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Migrantes: os “nossos” e os “outros”

Em tempos difíceis, é certo que não há varinhas mágicas para resolver os problemas. Mas mais do que nunca, precisamos de coragem e de começar pelos princípios.

No verão, a minha cidade parece agora, em ponto grande, uma daquelas aldeias repletas de emigrantes que vêm para rever os seus e matar saudades da terra. Agosto no Porto é, também para mim, um lugar de reencontro com os amigos que bazaram. São muitos. Em cada história, há um misto de dignidade e de amargura. As condições de cada um são diferentes e uma parte grande gostaria de voltar – mas não vislumbra como nem para fazer o quê. A maioria, provavelmente, não tomará a palavra nas próximas eleições: não está cá e não vai votar. Mas esta é uma das questões mais importantes que deveríamos estar a discutir.

Os números são conhecidos e oficiais: desde 2011, 485 milpessoas emigraram. Em média, são mais de 100 mil por ano. Nunca, nem mesmo na década de 1960, se tinha ultrapassado esta fasquia anual de gente que sai do país. E não há volta a dar: a maior parte dos que foram embora não o fizeram por vontade nem com gosto. Foram expulsos pelo desemprego, pelos salários miseráveis, pela falta de oportunidades. Ou seja, é de política e de economia que falamos, novamente. Por isso, a resposta à emigração forçada só poderá ser dada a partir de soluções fortes para o país e de uma ideia sobre o modo como nos relacionamos com a Europa.

Para os que cá estão, a Europa tornou-se uma prisão de austeridade: a esta se devem as novas vagas migratórias de países como Portugal. Para o resto do mundo, a Europa é uma fortaleza circundada de arame farpado, cães atiçados e polícia.

Na Hungria, o governo já começou a erguer um muro de quatro metros de altura e 175 quilómetros de comprimento, ao longo da fronteira com a Sérvia. Na Bulgária, há uma parede de 30 quilómetros a marcar a fronteira com a Turquia. David Cameron, o primeiro ministro do Reino Unido (um dos principais destinos dos jovens portugueses que emigram), falou, a propósito das pessoas que tentam desesperadamente alcançar a Inglaterra por via de Calais, de uma “praga de imigrantes”, como se pessoas à procura de uma vida melhor fossem insectos. Dos Governos Europeus não se ouve uma palavra de condenação perante a ignomínia. Silêncio e costas voltadas.

Às portas da Europa, e nas fronteiras do sul, o Mediterrâneo é uma imensa vala comum: 30 mil imigrantes mortos e desaparecidos naquele mar, enquanto tentavam a travessia. Só no ano passado foram 3224. Os governos que condenam o tráfico de pessoas são os mesmos que o promovem, ao tornarem a travessia clandestina a única alternativa para quem foge da violência e da morte nos seus países. Um exemplo é o que se passa com a Síria, onde a guerra já provocou mais de 200 mil mortos. Do conjunto de sírios que pediram asilo, a União Europeia só acolheu 1,7% destas pessoas. É uma percentagem insignificante e ridícula.

Nos países europeus, os mesmos que rejeitam a entrada de gente jovem vinda de outros continentes, fazem-se discursos sobre a “promoção da natalidade” que são, neste contexto, uma forma de racismo. As declarações condoídas a cada nova tragédia soam também por isso a pura hipocrisia. Nos últimos anos, à medida que endurece a retórica, não se procurou nenhuma solução comum entre os países nem nenhuma resposta humanista. A política é só uma: barreiras, muros, patrulhas marítimas e aéreas, cães e drones.

Em tempos difíceis, é certo que não há varinhas mágicas para resolver os problemas. Mas mais do que nunca, precisamos de coragem e de começar pelos princípios.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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