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João Semedo: Sem reestruturação da dívida, a alternativa é fora do euro
É uma longa entrevista de quatro páginas que o ex-coordenador do Bloco deu a Ana Sá Lopes, do I, e que teve de ser respondida por escrito, já que, neste momento, ele está impossibilitado de falar. E é justamente sobre o tema da doença, um cancro nas cordas vocais surgido há dois anos, que a entrevista começa. “Sou médico e isso permite olhar a doença com maior naturalidade. Fui sempre muito claro, nunca escondi, nem fiz mistério e muito menos tabu sobre o que me aconteceu”, afirma João Semedo, registando porém com agrado que a comunicação não tenha transformado em notícia a sua doença.
Em 2013, lembra, foi-lhe diagnosticado um cancro numa corda vocal e começou o tratamento no IPO, “com um médico e uma equipa fantásticos, num serviço (ORL) que é o retrato da excelência do SNS”. Fez uma primeira cirurgia seguida de radioterapia, e a probabilidade de cura era esmagadora: 96%. Infelizmente, no final de 2014, o tumor reapareceu, forçando uma nova cirurgia, “que procurou ainda conservar alguma voz própria”. Mas não resultou e uma terceira cirurgia mais radical foi realizada em junho, “que me deixou sem cordas vocais, sem laringe e sem falar”. Essa situação levou-o a abandonar a Assembleia da República e a pedir a reforma por incapacidade, ao fim de 42 anos e 3 meses de descontos.
Uma terceira cirurgia mais radical foi realizada em junho, “que me deixou sem cordas vocais, sem laringe e sem falar”.
Mas João Semedo diz-se muito otimista e “cheio de vontade de reaprender a falar, processo que será longo, como acontece com uma criança, se excluirmos a componente cognitiva e simbólica da aprendizagem da fala. Essa, acho que me posso dispensar de reaprender… Mas daqui a uns meses, julgo que já poderei fazer-me ouvir.”
Entretanto, irá participar na campanha eleitoral (esteve na coordenação e redação do programa eleitoral), mas com grandes limitações porque “uma campanha é sempre muito exigente do ponto de vista físico e é sobretudo comunicação. Mas lá estarei nos comícios, nas arruadas, de bandeira na mão”.
Grécia: “Vamos ter várias voltas até o resultado final”
Sobre a Grécia, João Semedo rejeita o termo “capitulação”, por parte do Syriza, considerando-o um excesso de linguagem, até porque o processo “está longe de estar terminado”. “Vamos ver quais serão os contornos finais do resgate e até se vai haver acordo (…) Digamos que vamos ter várias voltas até vermos e sabermos o resultado final, um balanço final”.
Por outro lado, diz ter consciência de que “as posições do governo grego diminuem a possibilidade de uma solução mais favorável, fragilizam a barreira que é necessário levantar à pressão da ortodoxia financeira que comanda a zona euro e atrasam a afirmativa de uma à austeridade e aos resgates. E isso não é bom.”
Ainda assim, Semedo considera que “quem votou Syriza viu pela primeira vez um governo a defender os interesses das vítimas da austeridade, a bater-se pela dignidade de um povo e pelo direito a escolher o próprio caminho. Numa situação muito difícil, uma relação de forças muitíssimo desigual, essa estratégia não se impôs, não venceu. Mas nada ficou como dantes. E isso não é pouco.”
Sem reestruturação da dívida, alternativa é fora do euro
Retirando as lições do que aconteceu na Grécia, João Semedo afirma ter aprendido que “na zona euro, qualquer tentativa à austeridade é 'fulminada'”. E também que “não se pode negociar com os credores sem uma alternativa na mão e sem uma forte convicção e disposição para a executar”, observando que a esquerda não pode confiar na 'ajuda' dos socialistas, trabalhistas ou sociais-democratas. “As posições de Renzi, Hollande ou do socialista holandês que preside ao eurogrupo só ajudaram a senhora Merkel a encostar os gregos à parede”.
As posições de Renzi, Hollande ou do socialista holandês que preside ao eurogrupo só ajudaram a senhora Merkel a encostar os gregos à parede
Portugal, defende João Semedo, não tem condições para pagar a dívida nas condições impostas pelos credores. O serviço da dívida é brutal, esmaga a capacidade doo Estado investir nas suas funções sociais e na economia que faz crescer o emprego. (…) A dívida tem de ser reestruturada para nos libertarmos desses juros. Se os credores recusarem, um governo responsável tem de preparar o país para uma alternativa fora do euro.”
Carvalho da Silva deveria ter avançado
Sobre as presidenciais, Semedo acha que Carvalho da Silva devia ter avançado, e lamenta não ter sido essa a sua decisão. “Até hoje não vejo nenhum candidato que traga para as eleições presidenciais o património de luta e de ideias que Carvalho da Silva representa e defende.”
Na opinião do bloquista, Sampaio da Nóvoa teve um arranque algo precipitado, “isto é, sem ter estabelecido algumas definições políticas prévias que se traduziram depois nalguns equívocos dos quais me parece ainda não se ter libertado completamente. Talvez o mais flagrante seja a sua relação com os partidos, muito especialmente com o PS, demasiado dependente.”
A decisão do Bloco só será tomada depois das legislativas, sublinhou Semedo, mas disse ser mais provável que haja um candidato próprio do Bloco, militante ou independente, capaz de mobilizar os que se batem por políticas claras e coerentes de combate à austeridade, aos credores e à Europa dos Mercados.
Comments
Esclareça-me uma coisa, sff.
Esclareça-me uma coisa, sff.
Então, e se houver uma reestruturação da dívida? continuarmos no Euro passa a ser a boa escolha? quer dizer: a saída do Euro só se coloca se não houver nenhuma reestruturação?
E mais uma dúvida: quando estivemos contra a nossa entrada no Euro, altura em que a nossa dívida era bastante mais pequena, mais pequena de qualquer modo do que o que passará a ser após uma possível reestruturação, então, nessa altura, e já lá vão 15 anos, nessa altura estávamos errados? quer dizer, nessa altura a nossa entrada no Euro era também a nossa melhor escolha? ...
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