You are here

Como as grandes petrolíferas compraram o Departamento do Interior

Para que a justiça reine, Salazar, Obama, a BP e a Halliburton precisam ser levados a algo como o Tribunal do Clima Internacional proposto na Cimeira do Clima alternativa do mês passado na Bolívia
Ken Salazar, responsável pelo Interior na Administração Obama, destacou-se pela oposição a grupos ambientalistas e pela defesa das grandes petrolíferas. Foto Office of Governor Patrick/Flickr

Os interesses das grandes petrolíferas e das carvoeiras pareciam ter chegado ao seu ponto alto com a reeleição de George W. Bush em 2004. Era um homem do petróleo endinheirado, tão firmemente comprometido com o sequestro militar da torneira mundial de petróleo como hostil para um tipo de ciência que falasse de noções anti-negócio tais como o aquecimento global.
Mas a influência das grandes energéticas deveria ter-se desvanecido com a eleição de Barack Obama para a presidência. Obama prometeu uma nova era de sanidade política em que os EUA passariam a estar em linha com a opinião global sobre assuntos prementes como as emissões de carbono e a transição para fontes de energia limpas.
Então, um humilde homem do Colorado chamado Ken Salazar, com um chapéu de vaqueiro que parecia permanentemente agarrado à cabeça, andou de esquipado até ao microfone para aceitar a nomeação de Obama como novo Ministro do Departamento do Interior (DOI). Algures no Golfo do México, um pássaro estremeceu enquanto o futuro do seu habitat era selado, ao serem as grandes energéticas recolocadas no comando daquela parte do governo capaz de lhe pôr rédeas.

Os embates  prematuros
Salazar tinha um longo historial de embates com activistas ambientais quando fora Attorney General do Estado do Colorado nos anos 90. Um caso particularmente ominoso, dado o derrame actual da BP e a acção de limpeza, envolveu Salazar num remendo grosseiro à limpeza do Summitville Mine Superfund. Ele alegou que a Summitville Consolidated Mining Corp. baseada no Canadá seria obrigada a pagar pelo dano ambiental causado pela sua actividade de mineração de ouro. No fim, as negociações ineptas e a falta de vontade de Salazar em processar a companhia significaram milhões de dólares de fundos públicos gastos durante a acção de limpeza (Counterpunch, 18/12/2008). Salazar permitiu que a Summitville fugisse covardemente.
Contudo, um bom historial em questões ambientais não era o critério primário da nova administração quando foram considerados os candidatos a Ministro do DOI. A conveniência política foi o princípio norteador nesta nomeação de Obama. Salazar ajustava-se a este rol porque era provável que atravessasse audições de confirmação com o apoio duma estranha coligação de corporações energéticas, senadores republicanos a prepararem guerra à nova administração e grupos ambientais de renome.
O que se lhe seguiu foi uma parte de teatro político – o interior, o senador de chapéu de vaqueiro com sensibilidade rural vem à capital - e uma parte de pura política do poder de Washington -  contudo mais um outro exemplo de grandes corporações a instalarem o seu representante numa posição de poder decisório.

A nomeação
Festivais de Amor durante as audições de confirmação deveriam imediatamente suscitar suspeitas. Salazar tornou realidade todas as expectativas de Obama à medida que as audições prosseguiam,  conquistando mesmo os críticos republicanos mais obstinados da nova administração. O senador Ron Wyden (Oregon) resumiu o evento habilmente como, "um completo e acabado festival de lançamento de ramalhetes (Denver Post, 15/1/2009)".
Até Jim DeMint, o senador republicano da Carolina do Sul politicamente paranóico, tirou tempo à sua campanha de "salvar a liberdade" da "agenda socialista" de Obama para elogiar Salazar. A princípio, DeMint estava convencido que Salazar era o homem de testa do esquema principal de Obama de "… cortar a energia à América”, mas deixou a audição convencido que "nós temos praticamente a mesma visão (LA Times, 16/1/2009)."
Grupos ambientais envolvendo muito dinheiro, incluindo a League of Conservation Voters e o Sierra Club, também se juntaram às festividades, dando a Salazar uma pontuação de 100% no seu registo como Senador.
Fora das audições, as coisas eram menos cordiais. Grupos ambientais como o Center for Biological Diversity (CBD) que tinha apoiado de forma esmagadora a campanha presidencial de Obama, encaravam Salazar como uma “escolha desapontadora". Salazar alegou que queria “limpar a sujeira" deixada por um DOI da administração Bush anti-ciência, atingido pelo escândalo, mas o CBD pensou doutra forma, vendo o seu historial como tendo "lutado contra a açcão federal no aquecimento global, contra padrões de eficiência de combustível mais altos e por aumentos nas perfurações petrolíferas e nos subsídios ao petróleo” como um sério passivo.
Porém, estes eram os dias precipitados de Obama-mania. Críticas válidas da esquerda a Salazar foram enterradas sob a histeria de "todos menos Bush" e "Mudança em que podemos acreditar”. Seguramente, prosseguia esse pensamento, a nova administração marcaria uma fractura crítica em relação ao regime de Bush uma política de energia racional seria parte do novo consenso a  desenvolver-se numa Casa Branca agora controlada pelo Partido Democrático. Mas quando o vaqueiro do Colorado de Obama rumou ao DOI, a BP já tinha se estabelecido no Golfo de México.

Quem contribuiu
Uma revisão mais crítica do historial de Salazar teria revelado ligações directas ao petróleo ao e sector do carvão. Desde o arranque da sua carreira como responsável da administração em 1989, o registo de contribuições para as suas campanhas está coberto do lixo das doações do sector energético, inclusive um  pagamento de 4500 USD da BP (Center for Responsive Politics – CRP). Contudo Salazar teve dois benfeitores monetários claros desde 1989 - as firmas de advogados Sherman & Howard e Brownstein, Hyatt, Farber e Schreck. As duas contribuíram com 140.138 USD, uma cifra que facilmente apequena a maior doação seguinte, de 57.652 USD, feita por Moveon.org.
Por que duas firmas de advogados teriam tal interesse em Salazar? A sua lista de clientes revela algumas respostas. Formada em 1892, Sherman & Howard afirma ser a empresa de advogados mais antiga de Denver, Colorado. Representa uma vasta variedade de corporações, mas a Westmoreland Coal Company  (WCC) é dum especial interesse: é uma grande companhia carbonífera que opera em cinco minas de carvão de superfície no Dakota do Norte, Montana e Texas e em centrais energéticas de carvão na Carolina do Norte que geram 230 megawatts de energia.
Sem surpresa, na audição da sua confirmação, Salazar falou com arroubo sobre um programa de energia inovador que afastaria o país da dependência do petróleo estrangeiro - carvão "limpo." "O desafio", disse Salazar ao Congresso, "é como criamos o carvão limpo. Acredito que avançaremos com o financiamento de alguns desses projectos de demonstração para que possamos encontrar formas de queimar carvão que não contribuam as alterações climáticas” (Reuters, 11/2/2009).  Steve Leer, presidente do Conselho de Administração da Arch Coal, elogiou a “abordagem equilibrada" de Salazar e declarou que "trabalhamos frequentemente com ele em questões de recursos naturais (Reuters, 11/2/2009). A Arch Coal também tinha pago o preço de admissão ao passar com uma doação de 2000 USD à campanha de Salazar em 2006.
As grandes petrolíferas não seriam excedidas pelas grandes carboníferas. A outra grande firma de advogados apoiante de Salazar, Brownstein, Hyatt, Farber e Schreck (BHFS), presta serviços de lobbying e serviços jurídicos aos seus clientes. A Delta Petroleum Company contratou a BHFS em 2005 e desde então gastou 960.000 USD para fazer lobbying junto dos responsáveis do governo eleitos sobre a questão da perfuração de petróleo no mar (Centre para Políticas Responsivas). A Delta também processou para defender as suas pretensões de licenças para perfurar locais em águas Federais ao largo da costa do Pacífica ( Amber Resources Company e outros contra Estados Unidos). Estes locais tinham sido arrendados à companhia durante o primeiro período da presidência de Reagan, mas a companhia tinha sido impedida de explorar petróleo pelo governo Federal e pelo Estado de Califórnia.
Em 2005, quando pareceu que a Delta poderia finalmente exercer os seus direitos de perfuração, um processo foi entreposto pelo Estado de Califórnia e por vários grupos ambientais alegando que a Delta não tinha depositado relatórios de análise de impacto suficientes. O processo atrasou a exploração e a Delta acabou por ser compensada pelas suas alegações de licenciamento enquanto continuava a fazer pressão sobre o direito a perfurar ao largo via os esforços de lobbying da BHFS.
Entra Ken Salazar. Em Março de 2010, com a maioria dos processos com destaque entrepostos por grupos ambientais durante a Bush administração decididos, Salazar e Obama anunciaram uma expansão radical dos projectos de perfurações ao longo de toda a orla marítima Oriental e no Alasca. Este equivalente marítimo a um "Perfura, Baby, Perfura”, foi apresentado pelo Ministro do DOI como um acordo "a meio meio-caminho" entre companhias petrolíferas e conservacionistas. Para a Delta Petroleum era dinheiro de lobbying bem gasto, à medida que a pressão política e a generosidade na campanha abriam terreno completamente novo para explorar.

Os processos
A Obama-mania acabou por perder força e os processos jurídicos começaram. Alguns processos tentaram forçar Salazar e o DOI a proteger um ou outro animal ameaçado. Primeiro, era a truta Cutthroat do Rio Colorado que rapidamente minguava. Depois o pássaro-canoro da pradaria, o Pipit de Sprague que tinha sido ameaçados pela degradação das pastagens do meio do país e que estavam a ser ignorados pelo DOI. À medida que os processos se empilhavam, os grupos ambientais foram-se acostumando a conhecer uma administração de Obama que exibia uma notável hostilidade para com a conservação, que era notoriamente semelhante à sua antecessora.
A acção legal dirigiu-se ao núcleo da política energética ambientalmente hostil da administração.  No dia 16 de Novembro de 2009, o Center for Biological Diversity, o Grand Canyon Trust e os apoiantes anteriores de Salazar no Sierra Club abriram um processo para objectar à aprovação de Salazar ao recomeço da mineração de urânio numa mina fechada no Grand Canyon. A objecção falhou e a mineração continuou em Janeiro de 2010. Em Maio de 2010, a Agência de Protecção Ambiental (EPA) foi forçada a agir sobre a questão, decidindo que a mina estava a ser explorada em violação da lei dado que o operador, Denison Mines, não tinha notificado a agência que tinha retomado as operações (Associated Press, 4/5/2010). A EPA emitirá multas diárias mas precisa de acção por parte do DOI para encerrar a mina.
A Bacia do Rio Powder que liga Wyoming e Montana foi o próximo cenário para contestação legal ao DOI que, através da Agência de Administração da Terra (BLM), emitiu 21 licenças de exploração de carvão durante os últimos 20 anos na área. A região responde agora por 42% de todo o carvão produzido nos EUA e por 13% de todas as emissões de gás carbónico. Sob a supervisão de  Salazar, o BLM planeia agora adicionar 12 novas licenças de carvão na região.
Como o grupo Wildearth Guardians apontou no seu processo contra Salazar, a região não é certificada como "Região Produtora de Carvão" o que significa que as companhias de carvão podem escapar aos procedimentos normais que requerem relatórios de análise de impacto ambiental. O seu processo permanece no sistema de tribunais enquanto os operadores de carvão continuam a minar e poluir a região. Salazar continua a permitir-lhes operar fora da lei (Wildearth Guardians contra Salazar e Abbey, 21/4/2010).
Entretanto no Golfo de México, um trabalhador da Halliburton acabou de cimentar a mastreação da Deepwater Horizon Oil Drilling da BP ao chão do oceano. Umas meras 20 horas depois, a mastreação explodiu, criando um dos maiores desastres ambientais da história.

O derrame
Muito se disse das contribuições de campanha volumosas feitas à campanha de Obama pela BP. De facto a CRP reporta que, em mais de 70.000 USD, o recebimento de Obama da BP quase duplica o  contribuinte seguinte. Contudo, o acto criminal de libertar milhões de galões de petróleo no oceano tem a ver com mais do que apenas dinheiro de campanha. Revela como tais contribuições facilitam o estripamento de leis ambientais, o contornar de regulamentos e a continuação dum regime regulador que dá às corporações multinacionais um poder que está acima e além das necessidades do povo americano e do ambiente. Ken Salazar está no centro disto.
Em Abril de 2009 o Serviço de Administração Mineira (MMS) do DOI deu à BP uma "exclusão categórica" dos estudos de impacto requeridos pela EPA. A BP não estava só: um porta-voz da DOI disse ao Washington Post que a agência concede habitualmente 250 a 400 dispensas por ano. Da mesma maneira que o tinha feito para as companhias de carvão na Bacia do Rio Powder, Salazar permitiu que a BP e outros perfuradores marítimos operassem fora da lei. Em vez dum estudo independente, a agência aceitou a auto-avaliação da BP de que  a probabilidade dum derramamento principal era "mínima ou inexistente" (Washington Post, 5/5/2010). Nenhum reparo foi feito ao facto de que a BP tinha contratado com a Halliburton cimentar a mastreação enquanto a companhia estava sob investigação por um trabalho de cimentação defeituoso que conduziu a um derrame no Mar de Timor em 2009.
Nos dias antes do derrame a BP estava a usar a sua vasta força de lobbying para forçar os MMS a ampliar a sua isenção, evitando assim um novo estudo de impacto ambiental. Esta proposta teria sido indubitavelmente aceite por um DOI que, sob a direcção de Ken Salazar, se tinha tornado um carimbo para as grandes petrolíferas e para as grandes carboníferas.

A Desavença
Nas semanas próximas, a administração de Obama procurará por certo um sujeito abater para culpar pelo derramamento de petróleo da BP. Ken Salazar é um candidato provável e merecedor. Mas enquanto o petróleo continua a fluir e a ecologia da região de Golfo a sofrer um dano irreparável, as contas devem ser feitas ao papel da própria Casa Branca. O derrame de petróleo da BP pode ser um momento de linha divisória para Obama - um evento que expõe tanto a falência duma administração que permanentemente quebra a confiança das pessoas que pretende governar.
Quando as corporações mandam no mundo, fazem-no para assegurar a sua própria auto-preservação  pela acumulação e exploração dos recursos naturais. As pessoas são feridas e os ecossistemas destruídos, mas isso são apenas danos colaterais.
Dois conceitos simples podem oferecer uma alternativa à loucura deste sistema - democracia e justiça. Para a democracia ter sucesso, novas vozes de fora da política dominante têm de se fazer ouvir nas manifestações de protesto e nas urnas eleitorais - não só nos processos jurídicos.
Para a justiça reinar, Salazar, Obama, a BP e a Halliburton têm de ser levados a algo como o Tribunal do Clima Internacional proposto na Cimeira do Clima alternativa do mês passado na Bolívia. Só então, se farão as contas completas ao dano que décadas de produção capitalista fizeram e uma nova estrada em direcção à harmonia ecológica será traçada.
 


Tradução de Paula Sequeiros.

Billy Wharton é escritor, activista e editor de Socialist WebZine. Uma versão anterior deste artigo foi publicada em Counterpunch.
 

Termos relacionados Ambiente
Comentários (1)