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Um emprego não garante a sobrevivência

A remuneração pelo trabalho tem vindo a recuar tanto que, em muitos casos, o salário já não cumpre sequer a função de sobrevivência.

Ter, hoje em dia, um emprego é, todos sabemos, tarefa cada vez mais difícil. Ter um emprego sem ser um dos vários que alastram no espectro da precariedade, é um feito. Mas é cada vez mais visível que conseguir um emprego deixou de ser, para além de um garante de estabilidade, um garante de sobrevivência. A remuneração pelo trabalho tem vindo a recuar tanto que, em muitos casos, o salário já não cumpre sequer a função de sobrevivência, recuperação e reprodução da força de trabalho.

Já sabíamos dos ataques e dos apetites para a redução do salário, para fazer baixar o custo do trabalho e para permitir a selvajaria da moda 'flexi'. Os actuais CEI (antigos POC) já são, na prática, uma forma de trabalho gratuito (e duplicador do desemprego); os estágios não remunerados, idem. Mas não chegam para satisfazer o apetite e a gula. É que parece que estamos em crise! E que a forma de a resolver é permitir e facilitar a acumulação ao mesmo tempo que se amplifica a exploração.

A forma de vencer a crise é, claro está, desmembrando e vendendo o Estado Social, contribuindo assim para a redução do salário indirecto e para o aumento do custo de vida. Mas há outras formas de expurgar a crise através do enriquecimento dos mais ricos e do empobrecimento dos mais pobres. Parece que agora é preciso baixar os salários e facilitar os despedimentos, reduzindo as indemnizações envolvidas nestes processos.

O objectivo, está bom de ver, é aumentar a taxa de exploração sobre uma maioria trabalhadora (aquela que faz parte de uma economia produtiva) para permitir a acumulação de uma minoria que se desenvolve, grosso modo, nos corredores da economia especulativa ou da necessidade de dependência do Estado.

Portanto, reduzir o salário... O salário – enquanto expressão monetária do valor que é atribuído à força de trabalho – tem vindo a diminuir em Portugal. Ora porque não acompanha o aumento do custo de vida, ora porque viu diminuir ou desaparecer componentes de salário indirecto (aumento de custos com a saúde e educação, por exemplo). Ou então, aconteceu mesmo que os salários para uma determinada função foram reduzidos (precariedade e trabalho temporário contribuem para este fenómeno). O próprio Governo português deu a indicação mais clara de todas com o corte salarial aos trabalhadores da função pública... E assim, traduzindo, o valor da força de trabalho tem vindo a sofrer uma desvalorização em Portugal e na Europa.

As tarefas não se alteraram; os meios e modos de produção pouco terão mudado nos últimos anos; o preço dos produtos não oscilaram brutalmente... O valor da mercadoria não diminuiu mas a força de trabalho – parte fundamental e constitutiva para a realização da mercadoria – desvalorizou-se! O que mudou aqui no meio? Aumentou a taxa de exploração!

Hoje, trabalha-se o mesmo por menos: produz-se mais para receber menos; cria-se mais riqueza mas ela fica cada vez mais concentrada nas mãos de meia-dúzia que fazem da sua riqueza a exploração do trabalho dos outros.

Em Portugal existem, hoje, 500 mil trabalhadores que, tendo emprego, não conseguem garantir a sobrevivência (a sua e a da sua família). Existem milhares de trabalhadores que trabalhando necessitam de recorrer ao RSI para complementar o salário extremamente baixo (um estudo recente aponta que 31% dos beneficiários de RSI estejam na situação de trabalhadores no activo).

E por isso, o mais lógico a fazer é, em virtude da superação da crise, reduzir ainda mais os salários e continuar o caminho do recuo do século no que toca a conquistas sociais!

Perceberemos a razão da irracionalidade quando percebermos que as soluções económicas não são tábua rasa e que diferentes soluções obedecem a interesses diferentes. Que as soluções que Governo, União Europeia e FMI preconizam são apenas e exactamente aquelas que mais beneficiam os interesses com quem estes estão comprometidos: patronato e grandes fortunas. Perceberemos a tomada de posição ilógica quando percebermos que este é um caminho em torno de um objectivo do capitalismo: desfazer as conquistas do pós-guerra, recuar no Estado Social deixando-o à predação da gula privada e, acima de tudo, desregular o mercado e as leis do trabalho de forma a impor a maximização da exploração.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
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