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Absurdos do sistema eleitoral britânico

Uma maioria absoluta com 36,9% dos votos; uma derrota catastrófica com um ganho de quase 3 milhões de votos. É isto que dá ter círculos uninominais, sistema que tanto PSD quanto PS defendem para Portugal.

Responda rápido: nas eleições do Reino Unido, que partido ficou em 3º lugar? Se a sua resposta foi o Partido Nacionalista Escocês, errou; se foi o partido Liberal-Democrata, errou também. O partido que obteve o 3º lugar, em termos de votos expressos em urna, isto é, em termos da vontade expressa pelos eleitores, foi o UKIP, um partido xenófobo e eurocético que teve o apoio de 3.881.129 eleitores.

No sistema eleitoral britânico, criado para manter a estabilidade do bipartidarismo e prejudicar o surgimento de minorias, sejam elas da direita ou da esquerda – um Syriza ou um Podemos britânico teria a maior dificuldade para se afirmar. O segredo deste sistema são os círculos uninominais, que tanto o PSD quanto o PS defendem para Portugal, com uma ou outra alteração menor

Como é? Mas esse partido não foi um dos derrotados da noite eleitoral, de tal forma que o seu líder Nick Farage renunciou à liderança? É verdade. O UKIP tinha dois deputados e perdeu um, ficando com um solitário membro na Câmara dos Comuns. Mas, comparando com as eleições de 2010, ganhou a bagatela de 2.961.583 votos. Subiu de 3,1% para 12,6%. Como é que isto é possível? São as “particularidades” do sistema eleitoral britânico, criado para manter a estabilidade do bipartidarismo e prejudicar o surgimento de minorias, sejam elas da direita ou da esquerda – um Syriza ou um Podemos britânico teria a maior dificuldade para se afirmar. O segredo deste sistema são os círculos uninominais, que tanto o PSD quanto o PS defendem para Portugal, com uma ou outra alteração menor.

A “grande” vitória que não foi assim tão grande

Os absurdos das eleições britânicas não ficam apenas pelos resultados do UKIP. Vejamos o caso da “grande” vitória do Partido Conservador: Cameron obteve a maioria absoluta no Parlamento e governará com tranquilidade nos próximos cinco anos. Mas os votos nas urnas estão muito longe da maioria absoluta: os conservadores tiveram 36,9% dos votos; apenas subiram oito décimas, obtendo mais 608.306 votos do que em 2010. Convenhamos que não é um crescimento tão grande assim... e que 36,9% está longe, muito longe de ser a maioria absoluta dos eleitores.

Ah, mas o Partido Trabalhista teve uma derrota histórica, certo? Bem... os números não dizem exatamente isso. Os trabalhistas aumentaram a sua votação, passando de 29% para 30,4%, obtendo mais 737.799 votos. Só que, no caso dos conservadores, os 600 mil votos a mais renderam-lhes mais 24 deputados; enquanto que aos trabalhistas, os 700 mil votos a mais renderam-lhes... uma perda de 26 deputados. Tem lógica? Para o sistema eleitoral britânico, tem. Mas, em termos de democracia, isto é, da vontade popular expressa nas urnas, não faz qualquer sentido.

Mais “proximidade” aos deputados?

Os defensores dos círculos uninominais dizem que esse sistema é mais democrático porque promove uma maior proximidade dos eleitores em relação aos “seus” deputados. Pois... Vejamos o caso do Partido Verde, que ficou em 6º lugar nas eleições, com 1.157.613 votos. Elegeu uma deputada, Caroline Lucas, no círculo de Brighton Pavilion, com 22.871 votos. Só isso. Os restantes 1.134.742 eleitores verdes ficaram sem qualquer representação. Isto é “proximidade”?

O curioso é que, na ânsia de perpetuar uma lei eleitoral para favorecer os dois partidos maiores e prejudicar todos os outros, ninguém pensou, aparentemente, na possibilidade de partidos com base local, nalgumas das nações do Reino (des)Unido, poderem aproveitar-se do sistema. Mas aconteceu, nestas eleições, com o Partido Nacionalista Escocês, que teve o maior aproveitamento de voto de todos os partidos, e provavelmente de toda a história eleitoral do país. Com 1.454.436 votos, todos concentrados na Escócia (só apresentaram candidaturas lá), os nacionalistas escoceses elegeram 56 deputados. Ganharam 50 deputados em relação a 2010, subindo de 1,7% para 4,7%, obtendo mais 963.050 votos. Isto é: enquanto que, no caso dos Verdes, foram precisos mais de um milhão de votos para eleger um deputado, os nacionalistas escoceses precisaram de um milhão e meio de votos para eleger 56 deputados, o que dá uma média de pouco mais de 25 mil votos por deputado. É bom ver Cameron a provar o veneno do sistema em que se baseia o seu poder. De facto, o seu maior problema no novo mandato vai ser a questão escocesa, muito potenciada com a poderosa bancada que o Partido Nacionalista Escocês elegeu.

Mas este “prémio de consolação” nada retira ao caráter totalmente antidemocrático do sistema dos círculos uninominais. Aqueles que o defendem para Portugal devem muitas explicações aos eleitores.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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