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O que revela o escândalo da Volkswagen

O escândalo conhecido como dieselgate expôs as fragilidades da regulação ambiental da indústria automóvel. Mas será suficiente para alterar práticas que se mostraram inadequadas?

A 18 de setembro, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA acusou a Volkswagen de manipular os motores de vários automóveis a diesel para reduzir artificialmente as emissões de poluentes atmosféricos durante os testes de emissões. O escândalo conhecido como dieselgate expôs as fragilidades da regulação ambiental da indústria automóvel, dado que sabemos agora que uma marca foi capaz de enganar os reguladores durante anos. Mas será suficiente para alterar práticas que se mostraram inadequadas?

A origem do dieselgate está na instalação de novos controlos de emissões, mais eficazes, em muitos automóveis do grupo Volkswagen em 2009. A redução de emissões que estes controlos permitiam foi suficientemente importante para o grupo anunciar os seus novos carros como “diesel limpo”. Em 2009, o Volkswagen Jetta TDI ganhou o prémio “Carro verde do ano”, atribuído por um painel de peritos que inclui ambientalistas, e em 2010 o mesmo prémio foi dado ao Audi A3 TDI, produzido pelo mesmo grupo. Mas em 2011 os primeiros sinais de alarme soaram, quando foi publicado um relatório do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia que detetava inconsistências entre as emissões de veículos a diesel durante os testes de emissões e fora dos testes, ou seja, em circulação. Os investigadores concluíam que era difícil testar as emissões de automóveis com precisão porque era possível para os fabricantes instalar dispositivos que artificialmente reduziam as emissões durante os testes, apesar de tal prática ser ilegal.1

Apesar dos indícios de fraude, a União Europeia foi incapaz de agir ou sequer decidir quem tinha a responsabilidade de agir. Entretanto, a Volkswagen continuava a usar um software que permitia detetar o início dos testes de emissões e ativar os controlos que reduziam substancialmente as emissões de óxidos de nitrogénio (NOx), enquanto os mesmos controlos eram desativados quando o automóvel se encontrava em circulação. A empresa resolveu investir nesta forma elaborada de aldrabice depois de descobrir que os controlos de emissões aumentavam o consumo de combustível, o que já não permitia registar os seus automóveis como sendo dos mais ecológicos e assim receber generosos subsídios e isenções fiscais nos EUA e na UE.

A incapacidade de ação da UE não pode, certamente, ser dissociada da ligação estreita que o governo alemão mantém com a sua indústria automóvel, muito dependente do fabrico de veículos altamente poluentes, incluindo automóveis de luxo. Não admira, portanto, que a ação do regulador nos EUA tenha sido bem mais rápida. Depois de, no início de 2014, um estudo da West Virgínia University ter demonstrado enormes discrepâncias entre as emissões registadas em testes e as emissões de veículos na estrada com os modelos Passat e Jetta da Volkswagen, a entidade reguladora demorou apenas um ano até demonstrar a existência de fraude e notificar o grupo da violação de normas ambientais. Ameaçado com a proibição de vender novos automóveis em 2016, o grupo Volkswagen admitiu a fraude, que até aí tinha negado, e sujeita-se a pagar uma indemnização de 18 mil milhões de dólares.

Apesar de a fraude ter sido detetada nos EUA, a situação na UE será muito pior. Na maioria dos países europeus, o diesel é subsidiado, uma medida justificada com supostas vantagens ambientais sobre a gasolina que nunca se concretizaram. Como resultado, a quota de mercado dos automóveis a gasóleo é muito mais alta deste lado do Atlântico e, dos 11 milhões de veículos adulterados pela Volkswagen, 8.5 milhões foram vendidos na UE. Ainda não é claro que tipo de ação judicial será tomada na Europa, mas não é previsível uma ação pesada na Alemanha, país que tem sido caraterizado por uma ligação estreita entre o governo e a indústria automóvel.

Como assinalou a rede de associações ecologistas Transporte e Ambiente, o caso Volkswagen é apenas a ponta do icebergue, dado que é fácil para as empresas de automóveis encontrar formas de enganar os testes mesmo sem violar nenhuma lei. Testes feitos em estrada mostram uma discrepância entre o consumo de combustível anunciado e o real que atinge 40% em média. Para os automóveis a diesel, os testes em estrada mostram níveis médios de emissões de NOx cinco vezes superiores ao máximo permitido por lei, com apenas um décimo a ficar abaixo do limite legal. No caso dos testes de dióxido de carbono (CO2), a diferença entre as emissões reais e as medidas pelos testes oficiais tem vindo a crescer e atingem já mais de 50% para muitos automóveis. Estas discrepâncias nas emissões indicam que a Volkswagen não é a única empresa a manipular os testes.2

Face ao escândalo, exige-se das autoridades europeias e dos governos europeus o desenvolvimento de metodologias de testes a novos automóveis mais fiáveis, fechando os “buracos” detetados, e a criação de agências de monitorização independentes (atualmente, todos os testes são feitos por empresas privadas). Mais importante ainda, dados os impactos negativos das emissões de poluentes na saúde humana e a contribuição do transporte automóvel para as alterações climáticas, precisamos de ter uma estratégia de mobilidade que privilegie o transporte público e os meios de transporte não poluentes, retirando carros das ruas e devolvendo a cidade às pessoas. A alternativa é continuarmos a viver na ditadura do automóvel, com os crescentes custos sociais que isso implica.


1 Weiss, M., Bonnel, P., Hummel, R., Manfredi, U., Colombo, R., Lanappe, G., Le Lijour, P., and Sculati, M. (2011) Analyzing on-road emissions of light-duty vehicles with Portable Emission Measurement Systems (PEMS), JRC Scientific and Technical Reports, EUR 24697 EN.

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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