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Respeitem-se as crianças e a liberdade de não acreditar
A Escola pública é laica, não tem religião — tem muitas e não tem nenhuma. É frequentada por crianças de todo o mundo que cá vivem e aprendem, e uma das suas riquezas é exatamente essa igualdade na diferença. Meninos de todas as etnias, com várias religiões ou nenhuma, crescem juntos e convivem no dia-a-dia, partilhando experiências e aprendendo que todos devem ser respeitados.
Até porque qualquer escola é uma representação da sociedade em que se insere, e a nossa garante a liberdade de escolher qualquer religião ou nenhuma — na Constituição. Hoje em dia, aliás, a escola oferece mais do que a parte curricular e os intervalos — devido, principalmente, aos horários de trabalho dos pais, a escola é a tempo inteiro, e não acaba quando finda o horário lectivo.
A maior parte das crianças permanece na escola até, pelo menos, às 17h30, e as AECs, actividades de enriquecimento curricular, apesar de serem de frequência facultativa, acabam por ser a única opção para a maior parte das crianças, já que este complemento à formação académica obrigatória é a única modalidade de “escola a tempo inteiro” disponível.
O ano passado, o governo publicou um despacho1 que permite que a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) seja incluída no horário das AEC. Ou seja, na prática, em vez de desporto ou inglês, as crianças poderão ter de ter EMRC. Obrigar uma criança a frequentar a aprendizagem da religião católica é, para o ministro Crato, o mesmo que essa criança praticar desporto ou aprender uma língua.
E sim, digo “obrigar” — porque, nas escolas em que a EMRC for oferecida nesse horário, a alternativa para quem não a quiser frequentar será ir buscar os filhos à escola às 16h. Embora me incomode que o inglês, o desporto, a expressão dramática ou outras disciplinas possam desaparecer em nome desta aprendizagem religiosa, o que mais me escandaliza é mesmo o Ministério da Educação achar que são conteúdos sequer comparáveis.
Ao pretender ignorar a liberdade de todas as pessoas não católicas, o governo desrespeita-nos a todos enquanto cidadãos. Porque o que está em causa é, precisamente, a liberdade de culto, que só existe se for universal. Excluir a liberdade de não acreditar, ou desprezar os direitos de quem pensa de forma diferente dos membros do governo, é uma tremenda falta de respeito por toda a gente — católicos incluídos.
E quem for católico, e ao ler este texto ache que este é um assunto sem importância, faça um exercício e substitua a letra C de EMRC por M, e veja se ainda assim concorda com o ministro Crato: Educação Moral e Religiosa Muçulmana. Para mim, ser esta ou outra religião é igual, porque não acredito em nenhuma; para quem é católico, provavelmente não será. Nem para quem é hindu, budista, evangélico ou ateu. Respeitem-se as crianças e a liberdade de não acreditar.
Comments
Seguindo o link proposto foi
Seguindo o link proposto foi-me chamada a atenção para algo vai fazendo parte do "senso comum" do ensino e que é absolutamente intolerável: a religião e moral ser disciplina, de frequência voluntária ou não, ter sequer lugar em horário da escola pública, .
Não se trata de um desrespeito a quem não é católico, trata-se de uma violação intolerável da CRP do Estado De Direito Democrático laico e republicano. Estou-me nas tintas, enquanto tais, para os muçulmanos, judeus, hindús, católicos e budistas, animistas, embora prefira estes,em especial a malta do cadomblé ,a todos os outros. Só não me estou nas tintas para os direitos humanos e para a liberdade que é suposto estar inserta na nossa vida colectiva desde o 25 de Abril que Deus tem.
Acho que a Rita se quisesse e pudesse ajudaria muito aprofundando aqui esta questão.
Obrigada Rita Gorgulho pelo
Obrigada Rita Gorgulho pelo teu comentário atento e oportuno.
Acrescentaria que aqui há outra questão, do lado de responsáveis pela educação: há quem escolha escolas públicas para as suas crianças precisamente pelo dever de laicidade que lhes está subjacente. Ao serem confrontadas com esta medida retrógrada, essas responsáveis ficam sem alternativa e confrontadas com mais uma «inevitabilidade». É às famílias que competem decisões deste tipo - educação religiosa ou não - às crianças competirá mais tarde decidir pela sua própria cabeça. A escola pública serve para transmitir conhecimentos, as ideias religiosas têm de ficar de fora.
Infelizmente há diversos interesses que se estão a aproveitar dos vazios criados pelos governos neoliberais para avançarem com os seus projetos próprios, de preferência fora do escrutínio público.
Este governo está a ser um
Este governo está a ser um verdadeiro e consequente governo capitalista. Um governo capitalista é para defender os interesses dos burgueses capitalistas. O estado é a sua forma de organização para impor os seus interesses sobre todos os outros cidadãos. Todos os meios (ensino, polícias, militares, tribunais, imprensa e religião) são formas de garantir que o seu pensamento de defesa da propriedade privada e dos seus lucros, não serão postos em causa.
O estado é o meio repressivo para reprimir todas as ideias e acções que ponham em causa esses direitos.
Nuno Crato é um servidor desta classe, assim como todos os outros serviçais do governo.
Ousemos pois em todos os tempo e de todos os modos, combater estes burgueses, e percorrer caminhos com o máximo de amplitude, para derrotar estes interesses capitalistas, defender a democracia, os direitos humanos, os cidadãos, um ensino público de cidadania, uma saúde pública que defenda pessoas e não lucros capitalistas etc., etc.
Creio que a disciplina já se
Creio que a disciplina já se denomina apenas por EMR - Educação Moral e Religiosa, para permitir que os alunos com várias crenças possam frequentá-la. E os conteúdos curriculares pouco têm a ver com religião, no sentido da Fé ou das crenças privadas.
Olá Sofia, naõ, a Disciplina
Olá Sofia, não, a Disciplina chama-se mesmo EMRC e é orientada pelo patriarcado. É ministrada com conteúdos da religião católica. Se quiser saber mais sobre a disciplina pode ver a própria página de colocação de professores relativa ao ano letivo passado. http://www.patriarcado-lisboa.pt/site/index.php?id=3021
Bom dia.
Bom dia.
Li com atenção todos os comentários e é com uma revolta enorme que me vejo, enquanto encarregada de educação de um aluno de 5º ano, envolvida numa questão de liberdade religiosa. Por lapso/distração/falta de informação adequada sobre esta disciplina de EMRC, preenchi mal os documentos na altura da matrícula e o meu filho apareceu inscrito nesta disciplina. Agora quero pedir a anulação e dizem-me que não é permitida, que preciso de uma autorização do Bispo.
O meu filho não quer frequentar a disciplina, simplesmente porque não tem interesse para ele e porque não se identifica. O que é que faço agora? Se faltar às aulas pode reprovar por faltas, por outro lado a mim não me parece adequado obriga-lo a frequentar pois assim só lhes estou a dar um modelo de intolerância e falta de respeito pelas suas convicções. Ele pratica futebol, natação por opção dele, nunca o obriguei a nada. Tem inglês como língua estrangeira porque assim o quis. Frequenta a escola da sua opção e de certa forma até a turma, uma vez que é de ensino articulado. Porque carga de água é que há-de ser obrigado a frequentar uma disciplina que não quer, que é facultativa e na qual só está inscrito por um lapso da mãe? Alguém me sabe dizer se haverá forma de contornar esta questão legalmente?
Sendo o estado português laico, na minha modesta opinião até me parece que esta nova legislação da disciplina de EMRC, suportada pelo Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de maio, é inconstitucional e contraria o determinado pela lei da liberdade religiosa, Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho.
Obrigada
Há algo de errado (mesmo
Há algo de errado (mesmo mentira) nesta história. O bispo nada tem a ver com um ato administrativo. A senhora não quer que o filho frequente EMRC? Muito bem: vá à escola e declare por escrito a sua vontade. E está feito. Mas, entretanto, sendo uma situação criada por sua culpa, a senhora o disse, está a barafustar por quê e com quem? Já fez tudo o que podia fazer?
Entretanto, eu que sou professor (não, não sou professor de EMRC!) o que tenho verificado é que são os alunos não inscritos a querer ir às aulas. Porquê? Pela qualidade dos seus professores e porque não andam a pregar "secas", antes tratam de assuntos que os alunos gostam e têm a ver com eles.
Boa tarde,
Boa tarde,
Conseguiu resolver a situação do seu filho?
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