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Só a Direita pode governar?

A direita dos interesses está a perder a cabeça. Mas é bom que não se esqueça de uma coisa: ficou em minoria nas eleições.

1. A aversão dos conservadores à democracia

Primeiro foram as capas de jornal sobre o alegado afundamento da bolsa, em pânico com Catarina Martins – e afinal, era tudo mentira. Depois foi o coro de comentadores sistémicos que repetiram até à exaustão os estereótipos do costume sobre o “arco da governação” e o perigo da esquerda. Alguns dirigentes socialistas vieram a terreiro para garantir, como defendeu Francisco Assis, que o PS não deve governar: os votos que teve seriam assim o seguro de vida de um Governo de Direita. José Manuel Fernandes, o antigo diretor do Público, foi mais longe: aceitarmos a mera possibilidade de a Esquerda negociar com o PS uma solução alternativa de governo seria sinal de que “a democracia amolece-nos”. Supõe-se, portanto, que seria o tempo de um novo vigor que, ao contrário da democracia, fosse capaz de nos restituir a força. A direita dos interesses está a perder a cabeça. Mas é bom que não se esqueça de uma coisa: ficou em minoria nas eleições.

2. Que se lixem os votos: a minoria deve governar porque é tradição

Os resultados finais deram ao PSD e ao CDS 38,34% dos votos e 107 deputados. PS, BE e PCP totalizaram 50,87%, ou seja 122 deputados. A Direita tem menos 15 deputados que os partidos que se lhe opuseram e menos 675 mil votos. É legítimo achar que um governo de Direita é a melhor solução para o país. Mas a maioria dos portugueses achou o contrário.

Os argumentos apresentados para a Direita governar são dois. Um é da ordem do futebol: a coligação Portugal à Frente foi “a equipa que ganhou”. O raciocínio é duplamente falacioso. Primeiro, porque isso significaria que um partido que tivesse 20% dos votos, mas que fosse o mais votado, deveria formar Governo, mesmo contra a opinião de 80% dos eleitores. Segundo porque significaria também que os votos e os deputados dos outros partidos (e foram deputados que foram eleitos, não governos) não apenas não servem para formar governo, como também não podem servir para fazer oposição, dado que têm a obrigação de viabilizar um Governo em minoria no Parlamento. Qualquer semelhança entre isto e democracia é pura coincidência.

O outro argumento é o da tradição. A Direita tem de governar não porque seja legítimo politicamente ou requerido pela Constituição mas porque é tradição. Por toda a Europa, há governos sustentados em acordos entre partidos. Na Bélgica, Dinamarca, Noruega, Luxemburgo e Letónia, os partidos mais votados não tiveram maioria e por isso não formaram governo. Mas isso são modernices europeias. Em Portugal quem manda é o costume e o costume diz que não pode ser. Acontece que não há tradição nenhuma para lidar com a situação que hoje temos porque é a primeira vez que acontece.

3. Um outro governo é possível?

Nos últimos quatro anos, o PSD e o CDS governaram contra a Constituição, criaram uma imensa instabilidade na vida das pessoas e desrespeitaram a palavra dada, deitando ao lixo os compromissos que tinham feito em campanha. Pelo modo como governaram, queimaram as pontes com todos os outros partidos. Talvez por isso Costa tenha dito em campanha, no dia 18 de setembro, que “a última coisa que fazia sentido é o voto no PS, que é um voto de pessoas que querem mudar de política, servisse depois para manter esta política. É evidente que não viabilizaremos, nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita”. Mais claro é impossível. Quando os eleitores votaram, já sabiam.

Também sabiam das condições dos outros partidos. Catarina Martins foi cristalina e mantém a sua palavra. Desafiou o PS apresentando três condições prévias para chegar a um acordo. Não congelar as pensões, porque isso significaria uma diminuição do seu valor real, depois de todos os cortes. Não precarizar as relações laborais por via do “regime conciliatório” que é o despedimento facilitado. Não descapitalizar a segurança social dando uma borla aos patrões pela diminuição da TSU, porque isso seria uma transferência brutal de rendimento do trabalho para o capital. As três condições estão longe de serem todo o programa do Bloco. São apenas três princípios básicos, subscritos por qualquer social-democrata, sem os quais não existem os fundamentos para uma alternativa.

Ninguém sabe os resultados das negociações entre o PS, o Bloco e a CDU, nem se haverá acordo. Mas uma coisa é certa. Está a haver um esforço para romper o ciclo de empobrecimento dos últimos anos. Esse esforço é uma boa notícia. Que isso assuste a Direita, só é bom sinal.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 16 de outubro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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