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#solidariedade de verdade

Quando a lamechice e a pedinchice se substitui ao Estado que deveria ser, através do SNS e dos seus serviços de Segurança Social, o garante da proteção dos mais desfavorecidos, isso cria-me repulsa. Artigo de Maria de Baledón
Quando o Estado se demite abrem-se espaços enormes que dão lugar a todos os tipos de abuso e oportunismo

Tenho uma relação ambivalente com os intermediários.

Chateiam-me aqueles que me pedem no Jumbo, no Continente, no Lidl e afins, que contribua com percentagens do meu talão de compras para meninos e meninas carenciados, animais abandonados e, agora, em breve, aguardem, também para os refugiados.

Chateiam-me porque por detrás das suas ações beneméritas está implícita a dedução nos impostos dessas grandes cadeias comerciais.

Inclusive, muitas destas ações são meros atos de marketing mascarados de responsabilidade social, comunicação pedagógica e outros quejandos.

Também por isso não gosto que me vendam peluches, porta-chaves e outras inutilidades para contribuir para a construção de um centro de dia para acamados, que façam rifas cujos números nunca são sorteados, a fim de ajudar na operação de um certo doente, que me peçam para juntar tampinhas de garrafas de plástico para derreter e transformar em cadeiras de rodas e por aí adiante.

Quando a lamechice e a pedinchice se substitui ao Estado que deveria ser, através do Serviço Nacional de Saúde e dos seus serviços de Segurança Social, o garante da proteção dos mais desfavorecidos, isso cria-me repulsa.

Antes de mais porque se banalizou, depois porque não há escrutínio. Ninguém presta contas nem se mostram resultados. E, estou em crer, há muito negócio por detrás da pobreza.

Soube que numa festa de Natal houve pessoas convidadas a contribuir com bens que seriam doados a famílias carenciadas. A contrapartida oferecida era a entrega de uma fotografia desse benemérito a doar o saco ao pobrezinho. Imagino que para circular no facebook, fazer boa figura, mostrar-se, acumular likes, prestígio.

Tudo isto faz lembrar a tal história das tias de António Lobo Antunes que já citei aqui, contemporâneas de um Portugal salazarento e bafiento.

Receio que caminhemos para lá quando é notícia de ontem que grande parte dos doentes mentais em Portugal está entregue aos cuidados da Igreja.

Receio que confundamos solidariedade com estas práticas pouco claras que fazem apelo à emoção e às necessidades mais básicas a que todos somos, de uma forma ou de outra, sensíveis.

E receio que se estendam também ao mundo do trabalho.

Eu faço oito horas por dia em troca de um subsídio de alimentação no final do mês, um dos meus camaradas mais recentes trabalha em part-time e recebe o seu subsídio de alimentação sob a forma de cartão para gastar na loja onde trabalha, e uma amiga, também com contrato emprego e inserção, recebia o subsídio de alimentação da entidade empregadora (uma ipss), de seguida voltava a depositá-lo na conta dessa mesma entidade sob a forma de donativo, e recebia-o por sua vez em géneros alimentares.

A curiosidade chocante é que se tratava de uma instituição de apoio aos sem-abrigo que, por sua vez, recebia alimentos através do Banco Alimentar. Estes serviam, então, para matar a fome a quem estava na rua, a quem trabalhava na entidade e para permitir encher os bolsos do patronato.

Quando o Estado se demite abrem-se espaços enormes que dão lugar a todos os tipos de abuso e oportunismo.

É preciso estar atento, pois trata-se de #gentedeverdade

Artigo de Maria de Baledón

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