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Vamos lá fazer umas obras

Em Portugal, existem cerca de 1 792 719 com alguma dificuldade funcional. Cabem todas na cadeira de rodas de Jorge Falcato. Artigo de Rui Machado, publicado em Plural & Singular.
Isabel Pires, Mariana Mortágua, Pedro Filipe Soares, Catarina Martins, Jorge Costa e Jorge Falcato. Foto de Paulete Matos.

Há mais de três anos encontrei quem estava à procura, e curiosamente sem saber que efetivamente o procurava. Só me apercebi disso quando entrou na minha vida. E foi também quando nos esbarramos, um no outro nos corredores do ativismo que também dei conta de quanto tempo já estava eu à espera.

É uma fortuna encontrar alguém que pensa como nós e que acredita naquilo em que acreditamos. E que como se isso não bastasse, ele é louco o suficiente para acreditar numa mudança profunda de paradigma na sociedade portuguesa. É ele e sou eu também. Somos nós.

Foi isso que nos aproximou no início: a crença de que somos todos iguais e a vontade de mostrar a todos quantos consigamos que "viver não é só respirar"; a firme, inquieta e premente vontade de gritar aos ouvidos do país aquilo que nem sequer mereceu ser sussurrado por vivalma alguma. Somos deficientes e estamos indignados. Somos (d)Eficientes Indignados . Foi este crer e querer que nos juntou e será a amizade que não nos afastará.

Formamos quilómetros e quilómetros de conversas, durante este tempo. Muitos mais do que aqueles que separam o Porto de Lisboa. Confiamos opiniões, alegrias, tristezas e banalidades. Se não há nada a discutir ou planear, há sempre algo a dizer, para que o dia se cumpra e possa terminar.

Mas agora surge uma nova etapa. Jorge Falcato é o protagonista, mas esta nova etapa que agora chega, é de todos quantos não aceitam a forma como as pessoas com deficiência são obrigadas a NÃO viver. Depois de há vários anos dizer que as pessoas com deficiência têm de intervir politicamente e acabar, finalmente, com a invisibilidade a que estão sujeitas, Falcato aceitou integrar as listas do Bloco de Esquerda nas próximas eleições legislativas, como independente.

É o quinto da lista. A eleição não é certa já que nesta legislatura o Bloco elegeu três deputados. Mas também não é inalcançável. Na legislatura anterior foram eleitos cinco deputados pelo círculo de Lisboa. Estamos portanto, na realidade, a um passo de fazer história. A um passo de dar voz a quem nunca a teve, naquela a que chamam a casa de todos os portugueses. A um passo de ver representado na casa da democracia a maior minoria do país e também aquela mais segregada, excluída e discriminada.

Tem de chegar o tempo de discutir a questão da deficiência nos termos em que deve ser discutida: uma questão de direitos humanos. É isto que Jorge Falcato assume como prioridade. Tem sido sempre sob este pano que tenho trabalhado com ele, tanto nos (d)Eficientes Indignados, como mais recentemente no "Sim, nós fodemos". E tem sido sempre assim pautado todo o seu longo percurso na área da deficiência, enquanto profissional e também enquanto ativista.

Em Portugal, existem cerca de 1 792 719 com alguma dificuldade funcional. Cabem todas na cadeira de rodas de Jorge Falcato.

Vamos lá então, fazer umas obras na Assembleia da República.

Artigo de Rui Machado, publicado na edição 12 da revista Plural & Singular.

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