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A greve dos pilotos e a transformação do regime

A greve dos pilotos está a levantar intensa polémica e a abrir a caixa de pandora de problemas que merecem abordagem cuidada. É o que tentarei fazer neste e num próximo artigo.

1. Qual o papel dos sindicatos?

Nos tempos áureos do “capitalismo popular” havia trabalhadores na minha empresa que se consideravam donos por terem “meia dúzia” de ações e sindicatos que proclamavam a aquisição destas pelos trabalhadores porque assim poderiam cogerir. Para estes sindicatos os administradores eram colegas de trabalho e não gestores ao serviço do lucro do capital, paladinos da privatização e do fim do serviço público.

Para a direção do sindicato dos pilotos, e outros sindicatos fomentados pela direita portuguesa, o seu papel é o de coparticipação na propriedade e cogestão – mesmo que explorando os seus próprios colegas de trabalho. A direção do SPAC defende “uma privatização que não ponha em risco a soberania e o interesse nacional”, ou seja uma privatização onde eles próprios possam ser donos.

A solução é exigir a manutenção da TAP como empresa pública e impedir a sua privatização. O papel dos sindicatos é defender os direitos dos trabalhadores, enquanto classe que são.

2. Os sindicatos e a transformação do regime capitalista

O ascenso predominante da finança no regime capitalista criou não só um novo regime capitalista que ultrapassa o neoliberalismo clássico como criou um novo domínio ideológico sobre muitos milhões de pessoas. Milhões de pessoas foram convencidas da “razão” da crise, nós “vivemos acima das nossas possibilidades”, muitas outras dizem que “os partidos são todos iguais” e outras passaram à fase de apoiar e ativar partidos racistas e repressivos sobre os direitos sociais, democráticos e políticos. Os “ovos da serpente” crescem!

A ideologia dominante destruiu a contratação coletiva tornando-a um resquício cada vez mais isolado nalgumas grandes empresas; mesmo nestas criaram-se divisões entre gerações nas quais os trabalhadores mais jovens ou mais recentes têm muito menos direitos do que os mais velhos. Nalguns casos, como na EDP, foram propositadamente criadas, para os mais jovens, novas condições salariais e direitos sociais mais baixos – com o acordo de sindicatos da UGT e CGTP. Basta este exemplo para demonstrar a vacuidade da afirmação de Daniel Oliveira de que “a CGTP tem estratégia exclusivamente conflitual e a UGT exclusivamente negocial”.

A nova ideologia dominante instaurou uma ditadura económica e instaurou o medo. O medo é uma arma de subjugação poderosa e impede os trabalhadores, enquanto indivíduos e enquanto classe, de terem esperança na revolta e na exigência de democracia nas empresas.

A nova ideologia dominante fez os direitos recuar para níveis de 100 anos atrás, colocou os trabalhadores do privado contra os do público e depois destruiu os direitos dos dois, destruiu o horário de trabalho tornando-nos “escravos a tempo inteiro” e desenvolveu toda uma ideologia relacional ao ponto de haver empresas em que os trabalhadores se relacionam entre si como “clientes internos”.

A precariedade tornou-se a normalidade. O não direito a férias, subsídio de férias ou de natal está a passar de exceção a regra.

Elemento estruturante na ideologia deste novo Estado são as empresas de aluguer de mão de obra. As praças de jorna da ditadura económica são o mais vil e subjugante lugar da venda da força de trabalho, são as pioneiras da escravatura, dos contratos à hora, por vezes sem nenhum direito social. Os novos senhores feudais escolhem os seus servos e decidem o melhor lugar para lhes sugar o produto do seu trabalho. As empresas de trabalho temporário devem ser extintas e proibidas. Esta deveria ser uma reivindicação dos sindicatos, exigindo a integração dos trabalhadores nas empresas onde prestam serviço.

As novas realidades mostraram como a exploração da força do trabalho, o domínio de uma classe sobre outras, sobre os recursos comuns e sobre o Estado se tornou mais evidente. No novo regime austeritário a luta de classes tornou-se mais polarizada acumulando cada vez mais riqueza em cada vez menos capitalistas e cada vez mais pobreza em cada vez mais gente.

O sindicalismo sofreu enormes consequências de toda esta transformação, grande perda de sindicalização, das receitas sindicais e da capacidade de luta. Como os sindicatos responderam a isso é o tema do próximo artigo.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Energia e Águas de Portugal, SIEAP.
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