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IRS Educação – a ponta do iceberg

O governo aprovou uma medida transitória que permite aos contribuintes declarar, para deduções à coleta, valores diferentes daqueles que serão transportados do sistema e-fatura. É uma medida positiva e era urgente, mas não responde a todas as dificuldades.

A justificação do governo para uma medida transitória é verdadeira, mas simplista. De facto, a automatização dos processos fiscais colocou a nu a ponta de um iceberg gigante, em que redes de entidade privadas prestam serviços dentro das escolas, muitas vezes de baixa qualidade, sem qualquer tutela prática, pagando muito pouco aos profissionais contratados, e não cumprindo com o enquadramento fiscal de quem presta serviços em escolas.

O governo aprovou há poucos dias uma medida transitória que, em sede de IRS, permite aos contribuintes declarar, para deduções à coleta, valores diferentes daqueles que serão transmitidos ou transportados do sistema e-fatura. É uma medida positiva e era urgente. Mas o governo afirma que esta medida responde às dificuldades ou desconhecimento dos contribuintes sobre os procedimentos a adotar no portal e-fatura. Esta justificação, não sendo falsa, é incompleta, como veremos tomando como exemplo a área das deduções em Educação.

e-fatura

Boa parte das despesas em Educação aparecem de forma automática no portal e-fatura. São comunicadas por várias entidades, públicas e privadas, e o contribuinte tem a obrigação de verificar cada uma das faturas mas está impossibilitado de recolocar ou corrigir faturas mal lançadas pelas entidades prestadoras dos serviços.

Cantina, CAF, AEC, Visitas de Estudo e afins

As famílias, pais ou encarregados de educação, pagam muitas vezes a cantina dos educandos a uma empresa contratada pela Câmara Municipal. Um exemplo: Na escola EB1 - Leão de Arroios do Agrupamento Luís de Camões (não é o do Liceu Camões), a empresa Nordigal (contratada pela CM Lisboa) presta os serviços de cantina, passa e entrega as faturas sob regime de 23% IVA, usando um Código de Atividade Económica (CAE) associado a fornecimento de serviço de refeições. No entanto, o Código de IRS afirma que as despesas dedutíveis na rubrica de Educação são aquelas que estejam ao abrigo dos regimes de redução ou de isenção de IVA. Portanto, a recente medida do governo permite que as famílias possam declarar esse valor na dedução de IRS na rubrica de Educação, sobrepondo o valor ao que é transmitido pelo e-fatura. Mas ao mesmo tempo, a irresponsabilidade da CM Lisboa, a incompetência da Nordigal, ou ambos, podem colocar em risco a inclusão da cantina na rubrica de Educação: se os serviços de finanças chamarem o contribuinte para comprovar as despesas, essas, ficarão imediatamente em risco (ou são mesmo excluídas).

A CAF - Componente de Apoio à Família - é prestada normalmente também por empresas externas. Na EB1 Leão de Arroios a CAF é prestada pelo Lisboa Ginásio Clube (LGC) que é sub-contratado pela Junta de Freguesia de Arroios. Neste caso, o LGC passa as faturas sob regime de isenção de IVA usando o CAE 85201, o que significa que essas faturas são elegíveis corretamente para a rubrica de Educação.

As famílias pagam ainda diretamente à escola atividades como visitas de estudo recebendo neste caso faturas passadas pelo agrupamento ou escola não agrupada, em regime de isenção de IVA. Nalguns casos mais caricatos, como o do Agrupamento Luís de Camões, o CAE - 85310 - registado nas finanças está errado (verificar aqui), o que significa que as faturas, se exigidas pelas finanças, serão excluídas com o respetivo prejuízo na dedução à coleta.

Manuais e materiais. A mesma situação: dependendo do CAE e do Regime de IVA da empresa que os vende, podem ou não ser enquadráveis na rubrica de Educação em sede de IRS.

Questões relevantes sobre IRS

Julgo que tomando este exemplo do Agrupamento Luís de Camões (não é o Liceu Camões) se compreendem bem algumas das questões mais relevantes das deduções.

-as entidades registam um determinado CAE e passam faturas ao abrigo de um determinado regime de IVA. Se o CAE ou o regime de IVA for incorreto para o serviço em causa, o contribuinte nada consegue fazer na prática para recolocar ou corrigir a fatura introduzida no sistema pela entidade prestadora de serviço.

-um sistema fiscal que se baseia na introdução de dados pelas entidades prestadoras de serviços e pela validação dos contribuintes é um sistema que desresponsabiliza quem pode de facto intervir rapidamente: o Estado.

-as famílias não deveriam ter de saber nada, absolutamente nada, sobre CAE e Regimes de IVA. Os Códigos de IVA e de IRS devem ser cumpridos por todos, mas não devem obrigar a todos que todos conheçam os seus detalhes como forma de garantir os seus próprios direitos.

-as Direções de Agrupamento e Escolas não agrupadas estão mais preocupadas, de uma forma geral, em colocar-se num bom lugar nos rankings do que em garantir a qualidade dos serviços dentro da escola, e até em garantir os direitos das crianças e famílias. Portanto, agrupamentos e escolas não estão a garantir que as entidades que prestam serviços dentro das escolas realizam a faturação como devido: ao abrigo dos CAE corretos e com enquadramento na isenção de IVA tal como descrito pelas finanças.

- As Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia subcontratam vários serviços prestados dentro das escolas, das cantinas à Componente de Apoio à Família. Mas tal como as Direções de Agrupamentos e Escolas, poucos serão os municípios a garantir a qualidade dos serviços prestados e a validade da faturação emitida.

Ministério das Finanças ou Ministério da Educação? Ou ambos?

Então, a justificação do governo para uma medida transitória é verdadeira, mas simplista. De facto, a automatização dos processos fiscais colocou a nu a ponta de um iceberg gigante, em que redes de entidade privadas prestam serviços dentro das escolas, muitas vezes de baixa qualidade, sem qualquer tutela prática e não cumprindo com o enquadramento fiscal de quem presta serviços em escolas, públicas ou privadas.

As famílias, pais ou encarregados de educação, estão a suportar portanto, muitas vezes, encargos superiores aos que deviam, com qualidade inferior ao devido. Este é o resultado mais prático e claro das políticas de privatização dos serviços de educação dentro das escolas. Portanto, tudo isto, só pode ser resolvido por duas tutelas: Finanças e Educação.

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Engenheiro informático
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