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Negacionistas do clima vs. Realistas do clima: o conformismo já não está na moda

Esta é a grande oportunidade para revitalizar todos os movimentos sociais como uma solução real para a injustiça, a desigualdade e a injustiça. A dimensão climática é o “apelo para a ofensiva” de toda a esquerda. Por Sinan Eden.
A Marcha dos Povos pelo Clima em Nova Iorque em setembro passado mobilizou meio milhão de pessoas - 2015 está a tornar-se um ano de mobilizações de massas – Foto de Emma Cassidy, extraída do site peoplesclimate.org

Os ativistas pela igualdade social dividem-se em dois: negacionistas do clima e realistas do clima. Por negacionistas do clima não identifico apenas as pessoas que negam as evidências científicas das alterações climáticas, mas também aqueles que aceitam os factos mas recusam o seu significado. Parece-me que este segundo tipo de negacionista trava a esquerda num conformismo político de consequências de grande amplitude.

A história até agora

Podem ter ouvido falar das cheias destruidoras no Bangladesh, dos tufões excecionalmente fortes nas Filipinas, das cheias sem precedentes na Austrália, dos fogos florestais na Rússia, da perda massiva de biodiversidade em todo o globo ou dos furacões na América do Norte. Podem também ter ouvidos cientistas a comentar que a força e a frequência desses fenómenos devastadores multiplicar-se-á com o aumento da temperatura global.

A novidade é que estes impactos observados se devem a um aumento de 0,85ºC na temperatura quando comparado com os níveis pré-industriais e – preparem-se – estamos a caminho de um aumento de 3,6ºC até ao final deste século. Em suma, as condições materiais para a sobrevivência humana estão a piorar e serão cada vez piores num cenário de business as usual. Isto não são as más notícias.

Más Notícias: Urgência

As más notícias é que há pontos de não retorno (tipping points) nos sistemas terrestres que acelerarão o aquecimento e empurrar-nos-ão para um precipício. Estes “mecanismos de feedback positivo” adicionam um parâmetro extra a qualquer luta: um ponto sem retorno, um momento em que a equidade social se torna materialmente impossível.

As notícias ainda piores são que estes tipping points encontram-se algures perto dos 2ºC de aquecimento. A não ser que se façam reduções urgentes, substanciais e sustentadas nas emissões de gases com efeito de estufa, enfrentaremos o que muitos cientistas do clima chamam “o fim do mundo como o conhecemos”. Isto significa um mundo no qual os ecossistemas naturais não suportam algumas das necessidades básicas da civilização como a água doce, a agricultura e os serviços infraestruturais.

Os números são claros: temos de deixar pelo menos 80% de todas as reservas de combustíveis fósseis no solo e temos de reduzir as emissões globais em pelo menos 60% em apenas 35 anos.

Estes são os limites físicos da nossa luta.

Esta é a grande oportunidade para revitalizar todos os movimentos sociais como uma solução real para a injustiça, a desigualdade e a injustiça. A dimensão climática é o “apelo para a ofensiva” de toda a esquerda

Como a Naomi Klein afirma “O que o clima faz é fornecer os parâmetros para que estes movimentos [pela justiça social] possam trabalhar juntos. Os parâmetro são que temos prazos e, como escritora, aprecio muito prazos. As coisas não se fazem sem prazos.”

Agora as piores notícias são que a maior parte da esquerda não está habituada a trabalhar com prazos.

Pensem nisto: quando gritamos “A luta continua”, a assunção subjacente é que a luta pode continuar até ao infinito. Quando um dirigente político diz “Vamos trazer de volta a saúde e a educação para todos” ele/ela não diz quando. A narrativa é que venceremos um dia num futuro abstrato, e então isso legitimará todas as resistências prévias como um prelúdio para a vitória.

Isto é verdadeiramente confortável. É o “business as usual” para os movimentos sociais. Os negócios continuam como há séculos, e os movimentos sociais continuam a resistir como há séculos. Às vezes ganhamos um pouco, às vezes eles ganham um pouco. É uma balança dinâmica em que todos têm uma função para sustentar o sistema.

Mas aqui está o cerne da questão: Podem até ter sentimentos conflituosos acerca do vosso “país com futuro” ou “futuro com dignidade” ou o que quer que lhe queiram chamar. Podem não concordar com negociar, renegociar, reestruturar, re-reestruturar ou não pagar a dívida. O que a ciência das alterações climáticas nos diz é que teremos que fazer todas essas coisas enquanto reduzimos as emissões em dois terços, e fazer tudo isto durante o nosso tempo de vida político.

Boas notícias: Realismo Climático

As boas notícias é que o movimento internacional pela justiça climática está a construir-se. Depois da Marcha dos Povos pelo Clima em Nova Iorque em Setembro passado, que mobilizou meio milhão de pessoas, 2015 está a tornar-se um ano de mobilizações de massas.

A 30/31 de Maio houve ações climáticas em mais de 30 países e mais de 100 cidades, incluindo Lisboa e Faro. Depois de um novo protesto a 26/27 de setembro, estaremos em Paris em Dezembro para a COP-21 onde será feito um novo acordo para o clima.

Temos três possibilidades:

- A otimista: Eles repetem Copenhaga e não conseguem chegar a qualquer acordo.

- A pessimista: Eles chegam a um acordo, que aumentará a comercialização das florestas e da atmosfera, aumentará a utilização de biocombustíveis e métodos de geoengenharia, deixando intactos os combustíveis fósseis e as questões da dívida climática (as negociações em Bona chegaram a um texto provisório que menciona os combustíveis fósseis apenas duas vezes, em ambos os casos apenas relacionado com subsídios)

- A do realismo climático: Nós repetimos Seattle em Paris, nós os 99% trazemos as nossas agendas e as nossas prioridades, libertamos o poder político das corporações e das multinacionais antes que eles nos prendam num aquecimento de 4ºC de aquecimento global.

Sinan Eden, ativista turco do Climáximo

A melhor notícia é que esta é a grande oportunidade para revitalizar todos os movimentos sociais como uma solução real para a injustiça, a desigualdade e a injustiça. A dimensão climática é o “apelo para a ofensiva” de toda a esquerda.

Já não chega mais “defender os direitos do povo”; temos de reclamar, expandi-los e aprofundá-los. E temos de fazê-lo agora.

A ciência das alterações climáticas desbrava caminho para um futuro justo e sustentável ao apontar o foco para a escolha entre socialismo e barbárie – uma escolha que será feita nas próximas décadas.

Agora, as notícias de topo é que podemos fazer um test-drive aqui em Portugal com o aproximar das eleições. Pondo de lado os partidos que já se identificam como representantes da classe dominante, temos uma pergunta muito concreta, escrutinável parta aqueles que pretendem defender-nos: Qual é o vosso grande plano para mudar completamente a sociedade em 30 anos? Qual é o vosso calendário para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em dois terços nos próximos trinta e cinco anos?

Ou, pondo-o de forma mais concisa: Estão a falar a sério acerca de mudar o mundo, ou são negacionistas conformados do clima?

Esta é a pergunta que em poucos anos irá abruptamente remodelar toda a paisagem política.

Artigo de Sinan Eden, publicado em climaximo.wordpress.com. Tradução de João Camargo.

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