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Tão espertos e sempre tão enganados

As previsões foram um mecanismo para confortar a ideologia da austeridade e justificar a inacção.

Faça-me o favor de olhar para este gráfico. É muito oficial e representa a evolução do PIB da zona euro, a partir de um ponto original que é o estado da economia quando começou a crise financeira (2007–2008). Verifica-se tristemente que, oito anos depois, ainda não recuperámos até ao nível inicial.

Mas o gráfico tem outro detalhe e é desse que lhe quero falar. Ele regista, ano a ano, as estimativas de crescimento das entidades europeias no momento em que foram formuladas. Por cinco vezes sucessivas, estas estimativas enganaram-se. Estiveram sempre erradas. Presumiram que a ligeira recuperação de 2010 ia ser um sucesso. Foi um fracasso. Anteviam que em 2011 a economia ia disparar. Caiu. Que em 2012 ia virar. Continuou a estagnação. Que em 2013 e em 2014 ia começar a fulgurante recuperação. Não saiu do mesmo.

E as previsões estivera erradas no mesmo sentido: eram sempre demasiado optimistas. O mesmo erro cinco vezes seguidas já não é distracção, é mesmo mania. Ou seja, a economia era gerida por gente com um enviesamento ideológico mais forte do que as suas competências técnicas. A consequência foi sempre a pior possível: como tudo ia correr bem, as medidas em vigor eram óptimas e não era preciso nada mais. No ano seguinte, correu mal, as medidas falharam, mas agora é que vai correr bem, não mexer em nada. E no ano seguinte outra vez a mesma coisa. Ou seja, as previsões foram um mecanismo para confortar a ideologia da austeridade e justificar a inacção.

Como é que Passos Coelho, coitado, não se havia de enganar nas contas?

Artigo publicado em blogues.publico.pt

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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