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Brasil prepara plebiscito sobre limite da terra

Consulta será realizada em Setembro e porá na agenda o debate sobre a questão da concentração de terras e a reforma agrária. Entrevista com Gilberto Portes, secretário executivo do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, à IHU On-Line.
Reforma agrária é justiça social. Foto de Daniel Zanini H.

Em Setembro deste ano, será realizado o Plebiscito Popular pelo limite da terra que visa pressionar o Congresso Nacional brasileiro a limitar o tamanho máximo da propriedade e o seu uso por estrangeiros. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, Gilberto Portes, do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, explica a iniciativa. “Um estrangeiro vem para o Brasil e pode comprar a quantia que quiser de terra. Enquanto isso, há quatro milhões e duzentas mil famílias que não têm acesso à terra, ou seja, mais de doze milhões de pessoas”, aponta. Portes fala também da importância da revisão dos índices de produtividade para a efectiva realização da Reforma Agrária no país. “Os índices de produtividade são fundamentais, principalmente nas regiões que teoricamente dizem que não têm terra para Reforma Agrária”, defendeu.

O advogado Gilberto Portes é secretário executivo do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. Foi coordenador estadual do MST no RS.

IHU On-Line – Para começarmos, pode explicar-nos a ideia central da questão do “Limite da Propriedade da Terra”?

Gilberto Portes – O Brasil é o segundo país com maior concentração de terra do mundo. Este é o elemento central. O outro, que está relacionado a esta situação, é que o Brasil, desde a sua descoberta ou da sua invasão, teve o poder económico, o poder político e o próprio poder social concentrados através da propriedade da terra. A mudança da relação de trabalho, renda, alimentação, desenvolvimento económico social do país passa necessariamente pela democratização da terra. Isso porque só dessa maneira será possível garantir mais pessoas produzindo alimentos, mantendo o trabalho no campo e, assim, desenvolvendo o país através da produção de produtos de qualidade e, consequentemente, eliminando a violência das grandes periferias das cidades. Hoje, para cada família que é assentada, é possível empregar, em média, cinco pessoas no campo e mais três na cidade. Precisamos mostrar esse dado para a sociedade brasileira. O limite da propriedade da terra é a base para que se quebre a espinha dorsal de um problema histórico estrutural do Brasil.

Como está a preparação do Plebiscito pelo Limite da Propriedade da Terra?

Em torno de 12 estados brasileiros já realizaram os seus plenários. Temos cerca de cem lideranças ligadas às pastorais sociais, movimentos sociais e movimento sindical. Estas instituições estão se envolvendo com lideranças das periferias dos bairros, associações de moradores, comunidades eclesiais. Agora, no final de Junho, início de Julho, teremos a consolidação destes plenários estaduais, onde estamos formando os comités nas comunidades. Em Agosto, estaremos na fase intensiva de mobilização nacional que culminará no grande momento do plebiscito que acontecerá entre 1º e 7 de Setembro. Faremos uma grande manifestação popular junto com o Grito dos Excluídos, em que vamos buscar apoio da sociedade para entrar no Congresso Nacional com uma proposta de emenda constitucional para limitar o tamanho da propriedade de terra. Esse é o instrumento que estamos utilizando como forma de pressão política para fazer o debate com a sociedade brasileira. Nós precisamos retomar a Reforma Agrária para mudarmos a condição social do povo brasileiro e, consequentemente, fazer com que as pessoas exerçam a sua cidadania e sua participação popular.

Em que contexto surge a ideia de organizar um plebiscito sobre esse tema?

A partir do estudo da luta pela terra no Brasil, os movimentos foram aprofundando este debate, vimos o quanto é necessário, assim como já foi feito em outros países, construir um processo de limitação da propriedade da terra. Esse processo ajuda muito no que diz respeito ao desenvolvimento do país, tanto do ponto de vista do capitalismo como do ponto de vista mais socialista. No Brasil, como as nossas elites são as mais atrasadas deste mundo, não foi feito um investimento na democratização da terra para que a população tivesse acesso a alimento barato e emprego. Os movimentos, as organizações, as Igrejas, sempre se preocuparam com que a nossa Constituição Brasileira tivesse inciso ou um artigo que estabelecesse claramente que a propriedade de terra no Brasil tem que ter limite.

Um estrangeiro vem para o Brasil e pode comprar a quantia que quiser de terra. Enquanto isso, há quatro milhões e duzentas mil famílias que não têm acesso à terra, ou seja, mais de doze milhões de pessoas. Só as pessoas que têm dinheiro e poder possuem acesso à nossa biodiversidade, natureza, terra. A nossa ideia é fazer um debate mais aberto com a sociedade e apresentar uma proposta para incluir na Constituição Brasileira, no artigo 186, um inciso que estabeleça, com clareza, que devemos limitar a propriedade da terra em tantos módulos.

E o que são módulos?

São áreas que o INCRA tem como mecanismo de estabelecer para cada agricultor ou pequeno camponês, para ele sobreviver com a família. Variam de região para região. No Sul, por exemplo, o módulo varia de 25 a 30 hectares, já no norte vai até cem hectares, no centro-oeste varia de 30 a 35 hectares. Fizemos um cálculo que aponta que o máximo, para um brasileiro ou estrangeiro, deveria ser de 35 módulos, que já é um grande latifúndio. O Estado Brasileiro precisa ser obrigado constitucionalmente a democratizar a terra.

Qual é o uso que o estrangeiro dá à terra no Brasil?

Os estrangeiros vêem o Brasil como o seu laboratório para duas coisas. Primeiro, para despejar os agrotóxicos que os europeus e os americanos não querem mais. Para ter uma ideia, o Brasil consome anualmente 750 mil toneladas de agrotóxicos, isso significa que se nós dividirmos esses milhares de litros de agrotóxicos por membro da população brasileira, cada cidadão brasileiro consome anualmente cinco litros de veneno. Como aqui ainda não existe uma legislação, um controle maior, eles jogam este veneno na nossa terra. O segundo aspecto: qualquer propriedade que é conduzida por estrangeiro no Brasil trabalha com exportação, nenhuma propriedade de estrangeiro vem aqui para produzir comida para o povo brasileiro. Ele vem aqui para levar a nossa riqueza, destruir os recursos naturais, retirar da propriedade a matéria-prima para enriquecer os seus investimentos no mercado financeiro, esta é a lógica dos investimentos internacionais.

Consequentemente, estes grupos internacionais fazem aliança com o próprio agronegócio do Brasil para aplicar a mesma política, há uma relação íntima entre este sector de investimento internacional com o agronegócio brasileiro. Um exemplo: no Mato Grosso, um político, que foi governador do estado, tem um milhão de hectares produzindo soja. Ele é o maior produtor de soja do mundo, e é brasileiro. Porém, ele tem uma forte relação com as transnacionais que produzem aqui e exportam. A nossa interpretação é que o agronegócio está articulado essencialmente com o capital internacional para explorar e destruir a nossa natureza. Todo o desmatamento, destruição do bioma cerrado, da mata Atlântica, da Amazônia, da caatinga, do pampa no sul é consequência deste investimento nacional e internacional do agronegócio que tem como essência a exploração da matéria-prima para divisas do capital de seus interesses.

Quem está apoiando o Plebiscito?

Nós temos 54 entidades nacionais que estão vinculadas à mobilização do plebiscito. A maior delas é a CNBB, que tem uma orientação do Conselho dos Bispos para que os agentes pastorais se envolvam efectivamente no processo de mobilização popular. Nós temos também o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs - CONIC -, que fez um trabalho com as suas Igrejas para que todas as pessoas se envolvam nessa mobilização.

A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema central Economia e Vida, e o gesto concreto dela vai ser a participação do Plebiscito. Dos movimentos nacionais, temos a CUT, a CONTAG, a Via Campesina, o MST e outras organizações. A Comissão Pastoral da Terra também tem nos apoiado muito, assim como a Pastoral do Migrante e o Grito dos Excluídos. E, em vários estados, nós também temos o apoio de alguns partidos políticos de esquerda, que têm como proposta a reforma agrária como mudança no Brasil.

Quem e como as pessoas podem participar e votar no plebiscito?

O primeiro passo é participar do abaixo assinado. Percebemos nas comunidades que há muita dúvida, porque está havendo uma contra-informação para tentar manipular a opinião pública sobre a nossa proposta. Estão dizendo, em alguns lugares, que limitar a propriedade de terra significa limitar também as propriedades dos pequenos e médios agricultores. A sociedade precisa estar presente no debate político e, assim, entender qual é a importância que a nossa proposta de limite da propriedade da terra tem para a população urbana, para as comunidades tradicionais e para os camponeses.

A revisão dos índices de produtividade pode colaborar com o início da Reforma Agrária efectiva no Brasil?

Isso é básico e essencial para a Reforma Agrária. Os índices de produtividade são fundamentais, principalmente nas regiões que teoricamente dizem que não têm terra para Reforma Agrária. A correcção desses dados é constitucional, e precisava ser feita há muito tempo. O governo não fez e não sei se vai fazer. A população tem uma expectativa enorme em relação à revisão desses índices para ampliar o número de áreas para a Reforma Agrária.

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