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Nota sobre “Game of Thrones”: os violadores não são heróis
Mas, quer se censure a adaptação para televisão ou o texto original, o problema com a violência sexualizada de Game of Thrones não é apenas o facto de ela existir ou mesmo de existir em grande quantidade. A questão é que a própria história funciona muitas vezes de modo a racionalizar ou a justificar essa violência.
Domingo à noite [15/06/2014], os espetadores de Game of Thrones assistiram a uma cena em que um homem estrangulou a sua ex-namorada por esta ter ferido os seus sentimentos. O homem em questão é Tyrion Lannister (Peter Dinklage), um dos poucos personagens que a série sempre nos encorajou a apoiar sem ambiguidades; a mulher era Shae (Sibel Kekilli), uma prostituta que ele tinha contratado em exclusivo na primeira temporada da série. Houve grande cobertura da cena, incluindo entrevistas exclusivas com os actores, showrunners e com o autor de A Song of Ice and Fire, George R. R. Martin que escreveu a cena, focando nas motivações de Tyrion e o que isto significa para a sua personagem.
Mas, em tudo isso, ninguém parece ter vontade de chamar à cena aquilo que ela é: um ato de abuso contra a parceira. E isso é devido a um exercício narrativo muito complicado e muto perigoso, em nome dos produtores e de George R. R. Martin. Enquanto espetadores, não só nos é pedido que racionalizemos a escolha de Tyrion para maltratar fisicamente a sua parceira, como nos é pedido que acreditemos que ele o fez por “amor”.
No contexto do filme, a morte de Shae não é nem especialmente violenta nem especialmente chocante. Afinal de contas, esta é uma série que se delicia em exterminar personagens principais e o modo como ela é morta não aparece como particularmente sangrenta num filme em que vimos pessoas serem espancadas, castradas e queimadas vivas. (Uma importante cena de acção desta temporada mostrava um homem a rebentar o crâneo do seu opositor como se fosse uma melancia num espectáculo de Gallagher. Depois disso, matar alguém por asfixia parece até muito correto. Mesmo assim, a política de género da cena surge como particularmente repugnante depois de um exame mais próximo e o facto de a maior parte das críticas a terem ignorado diz algo ainda mais repugnante acerca do efeito que Game of Thrones tem na adesão do seu público.
A série já esteve este ano debaixo de fogo por causa do seu sexismo, especialmente em relação a uma cena de violação clara em que a rainha má Cersei Lannister (Lena Headey) é violada pelo seu amante Jaime (Nickolaj Coster-Waldau), supostamente um bom coração. Alguns foram rápidos em condenar a série por exceder os livros; Sonia Saraiya referiu que o filme tinha uma tendência para introduzir cenas de violência contra mulheres onde elas não existiam no texto original.
Outros críticos, nos quais me incluo, assinalaram que a tendência de Game of Thrones para usar violência gratuita contra as mulheres está omnipresente quer na série de George R.R. Martin quer no escrito original. Por exemplo, enquanto alguns adeptos argumentaram que a cena de violação clara da rainha-no-exílio Daenerys (Emilia Clarke) e o agora-morto Khal Drogo (Jason Momoa) da série televisiva começou como um encontro ambiguamente “consensual” entre as duas personagens nos livros, outros defendiam que simplesmente condensava o cronograma existente do livro, onde, após uma noite de núpcias “consensual” (se é que se pode chamar “consensual” a uma cena de sexo entre uma rapariguinha e um homem adulto a quem ela fora vendida, o que claramente não se pode) Drogo começa rotineiramente a violar Daenerys até que ela exibe a sua habilidade sexual a tal ponto que ele começa a tratá-la bem. Não só a mensagem deste enredo é espectacularmente retrógrada em ambas as versões – minhas senhoras, se querem que o vosso marido deixe de abusar de vós, tratem de ser mesmo boas a dar-lhe orgasmos! – como é provavelmente menos ofensiva na versão da televisão. Além do mais, no filme o papel de Daenerys é feito por uma atriz adulta e não somos forçados (como acontece nos livros) a confrontar-nos com o facto de que um homem adulto escolheu escrever com um erotismo palpável e visível sobre os mamilos “rígidos” e “doridos” e a copiosa “humidade” vaginal de uma criança de 13 anos.
Mas, quer se censure a adaptação para televisão ou o texto original, o problema com a violência sexualizada de Game of Thrones não é apenas o facto de ela existir ou mesmo de existir em grande quantidade. A questão é que a própria história funciona muitas vezes de modo a racionalizar ou a justificar essa violência. A violação de Daenery não é inerentemente problemática; no entanto, uma narrativa sobre violação conjugal que aparece como verdadeiro amor é um enorme problema porque justifica intrinsecamente o abuso de mulheres e meninas. Igualmente, a questão com a morte de Shae não é simplesmente o ela morrer; é a mensagem que é dada com o seu homicídio.
De algum modo, a cena é apresentada como um assassinato de vingança pago pela mesma moeda. Shae passou grande parte da série a trabalhar como prostituta pessoal de Tyrion. Depois de Tyrion a despedir, Shae dá um falso testemunho contra ele num julgamento manipulado de modo a acusá-lo da morte do seu sobrinho King Joffrey (Jack Gleeson). Por fim, quando Tyrion foge da prisão, descobre que Shae tem estado a dormir com o seu pai, Tywin Lannister (Charles Dance), que foi responsável por manipular o julgamento. Somos encorajados a acreditar que Shae deu o testemunho por vingança e mesmo que ela tinha vontade de matar Tyrion: quando ele a apanha no quarto de Tywin, ela agarra numa faca (detalhe que não existe no livro) o que para muitos espetadores os levou a pensar que ele agiu em auto-defesa. Shae “trai” Tyrion; Shae alia-se aos inimigos de Tyrion; Shae ameaça a vida de Tyrion, quer com o testemunho quer com a faca. Por isso, Shae tem de morrer. É simples, não é?
Não, não é. Quanto mais se olha para essa linha de argumentação, menos sentido ela faz. Para começar, Shae não era namorada de Tyrion, era empregada dele. Ela começou a ter sexo com ele quando ele lhe começou a pagar, e parou quando ele deixou de lhe pagar. O filme sugere que se desenvolve um genuino afeto por parte de Shae, mas o facto é que parecer carinhosa com Tyrion fazia parte do trabalho de Shae e o dinheiro nunca deixou de circular. Sugerir que Tyrion tinha o direito a continuar a receber alguma forma de lealdade por parte de Shae é um total equívoco na relação trabalhador(a) do sexo/cliente. Por isso, julgar Shae por fazer sexo com o inimigo de Tyrion, quando a sua profissão é ter sexo com pessoas, também é um disparate; é o equivalente a dizer que um trabalhador despedido é uma má pessoa por arranjar trabalho numa empresa concorrente. E por fim, há o facto de que Shae foi mantida cativa por Tywin antes do julgamento e muito provavelmente teria sido torturada ou executada se recusasse sexo, testemunho contra Tyrion ou ambos. Essencialmente, trata-se de uma personagem que é morta pelo crime de não se ter suicidado.
E se a série tivesse intenção de lutar com as complexidades desse arco – se, por exemplo, tivesse centrado a narrativa na vida de Shae como mulher marginalizada e com a coerção que frequentemente suportava – eu podia até recomendá-lo. Mesmo se os autores tivessem apresentado a sua morte como resultado inevitável da misoginia da sociedade e dos sentimentos pessoais de Tyrion de se sentir com direito aos corpos das mulheres e à sua afeição, poderiam ter feito um aspecto digno de apreço. Mas não é o caso. A história do julgamento e o seu relacionamento permanecem inteiramente centrados nas emoções de Tyrion.
Fundamentalmente, a morte de Shae não serve senão para sublinhar a mensagem de que devemos ter compaixão pelo assassino: ela é apresentada como uma ex, vingativa e não como vítima – mais um exemplo como o mundo é injusto com o pobre Tyrion Lannister. Numa rápida pesquisa no twitter encontramos dúzias de comentários do tipo: “Ela era de facto uma puta infiel”, “Estou tão desapontado com Shae” e “que se foda a puta”, o que confirma que os esforços do filme de afastar da vítima as simpatias dos espectadores e virá-las para o assassino estão a funcionar para muita gente.
E para acrescentar insulto à violência, espera-se que acreditemos que ele a ama. Ele aparece a chorar quando a estrangula; diz “desculpa” em cima do cadáver dela. Na cena logo a seguir, Tyrion enfrenta o pai, faz um solilóquio comovente acerca do seu amor por Shae e mata Tywin com uma besta por se referir a ela como “puta”. Surge como um acto heróico, uma defesa da honra de Shae e do seu valor como ser humano – o que é dizer que nos é pedido que aplaudamos um homem por “defender” uma mulher que espancou e estrangulou na cama por não gostar suficientemente dele.Isto não só é ridículo como torna a morte de Shae totalmente gratuita. Parece que ela morreu apenas para dar o ímpeto emocional para outro assassinato narrativamente mais significativo.
Nada disto é irrelevante. As mulheres são mortas pelos seus companheiros ou ex companheiros a um ritmo alarmante – 40% de todas as mulheres vítimas de assassinato no mundo, de facto, são mortas pelos homens com quem têm ou tiveram uma relação afectiva. E ainda há mais aquelas que são agredidas fisicamente por eles. Estas são as desculpas que ouvimos: que foi um crime passional, que foi ela que criou essa situação, que ela também o magoou, que ele não conseguiu deixar de o fazer. Que ele está “arrependido”. Que ele a amava. Em Game of Thrones, a narrativa funciona para que estas desculpas se colem a Tyrion. Assim, contribui activamente para a cultura de maus tratos com que as mulheres têm de viver ou… morrer.
Demasiadas vezes, Game of Thrones pede-nos que desculpemos homens que cometem violência contra as mulheres. Acreditar que Jaime “ama” Cersei apesar de a ter violado, que Drogo “amava” Daenerys embora a tivesse violado repetidamente, que Tyrion “amava” Shae apesar da sua evidente crença de que ela não merecia viver se ele não obtivesse tudo o que queria da sua relação. Assim, o problema com Game of Thrones não é o mostrar actos misóginos. É não reconhecer a misoginia desses actos, antes ensinar os seus espetadores a partilhar essa visão perigosamente nublada.
Tradução de Almerinda Bento para esquerda.net.
Artigo de Sady Doyle foi publicado em In These Times.
Comments
Acho este texto ridículo, e
Acho este texto ridículo, e ainda mais ridículo ser publicado na pagina do Bloco...estão a ir por maus caminhos... Extremistas!
O texto não tem lógica porque
O texto não tem lógica porque a Shae não era só prostituta nem nunca foi para o Tywin. Sempre foi bem claro isso na série. A primeira vingança foi dela, ela queria-o matar porque ele casou com outra e por isso deu um falso testemunho no julgamento. A 1ª violência foi da mulher contra o homem e por ciúmes. Só depois é que o Tywin já dorido descobre que ela dorme com o seu pai e explode, não de forma premeditada mas de raiva.
A Shae fez um crime frio e o Tywin fez um de raiva.
Vocês vêem mesmo como querem, tirem os filtros vermelhos. Ridiculo o texto, é a minha opinião.
Concordo plenamente. A Shae ,
O que é isso de 'Game of
O que é isso de 'Game of Thrones'?
Na realidade, precisa entrar
Na realidade, precisa entrar no mundo de fantasia para entender as motivações destes personagens.
Um grande equívoco foi dizer que a relação de Tyrion e Shae era de cliente/prostituta. Nem na série nem no livro.
Achei forçado a faca na mão dela? Sim. Mas, mesmo assim, ali foi matar ou morrer para o Tyrion (ela o entregou para a PENA DE MORTE. Poderia ser ela naquela cama como poderia ser qualquer outro que o entregou).
Quanto Daenerys, há um abuso por parte do Drogo e quanto sua idade, sim. Mas, antes disso, a pequena era tratada como escrava e com frieza pelo próprio irmão. Infelizmente, era uma garota que já sofria de TUDO na vida e essas foram as armas que ela obteve para conseguir sair desta situação. Lembrando que o Drogo era um SELVAGEM. Não temos como levá-lo a exemplo dos homem atuais. Por último, no próprio livro, Daenerys é ingenua a ponto de "se corar" com imagens sexistas grifadas em paredes (isso bem após ela conhecer Drogo e etc).
Cersei... Não achei chocante aquele tratamento do Jaime com ela porque a relação deles já é muito louca, desde o início. Irmãos!!! O que eu fiquei chocado é de ter acontecido no velório do filho deles. Apenas.
Game of Thrones retrata um mundo fictício e cruel. Suas pitadas de realidade ficam na parte política que é triste mas em muitos lugares do mundo, ainda se assemelham. Precisa ter discernimento ao separar a fantasia da série/livro do retrato da realidade atual. Eu não sei se a autora do post sabe... Mas, os dragões e os white walkers fazem parte da fantasia, ok? :D
É no mínimo extremista.
É no mínimo extremista.
O artigo aponta a série, a televisiva e a dos livros, como se fosse algo enviando diretamente pelo próprio demo. As vezes temos de lembrar que nem toda forma de cultura\arte\entretenimento tem de vir com uma moral no final. Certas coisas são o que são e não adiante impor uma censura a isso. Violência existe e existiu hoje e na idade média, mesmo fora da fantasia de George. A série tem censura e já somos bem grandinhos para compreender que a vida não é cor de rosa, perfeita e magnífica, como pensava Sansa Stark quando era ainda criança inocente.
Texto ridículo, o mundo das
Texto ridículo, o mundo das crônicas de gelo e fogo é fantasioso, os costumes são diferentes dos nossos, Nesse mundo tudo começa mais cedo, VC se casa muito mais cedo você faz sexo mais cedo, vocêpode ser o rei muito mais cedo Daenerys tinha que se relacionar com Drogo no mundo das crônicas de gelo e fogo o casamento é importante para alianças militares e daenerys nasceu naquele mundo ela tem que fazer sexo com Drogo ela está casada com ele é o jeito que ela voltaria para westeros e ajudaria seu irmao a reivindicar seu Trono por direito.
Parei de ler na primeira
Parei de ler na primeira parte... Não assiste então querida, vai lavar roupa!
Escritor não acompanha a série!
Esse artigo foi escrito por alguém que não acompanha a série. Tyrion levou Shae com ele depois da guerra e a manteve escondida por medo dela ser morta pelos Lannysters. Quando foi forçado a casar com Sansa Stark ele insistiu que Shae fosse embora para que ela não morresse nas mãos da sua familia. Na última discussão dele com Shae ele a chamou de prostituta e a ofendeu para que ela desistisse de permanecer em King's Landing pois temia pela vida dela.
O testemunho dela contra Tyrion foi boa parte por vingança, isso fica claro quando ela olha pra ele e diz "sou uma prostituta, lembra!?".
Shae nao tinha marcas de tortura. Ela aproveitou a chance de ser a prostituta de alguém com maior poder. No caso o pai de Tyrion que o queria morto. Shae deu aos que odiavam Tyrion argumentos definitivos para a sua condenação.
Não há heróis
A autora distorce de tal forma a relação entre Tyrion e Shae que me custa a crer que sequer tenha visto a série que está a criticar. Tyrion conhece Shae como prostituta mas desenvolve com o tempo uma relação amorosa com ela. Querendo o seu amor perto de si, Tyrion consegue trazer Shae para o castelo de Kings Landing, como aia de Sansa Stark. Mais tarde, o seu pai, Tywin, arranja um casamento entre Tyrion e Sansa. Nessa altura, Shae mostra ciúmes, tenta aproximar-se de Tyrion mas ele rejeita-a porque não quer desonrar os seus votos de casamento, mesmo não estando apaixonado por Sansa. Entretanto, Varys oferece dinheiro a Shae para desaparecer, mas ela recusa. Como é que tudo isto é compatível com a ideia, expressa no texto, que estava em causa uma relação estritamente comercial?
Muito mais tarde, quando o rei Joffrey morre envenenado, Tyrion é acusado de homicídio. Torna-se muito claro que Tywin, que é juiz no julgamento de Tyrion, está a conspirar para destruir o filho e possivelmente condená-lo à morte. Durante o julgamento, Shae reaparece para testemunhar contra Tyrion, contando mentiras incriminatórias e humilhando-o publicamente.
No último episódio, Tyrion consegue fugir da cadeia. Antes de fugir, contudo, volta atrás, para confrontar Shae e o seu pai. Quando encontra Shae, ela está na cama do pai, e torna-se claro que ela é amante do pai. Perante a descoberta, Tyrion mata Shae.
Não é claro o porquê da traição de Shae mas é possível que tenha sido de alguma forma coagida por Tywin ou que simplesmente se quisesse vingar de Tyrion por não ter enfrentado a sua família por ela. Há injustiça na sua morte? Certamente que sim. Mas Tyrion não é um herói nem nunca foi apresentado como tal. É uma personagem com a qual qualquer pessoa simpatiza, porque tem bons sentimentos e é inteligente, no meio de tantos brutos, mas a humilhação que sofre no julgamento, a juntar a tantas outras que sofreu às mãos do pai, torna-o num homem amargurado e violento. A morte de Shae e de Tywin marca o início de uma nova era, com um novo Tyrion, que é tudo menos um herói.
Quanto a Jaime, a cena de violação foi introduzida estupidamente na série, dado que não existia no livro, e acaba por mudar radicalmente a imagem de uma personagem complexa. Jaime não é, como defende a autora, um “bom coração”, tendo sido responsável ou cúmplice de vários atos de crueldade e desonra.
O único herói que a história teve, Ned Stark, morreu logo no início. Tudo o resto são pessoas que lutam pelo trono ou que tentam desenrascar-se como podem num mundo violento. Não há heróis nem santos e a dicotomia bem-mal é constantemente posta em causa.
Tendo lido o primeiro livro da saga, creio que a história acaba por abordar de forma interessante a discriminação sexual e a forma como as mulheres se defendem e se adaptam a uma sociedade profundamente machista (os exemplos de Daenerys, Sansa e Arya são notáveis nesse aspeto). Muito disso perde-se na série e, pior que isso, elementos de violência machista são introduzidos. Creio, portanto, que a acusação de misoginia dirigida à série tem o seu fundamento, embora ache que a mesma não se aplica em relação aos livros. Mas as críticas tem de ser feitas com base nas obras em si. Criticar um livro que não se leu ou uma série que não se viu é um ato de preguiça intelectual e em nada ajuda ao debate.
É com alguma tristeza que,
É com alguma tristeza que, pela primeira vez, leio no site do Bloco um texto com conteúdo tendencioso. No entanto, creio que como votante do Bloco e fã da referida saga me cabe a mim fornecer algumas explicações.
As Crónicas de Gelo e Fogo são uma obra literária de fantasia, mas (e é um grande "mas"), contêm uma forte influência histórica do período da Guerra das Rosas em Inglaterra no séc.XV. Aliás, basta pesquisar um bocadinho sobre esse tema para percebermos de onde George R. R. Martin retirou algumas das suas ideias. Dito isto, creio que é um pouco ridículo que se exija a representação de uma sociedade justa numa obra que vai buscar aspetos sociais e políticos de há mais de 500 anos atrás.
Quanto ao que é dito sobre a representação das mulheres neste texto, vamos por partes:
- A autora refere, em relação à personagem de Tyrion Lannister, que "não só nos é pedido que racionalizemos a escolha de Tyrion para maltratar fisicamente a sua parceira, como nos é pedido que acreditemos que ele o fez por «amor»". Esta é uma frase muito engraçada, porque parece partir do princípio que Tyrion Lannister não esteve a meras horas de ser executado por um crime que não cometeu, e cujo único depoimento realmente credível contra si pertenceu exatamente à sua "parceira". Mas há muito mais para além disso.
O próprio pai da personagem, bem como a irmã, culpam-no desde nascença pela morte da mãe, chegando ambos a referir-se a ele como um "monstro". No primeiro livro da saga, Tyrion é enviado pelo próprio pai para uma batalha em que havia claramente a intenção de que o matar (não esqueçamos que ele é um anão). No segundo, é atingido na cara por um machado que lhe arranca metade do nariz, e o atacante não pertence ao inimigo (é implícito que o atacante foi pago pela irmã). Depois do ataque, fica semanas fechado num quarto para combater a infeção e não é visitado pelo pai uma única vez. Estão a ver como o "background" das personagens é importante?
Finalmente chegando à situação referida, é irrelevante se a "parceira" alguma vez o amou, é uma questão deixada em aberto nos próprios livros, e não nos é pedido que "racionalizemos" nada, trata-se de um assassínio por vingança, o que me desperta uma questão: Porque é que a autora nunca menciona Arya Stark? É outra personagem que mata (e deixa morrer) vários homens apenas por vingança, e aliás, mata um rapazinho inocente no primeiro livro. Será por ser do sexo feminino e as vítimas serem do sexo masculino? É "só" uma incoerência...
- Avançando para uma parte que me incomoda bastante, que é a seguinte: "Além do mais, no filme o papel de Daenerys é feito por uma atriz adulta e não somos forçados (como acontece nos livros) a confrontar-nos com o facto de que um homem adulto escolheu escrever com um erotismo palpável e visível sobre os mamilos «rígidos» e «doridos» e a copiosa «humidade» vaginal de uma criança de 13 anos". - Curiosamente, o que me incomoda aqui não é o que o autor escreveu, mas o facto da autora do texto (mais uma vez) ser tendenciosa ao ponto de se "esquecer" de Jon Snow, uma personagem de 14 anos no livro, e que foi manifestamente seduzido por Ygritte, uma mulher que tem cerca de 20 anos e que a certa altura fricciona a parte traseira do seu corpo contra o pénis do rapaz, que incialmente (tal como Daenerys) também não está preparado para ter relações sexuais.
Gostava também de saber que opinião tem a pessoa que escreveu este texto (e que só se parece insurgir contra a violência em que as vítimas são mulheres) sobre os imaculados, um exército de 1000 homens cujos genitais foram mutilados e arrancados enquanto estes eram ainda crianças, e que são fruto apenas da imaginação de George R. R. Martin, sem qualquer base histórica.
Por fim, revolto-me contra uma ideia muito perigosa manifestada pela autora, quando começa a referir estatísticas sobre a violência doméstica ou refere que a série "ensina os seus espetadores a partilhar uma visão nublada", em que parece não saber distinguir ficção de realidade. Queria assim mencionar mais três coisas:
Em primeiro lugar, gostava que Sady Doyle escrevesse outro artigo em que tentasse explicar em que local do universo é que existe qualquer relação entre os espetadores da Guerra dos Tronos (ou de qualquer outra série ou filme) e a violência contra as mulheres, porque nunca ouvi falar de tal estatística. Aliás, há mais violência contra as mulheres em países onde nao passa a Guerra dos Tronos, e sabem porquê? Não ha liberdade de expressão.
Segundo, se é suposto este ser um texto feminista, falha redondamente a todos os níveis pelas razões que enumerei acima. Não é a igualdade o objetivo do feminismo? Eu considero-me uma pessoa feminista e achei que era, mas com textos tendenciosos destes...
E finalmente, queria deixar aqui claro que qualquer autor de qualquer obra (literária ou não), tem TODO o direito de escrever ou representar O QUE QUER QUE SEJA, ou não é esse o mais importante princípio da liberdade? Acho, mas secalhar é só a minha opínião, que é esse o motivo pelo qual chamamos FICÇÃO a filmes, livros séries de televisão...
Um bom resto de dia.
Concordo
Falou tudo o que pensei e mais, só que não tive energia para escrever. Visão ainda um pouco elementar a dessa autora... provavelmente ela não acompanha a série. Julgamento raso e fácil. Ainda mais... por favor, essa série é uma das mais feministas que já vi... Arya, Brienne, Daenerys, Cersei, Ygritte, Melisandre, Asha (Yara no seriado, irmã de Theon), Osha, Catelyn, até mesmo Sansa a seu modo... todas mulheres fortes, das quais todos os homens da história são emocionalmente ( no mínimo) dependentes. Não faz sentido esse ttexto.
Primeiro concordo que
Primeiro concordo que realmente no livro a relação de Shae com Tyrion era só de prostituta-cliente, pelo menos da parte dela, ele claramente desenvolveu alguns sentimentos (embora que bem menores no livro) por ela. Na série no entanto a relação é vendida como bem mais que isso. A história dele ter morto o pai por causa de chamar puta à Shae foi simplesmente uma terrível adaptação dos livros para apagar toda a história da Tysha (1a mulher do Tyrion que foi violada pelos soldados do pai e que depois foi dito ao Tyrion que era uma puta, quando de facto ela não o era.) Quando ele volta a chamar puta à Tysha após o Tyrion saber pelo Jaime que esta foi a única pessoa que realmente o amou, ele perde a cabeça e mata o pai, isto obviamente ficou mal na série ao apagarem a Tysha e a conversa entre o Jaime e o Tyrion.
Quanto ao Drogo e à Dany, NUNCA é dito no livro que o Drogo depois do primeiro encontro sexual CONSENSUAL deles, a tenha violado. Pelo contrário é bem explícito no livro que a Dany se apaixona pelo Drogo porque foi a primeira pessoa na vida dela a respeitar a opinião e decisão dela (só teve sexo com ela após ela lhe pegar na mão e literalmente lhe enfiar um dedo na sua vagina). Quanto ao facto das diferenças de idade é de ter em conta que isto supostamente se passa numa época em tudo semelhante à idade média, em que a esperança de vida era menor e as pessoas se casavam cedo, principalmente as mulheres. Portanto apenas está a ser fiel à inspiração histórica para a série.
Quanto ao Jaime e à Cersei, o sexo deles é consensual nos livros e na série foi de muito mau gosto o que fizeram, visto que nos livros o Jaime nunca violaria a Cersei porque ele ama mais a Cersei do que esta o ama a ele.
Sinceramente antes de falar da série "Guerra dos Tronos" ou dos livros "A song of ice and fire" por favor leia-os. Por mais que tivesse em partes bons argumentos, o facto de não conhecer bem a história faz com que caiam por terra devido à sua falta de fundamento.
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