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Simplex para o despejo dos inquilinos é política do apartheid social

O problema do país e da habitação não são as rendas baixas. Os centros das cidades não estão vazios de gente porque as pessoas que lá moram pagam pouco de renda. O problema são as milhares de casas devolutas e os preços especulativos.

Hoje o Conselho de Ministros concretiza parte do PEC4 e tomou duas decisões que ferem o direito constitucional à habitação: retirar os tribunais dos processos de despejo e abrir a porta à liberalização das rendas controladas.

O objectivo, diz o Governo, é concretizar, após tantas promessas, a prioridade à reabilitação urbana e à dinamização do mercado de arrendamento.

Parece que agora o Governo descobriu a solução para todos os males.

Afinal, o que é preciso para reabilitar os 2 milhões de casas degradadas e aumentar as casas destinadas a arrendamento, contrariando o recurso ao crédito dos particulares e da banca para a aquisição de casa própria, é, veja-se só, criar um Simplex para o despejo dos inquilinos, acabando com o acesso aos tribunais como garante do Estado de Direito, e liberalizar as rendas antigas para as atirar aos preços especulativos do mercado.

Grande solução: despejos automáticos para quem não consegue pagar a renda.

Numa situação de crise, de recordes históricos do desemprego, de corte nas prestações sociais, de estrangulamento financeiro das famílias, qual é a preocupação do Governo? É fazer o jeito às empresas imobiliárias, aos patrões e aos proprietários, colocando as casas dos pobres disponíveis para a especulação e os condomínios de luxo no centro das cidades.

Esta é a política do apartheid social. Um Estado responsável preocupa-se com os seus cidadãos, não cede vergonhosamente aos interesses imobiliários.

Vai ser ver homens de fraque preto a bater nas portas das casas das famílias em dificuldades e a metê-las na rua: avós, pais e filhos.

A resposta deste Governo é, portanto, dar a rua como casa às famílias em dificuldades, ignorando a violência do despejo.

Que não consigam pagar a renda e fiquem sem casa não é preocupação do Governo. Que em 5 anos, três em quatro pedidos de subsídios de renda requeridos pelas famílias pobres sejam chumbados também não é motivo de preocupação.

O PS escolhe responder aos patrões e à especulação contra as pessoas.

O Governo quer colocar mais casas disponíveis para arrendamento?

Então intervenha no mais de meio milhão de casas devolutas que enchem o país de betão, esvaziam os centros urbanos de pessoas e especulam o preço da habitação.

Reabilitem-se essas casas, coloquem-se as mesmas a arrendar a preços não especulativos através de bolsas de habitação, como já tantas vezes propôs o Bloco de Esquerda e o PS juntou-se às direitas para chumbar esta proposta.

A bancada do PS acusa o Bloco de Esquerda de não apresentar alternativas. Pois todos os dias são desmentidos.

Mas o Governo vai mais longe: quer liberalizar todas as rendas. Quer, portanto, aumentar as rendas para os preços especulativos praticados no mercado.

Nos últimos 20 anos o preço da habitação subiu 200%. O preço por m2 nas principais cidades portuguesas é mais elevado que em muitas capitais europeias, onde os salários e as pensões são bem mais elevadas que em Portugal.

O problema do país e da habitação não são as rendas baixas. Os centros das cidades não estão vazios de gente porque as pessoas que lá moram pagam pouco de renda. O problema são as milhares de casas devolutas e os preços especulativos.

Este é o apartheid social que tem afastado as famílias dos centros urbanos e feito crescer as periferias de betão e os subúrbios dormitórios.

Esta é a política do apartheid social que o Ministro Vieira da Silva quer impor ao país.

O novo regime de arrendamento urbano já permite a actualização das rendas quando são feitas obras de reabilitação urbana.

Quantas rendas não continuam baixas porque os senhorios não fazem obras nas habitações? Preocupa-se o Governo em apoiar os senhorios pobres a reabilitar os imóveis? Ou em assegurar que as famílias pobres têm condições para pagar os aumentos de rendas?

Mais uma vez o Governo responde aos interesses das empresas imobiliárias, dos patrões e dos proprietários.

Liberalizar as rendas para a especulação dos preços da habitação é expulsar muitas das pessoas que ainda vivem nos centros das cidades.

É expulsar os muitos milhares de idosos que aí vivem com pensões de miséria.

É expulsar os pobres e entregar os centros urbanos à especulação imobiliária e aos guetos de ricos dentro das cidades.

Esta é a política do apartheid social.

Alguém acredita que o despejo de inquilinos em dificuldades ou a liberalização das rendas vai impulsionar a reabilitação urbana, tornar mais casas disponíveis para arrendamento ou baixar o preço da habitação pondo fim ao ciclo da especulação?

Se os objectivos são estes, então a política falha completamente.

Vergonhoso que o Governo se junte às políticas liberais da direita na habitação para impor o apartheid social nas cidades.

Vergonhoso que estas sejam as suas propostas alternativas à iniciativa do Bloco de Esquerda que chumbaram.

Iniciativa que permitia, com sustentabilidade financeira do investimento público, reabilitar 200 mil casas devolutas e a sua colocação para arrendamento a preços não especulativos através de bolsas de habitação, corrigindo as distorções do mercado de habitação, animando a economia e o emprego, protegendo as famílias e promovendo a ocupação dos centros urbanos sem olhar para o estrato social.

Há uma pergunta a que o Governo tem de responder com esta facilitação obscena dos despejos e a liberalização das rendas: para onde vão as pessoas, as famílias? Que lhes reserva esta política? Os bairros de barracas na periferia, que só a incompetência de sucessivos governos não conseguiu erradicar? Nós não aceitamos esta vergonha.

Declaração Política na Assembleia da República feita a 17 de Março de 2011

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, engenheira agrónoma.
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