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Formação em Aplicação de Produtos Fitofarmacêuticos

Uma história insultuosa e uma oportunidade perdida.

De uma diretiva comunitária de 2009 o Estado Português demorou mais de 3 anos para a simples produção da Lei n.º26/2013, tendo deixado aos agricultores, às DRAP e a todas as entidades formadoras apenas dois anos para preparar e executar ações de formação em todo o país. A prova de conhecimentos que assumia elevada importância para os agricultores com mais de 65 anos até abril de 2013 (que entretanto já têm 68 ou mais), permitindo aceder mais facilmente a esta qualificação, só teve Despacho aprovado em março de 2015 e iniciou aplicação apenas em meados de junho – nunca formou ninguém com 65 ou 66 anos. O tempo que sobrou sabia-se escasso, mas o ministério pouco fez para conseguir mobilizar os agricultores e restantes atores para a concretização deste objetivo, não se promoveram ações de informação suficientes nem se dotaram as Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) de recursos humanos para responder ao que lhes era exigido.

Na passada 6ª feira, 22 de janeiro, o Bloco de Esquerda viu rejeitado, com os votos contra do PS e CDS e a abstenção do PSD, um Projeto-Lei que respondia ao essencial. Capoulas Santos e o atual Governo PS decidiram assim dar continuidade à irresponsabilidade e ao insulto iniciados pelo anterior Governo. Começa mal senhor ministro, Capoulas Santos

Para agravar uma realidade que a cada dia anunciava de forma mais convicta o seu próprio colapso a 26 de novembro de 2015, data a partir da qual a Lei previa a obrigatoriedade da formação, as DRAP recebem instruções no dia 28 de abril para suspender as homologações das ações de formação e submeter todas as entidades formadoras a um novo processo de certificação, tendo-se perdido vários meses com esta medida na reta final para a aplicação da Lei.

É difícil ter maior desrespeito pelos agricultores profissionais e de autoconsumo, pelos formadores e por todos os corpos técnicos das DRAP que têm de agilizar o processo e dar a cara por ele. Trata-se de um insulto a toda esta gente da responsabilidade primeiro de Assunção Cristas, então ministra da agricultura, e do anterior Governo PSD-CDS.

Durante os meses que antecederam o prazo legal para obtenção desta habilitação, ao desespero dos agricultores juntou-se o oportunismo de algumas entidades formadoras que ainda hoje vendem diplomas e cartões, recolhem assinaturas e não concretizam as ações de formação. Atropelam-se as denúncias e os relatos de gente que obtém cartões de aplicador sem participar da formação, por vezes sem saber ler nem escrever, na sombra de entidades fraudulentas. As DRAP não têm recursos humanos para realizar ações de fiscalização nem para ministrar formações e também isso é responsabilidade do anterior Governo.

Iniciou agora o tempo da responsabilidade de Capoulas Santos e do atual Governo sobre a continuidade desta vergonhosa história e não está a começar bem. O Decreto-Lei 254/2015 de 30 de dezembro está longe de responder à mudança necessária. Reconheço a sua utilidade no imediato, possibilitando a continuidade das atividades agrícolas até ao dia 31 de maio, com base na emissão de um certificado de inscrição, mas todas as restantes medidas previstas no DL, associadas ao Despacho 1/2016 do Diretor-Geral de Alimentação e Veterinária e do Diretor-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, são danosas para o agricultor e para o sustentável desenvolvimento da agricultura:

- A formação que anteriormente tinha uma dimensão de 35 horas, com períodos dedicados à mecanização agrícola e com uma componente prática que exigia a participação de dois formadores, foi dividida em dois módulos distintos (4h + 25h), tendo perdido horas de formação e toda a componente prática a dois formadores. Significa então que a qualidade da formação exigida foi brutalmente degradada;

- O conteúdo programático previsto para o primeiro módulo é tecnicamente impossível de cumprir em 4 horas e não está previsto número máximo de formandos por turma. Não se pode considerar que estes agricultores estejam igualmente habilitados a lidar com produtos fitofarmacêuticos;

- A frequência no primeiro módulo prevê uma habilitação por dois anos, ficando a sua continuidade dependente da frequência no módulo de 25h. Em consequência desta medida corremos sérios riscos de viver exatamente o mesmo problema dentro de dois anos, com nova acumulação das necessidades de formação;

Para além destas dificuldades, um dos maiores problemas criados pela Lei n.º26/2013 e sobre o qual o novo DL do atual ministro nada diz, corresponde ao facto da legislação tratar por igual o grande agricultor e o cidadão que tem algumas árvores de fruto à porta de casa ou simplesmente um jardim e que necessita de recorrer a produtos fitofarmacêuticos que não estão disponíveis no mercado para o consumo doméstico.

Na passada 6ª feira, 22 de Janeiro, o Bloco de Esquerda viu rejeitado, com os votos contra do PS e CDS e a abstenção do PSD, um Projeto-Lei que respondia ao essencial: prorrogava o prazo previsto pela Lei n.º26/2013 para obter formação até ao final de 2016; mantinha a estrutura do curso e preservava a sua qualidade; garantia a estabilidade ao normal funcionamento das DRAP e das formações que estão a decorrer; alargava a prova de conhecimentos a todos os que atualmente têm mais de 65 anos e aos pequenos agricultores e cidadãos que lidam ocasionalmente com este tipo de produtos, tornando a sua habilitação mais acessível.

Capoulas Santos e o atual Governo PS decidiram assim dar continuidade à irresponsabilidade e ao insulto iniciados pelo anterior Governo. O que poderia ser uma oportunidade para a formação de todo o tecido agrícola nacional, com a melhoria das práticas, da qualidade alimentar e da proteção ambiental no que à utilização de produtos fitofarmacêuticos diz respeito, transformou-se numa oportunidade de negócio fácil para entidades formadoras mais ou menos fraudulentas. Do ministério têm saído instruções claras: não há limite máximo ao número de alunos por turma no primeiro módulo, é mesmo para alugar o quartel dos bombeiros e fazer turmas de dezenas de pessoas que em 4 horas receberão formação e serão avaliadas numa matéria tão vasta quanto o anterior curso de 35 horas; as provas de conhecimentos para quem tem hoje mais de 67 anos já não precisam das habituais 4 horas de formação prévia, é dar os testes e as soluções, recolher assinaturas e já está. Façamos as contas, a oportunidade é oferecida por centenas de milhar de pessoas desesperadas, pelo país fora, que até dia 31 de maio renderão milhões de euros a quem lhes vender cartões e diplomas.

Começa mal senhor ministro, Capoulas Santos.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro agrónomo
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