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Alves Redol: vida e obra
Tendo estado em Angola, para onde emigrou, entre os dezasseis e os dezanove anos, teve aqui uma experiência riquíssima. Depois de regressar à sua terra, Vila Franca de Xira, colaborou nas coletividades desportivas e culturais, fez conferências, escreveu nos jornais locais crónicas, comentários, crítica de teatro e textos de ficção, liderou o designado “Grupo Neo-Realista de Vila Franca”, foi um dos dois organizadores dos chamados “Passeios no Tejo”, nos anos 40, que tão grandes repercussões culturais e políticas tiveram. Praticou vários desportos, foi fundador de clubes desportivos e conselheiro técnico de futebol de um deles.
Começou a escrever mais seriamente para jornais e revistas, como “Notícias Ilustrado”, “O Diabo” e “Sol Nascente”. Dedicou-se à etnografia do Ribatejo, percorrendo-o de lés a lés, escrevendo textos para diferentes publicações e recolhendo, durante anos, a poesia popular ribatejana.
Foi sempre um inovador em todos os domínios em que interveio: na literatura, onde foi um dos fundadores do Neo-Realismo, escrevendo o primeiro romance deste Movimento; ainda na literatura, inovou constantemente na estruturação dos seus romances; no teatro, interveio no Teatro-Estádio do Salitre e em coletividades na renovação desta forma de expressão em Portugal e, mais tarde, com textos de vanguarda; no cinema, fazendo o guião de um filme e os diálogos de outros dois, mas onde a tentativa não resultou, pois os filmes não saíram bem, mesmo descontando a severa ação da Censura; na literatura infantil, onde procurou conjugar esta com o intuito pedagógico. Com outros escritores, tentou organizar uma editora em que eles fossem os seus próprios editores. Também na condução de conferências e saraus de arte, houve sempre uma preocupação inovadora. Colaborou na rádio.
Durante muitos anos, foi um dos escritores de maior êxito e que mais vendeu em Portugal.
Do ponto de vista profissional, tendo o curso de comércio, dedicou-se à publicidade ainda em Luanda, depois, foi procurador dos municípios, vice-cônsul de um país da América Latina, editor dos seus próprios livros. Nos últimos anos de vida foi profissional de publicidade, tendo ganho prémios internacionais.
Foi sempre um entusiasta das organizações de escritores, como a Comissão dos Escritores, Artistas e Jornalistas do MUD (Movimento de Unidade Democrática, cuja existência o fascismo português permitiu de 1945 a 1948), o PEN Clube Português, a Sociedade Portuguesa de Escritores, de que foi um dos fundadores.
Ligado à tauromaquia, por ser uma das manifestações da sua terra, por nela encontrar fortes motivos de interesse literário e por razões familiares, investigou aprofundadamente o meio em Portugal e em Espanha.
Teve relações estreitas com escritores e artistas plásticos brasileiros, franceses e espanhóis, participando em vários congressos de escritores, onde interveio.
Tendo iniciado a publicação de livros com um ensaio etnográfico intitulado Glória, Uma Aldeia do Ribatejo, em 1938, recolheu, ainda neste domínio, abundante poesia popular oral inédita que publicou em Cancioneiro do Ribatejo e textos do romanceiro português que publicou em Romanceiro Geral do Povo Português, volume com várias centenas de páginas.
Publicou o primeiro romance neo-realista português, Gaibéus, em 1939, seguindo-se Marés, em 1941, Avieiros, em 1942, Fanga, em 1943, todos de ambiente ribatejano, mas de ambições universais, Anúncio (novela de ambiente lisboeta), em 1945. Em 1946, inicia o conjunto de romances centrados na região do vinho do Porto, o Douro, com Porto Manso, seguindo-se Horizonte Cerrado, em 1949, que ganhou o Prémio Ricardo Malheiros da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, Os Homens e as Sombras, em 1951 e Vindima de Sangue, em 1953, progredindo constantemente na oficina de escrita. Em 1954, com Olhos de Água, inicia uma fase de maior apuramento formal e, em 1958, depois de um período em que tinha desistido de escrever, faz sair A Barca dos Sete Lemes, um romance que muitos ainda hoje consideram o seu melhor romance e, certamente, o mais atual e universal. Seguiram-se Uma Fenda na Muralha, cujo ambiente é o de um porto pesqueiro e que relata uma violenta tempestade que ele próprio sofreu no mar a bordo de um pequeno barco de pesca, O Cavalo Espantado, de 1960, que conta a saga dos refugiados judeus em Lisboa durante a 2ª guerra mundial, Barranco de Cegos, de 1961, que muitos críticos consideram o seu melhor romance e um dos melhores do século XX em Portugal, O Muro Branco, de 1966.
Em 1972, foi publicado Os Reinegros, que conta a história de uma família operária em Lisboa durante o conturbado período da 1ª República, romance concluído em 1944/45, mas não publicado durante muitos anos, devido à proibição da Censura. A propósito, interessa recordar que os livros de Redol foram sujeitos a censura prévia desde 1944 até 1958.
Publicou livros de contos, a novela para a adolescência Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, de 1960 e o livro, em doze fascículos, A França, da Resistência à Renascença, de 1948; de literatura infantil, A Vida Mágica da Sementinha .Escreveu na fase final da sua vida (morreu em 1969) A Flor Vai Ver o Mar, A Flor Vai Pescar Num Bote, Uma Flor Chamada Maria Maria, Maria Flor Abre o Livro das Surpresas, para leitores infantis entre os 6 e os 12 anos.
Publicou quatro peças de teatro: Maria Emília, Forja, O Destino Morreu de Repente e Fronteira Fechada, mas escreveu na íntegra ou apenas iniciou vinte. Durante a sua vida, apenas grupos de amadores foram autorizados pela Censura a representar a primeira e a segunda, e, esta, somente em Moçambique.
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Com os meus 13 anos havia
Com os meus 13 anos havia lido Escritores de todo o mundo, interessei-me pela Literatura Portuguesa surgindo Alves Redol. Entre tudo o que li, um livro me ficou gravado, curioso ter sido Editado no ano em que nasci. "Fanga". A personagem Manuel Caixinha libertou-se das mãos de uma escravidão escondida para ser ele. Foi uma lição, aprendi a libertar-me da servidão e do peso do poder. Li toda a sua obra - tenho os seus livros - quando compro, só compro o que gosto, neste período da vida não tenho paciência para ler. Compro Alves Redol - o pouco que é editado - e ofereço.
Sou natural de Sintra, fui viver com 3 anos para Alhandra e estudei em Vila Franca de Xira no então Externato Sousa Martins. Anteriormente lera a curta obra de Soeiro Pereira Gomes e "Esteiros"- "... os filhos dos homens que nunca foram meninos" abre-me os olhos, pela razão de conhecer os intervenientes, tornando-me talvez com os meus 13/14 amigo do Gineto (Joaquim Baptista Pereira). Alves Redol veio a seguir. Em 1961 conheci Alves Redol no União Desportivo Vilafranquense (UDV). Alunos e Ex Alunos do Sousa Martins e que tinham fundado o Jornal Eco Académico, entre eles eu fomos, não sei como reunir na Sede do UDV com o escritor da minha admiração, Alves Redol. De vez em quando dizia ser a sala onde nos reuníamos confusa para ele, por ter muitas portas. Aprendi muito, mais foi ao ler "Fanga". Desde a explicação das razões que o levaram a não desistir de escrever (uma jovem estrangeira tuberculosa escreveu dizendo gostar muito dele e do que escrevia por verificar existirem no mundo pessoas em piores condições que ela. Passando pelo modo como eram criadas as personagens, eram pessoas que conviveram com ele. Por vezes pedia desculpa do mal que fizera a uma sua personagem. E o filme "Nazaré"? Ainda hoje estou a vê-lo a descrever o que vê no filme de Manuel Guimarães, cujo tema é de sua autoria. Pois ele diz que o filme é a visão daquilo que escreveu através de uma garrafa de 7,5 decilitros verde. As personagens fazia um retrato de cada e colava nas paredes da sala onde escrevia.
Muito tinha para dizer. Foi com prazer que deitei para fora o que sinto. Alves Redol quer queiram ou não ficará na História da Literatura Mundial. Em relação ao Grupo, a verdade, todos os amigos sabem: foi o arrancar para uma Secção Cultural do União Desportivo Vilafranquense.
Mário Vitorino Gaspar
E a Fanga no coração
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