver vamos.
17h: O segurança tinha razão. Quando as portas se fecham, já há muitos lugares livres, a sala desanuviou. Assim fica mais fácil conversar e conhecer os dramas da sra. que descontou a maior parte da sua carreira contributiva em França, do pescador que deu formação de pesca em Benguela e os descontos não apareceram, da senhora que ia pedir a reforma aos 65 quando o a idade legal subiu para os 66, e acha que quando puder pedir de novo, a idade legal vai subir outra vez, para os 67.
Fotografo furtivamente a sala onde é feito o atendimento e o segurança, atento, diz-me que não posso fotografar. Decido não criar caso, até porque já tenho uma foto.
17h30: Sou finalmente chamado, atendido e muito bem tratado. Nisso, não tenho que me queixar. As profissionais que já me atenderam (nesta e noutras vezes) em Entrecampos são 5 estrelas. Foi um dia inteiro de espera, mas saio com a esperança de que a coisa se vai resolver mais rapidamente do que eu esperava. Será?
Comments
Reportagem exemplar
Ao Luís Leiria os meus entusiásticos parabens! Os meus votos para que consiga controlar a doença. Também aí a sua determinação me parece exemplar.
Um ovo de Colombo, tão antigo mas tão esquecido, esta reportagem juntando o caso pessoal à realidade que é de todos. Texto simples, directo, forte, intelegente, relatando uma acção corajosa. Fotos bem elucidativas.
Se a equipa do Esquerda.net, se o activismo do BE (os seus jovens irreverentes...) conseguir multiplicar por mil este exemplo e daí tirar a respectiva ligação ao concreto das pessoas, muitas das dificuldades e do desgaste do Bloco irão, como por encanto, desaparecer.
CNP
Boa tarde,
Acabo de ver este artigo sobre os serviços SS em pothugal, sem duvida que é o retrato de quem nos governa... pois eu marquei atendimento no portal em dezembro 2015 e fui atendido hoje dia 9 de março de 2016, para estar 20 minutos à espera e ser atendido em 3 minutos.... ficando a saber que não posso requerer a reforma, mesmo depois de quatro anos no desemprego e com quarenta de descontos tenho que arrajar emprego mais um ano para depois fazer mais uma visita e tentar a reforma ou não...
Cps
Atendimento do Centro Nacional de Pensões
Bela reportagem esta.
O problema é que depois de mais de um ano de governação sucialista, apoiada pelo Bloco de Esquerda, o problema não está resolvido, está muito pior! Se o jornalista do Esquerda.net fosse agora ao Centro Nacional de Pensões, no Campo Grande, 6, em Lisboa, não teria apenas 100 pessoas à frente, teria 300 ou 400 !
Dia 15 de Janeiro de 2018 lá
Dia 15 de Janeiro de 2018 lá estarei para perguntar o que faço ou não em relação à minha situação. Confesso que estou até com medo, uma vez que não me sinto muito bem com muita gente à volta. Espero vir de lá aliviada e com um sorriso. Vamos ver quem me irá atender...comigo só falam docement...
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