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Tiago Pinheiro, enfermeiro-emigrado, duas vezes expulso
Tiago Pinheiro é o nome de um enfermeiro português de 32 anos. Como milhares de enfermeiros no nosso país (dois mil, só no ano passado), o Tiago foi obrigado a emigrar. Ativista da Saúde 24, de onde foi despedido, “sem apelo, nem agravo, sem um telefonema ou um agradecimento...”1, e depois de uma carreira de 9 anos em Portugal, o Tiago partiu para Londres o ano passado.
O Tiago é uma pessoa que gosta do seu país. Mas esse país que o viu nascer e crescer, estudar e tornar-se enfermeiro, tratar e cuidar sem contar, enriquecer o serviço público, esse país que ele sonhou “de braços calorosos para todos poder acolher”2 castigou-o e roubou-lhe o emprego, obrigou-o a emigrar, expulsou-o.
Mas não se limitou a expulsá-lo do seu território. Expulsou-o igualmente da possibilidade de, uma vez cá fora, poder intervir na escolha dos seus governantes. Com efeito, ao dirigir-se ao consulado de Londres, no início deste mês, após alguns dias passados em Portugal, o Tiago veio a saber que não podia votar no próximo ato eleitoral. Para tal, era necessário ter-se ido recensear até à data limite de 4 de Agosto2.
Como o Tiago, muitos emigrantes portugueses não sabem que, uma vez alterada a morada para o estrangeiro, são irradicados dos cadernos eleitorais em que estão inscritos no território nacional, deixando muito simplesmente de existir. Se quiserem voltar a existir como cidadãos plenos, com capacidade de eleger os seus representantes, têm de se deslocar aos postos consulares ou consulados de carreira dos países de residência e recensearem-se.
É difícil não interpretar como uma forma de excluir os emigrantes da participação política, esta medida discriminatória que determina que, para eles, o recenseamento eleitoral tem de ser voluntário e presencial, quando é automático para os seus compatriotas no território nacional3.
Poder-se-ão invocar razões de ordem técnica, mas não há barreiras técnicas que a política não possa transpor. Um país que tem a segunda maior taxa de população emigrada da União Europeia4 não tem desculpa para excluir da participação política tantos dos seus filhos.
Esta exclusão é tanto maior quanto, ao aumento depurador dos fluxos migratórios, se tem vindo a juntar a supressão – não menos depuradora - de postos consulares, introduzindo uma distância cada vez maior entre os emigrantes e as representações de Portugal no estrangeiro. Exigir, neste contexto, que o recenseamento dos portugueses que partem seja presencial, corresponde, de facto, a uma segunda expulsão do país.
É verdade que a remoção dos obstáculos ao recenseamento eleitoral dos emigrantes representaria um perigo pois corresponderia a expor-se ao voto daqueles que as políticas do governo têm expulsado do País. Poucos duvidarão, com efeito, que não seria um voto a favor. E, no entanto, como escreve o Tiago, “o Portugal daí também é dos portugueses daqui, os que não desistem, os que daqui gritam para aí, tentando também se fazer ouvir5”.
Eis porque é tão importante que na próxima legislatura, o problema do recenseamento eleitoral dos emigrantes seja empunhado com firmeza e solucionado no sentido de proporcionar a mais vasta participação dos que foram obrigados a partir. Para que depois de expulso do país, mais nenhum Tiago possa ainda vir a ser excluído das escolhas que nele se fazem.
1 Tiago Pinheiro, “Não me demito! (Crónica de um enfermeiro despedido da Saúde 24”), in Opinião, Esquerda.net, 28/01/2014
2 Ou seja 60 dias antes da data marcada para o ato eleitoral
3 Cf CNE (Comissão Nacional de Eleições): para os cidadãos nacionais residentes em Portugal, e maiores de 17 anos, a inscrição no recenseamento é automática
4 De acordo com os dados da ONU e do Banco Mundial, mais de 20% dos portugueses vive fora do país em que nasceu, o que faz de Portugal, em termos relativos, o país da União Europeia com maior número de emigrantes, depois de Malta
5 Tiago Pinheiro, “O Portugal daí explicado aqui”, in Opinião, Esquerda.net, 25/07/2014
Comments
Cristina, para além do que
Cristina, para além do que expõe em relação aos novos emigrantes, saiba também que o governo anda ardilosamente a "abater" os velhos emigrantes dos cadernos eleitorais...por minudências administrativas, sem informar os visados, por mudanças legislativas e regulamentares recentes … estamos a assistir à mais insidiosa e repugnante desigualdade cidadã. somos cidadãos de 2a, desprovidos de direitos políticos. urgente o recenseamento automático, em igualdade de circunstâncias com os nossos concidadãos que vivem em Portugal. Que nos fizeram e que nos fazem os deputados da AR? Por que dão assentimento, aquando das votações, às leis que a maioria governamental propõe??
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