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O polvo dos Paços do Concelho

O que se passou nos últimos meses no Exploratório Centro Ciência Viva de Coimbra é exemplar de um processo repleto de manobras políticas obscuras, negócios nada transparentes, manipulação de informação, e abuso de poder.

O que se passou nos últimos meses no Exploratório Centro Ciência Viva de Coimbra e culminou, quinta feira, com a destituição da direção que criou e geriu o CCVC, durante 20 anos, conta-se em poucas palavras, mas é exemplar de um processo repleto de manobras políticas obscuras, negócios nada transparentes, manipulação de informação, e abuso de poder.

Durante os mais de 20 anos da sua existência, a direção, que desenvolveu um curriculum e uma experiência inigualáveis em Portugal no domínio da divulgação científica, trabalhou gratuitamente, com total devoção ao seu projeto

O Exploratório foi criado por dois professores da Universidade de Coimbra, que acalentavam o sonho de divulgar ciência. Começaram com pequenas exposições na própria universidade, mudaram-se, depois, para a Casa da Cultura. Finalmente, inauguraram o Centro Ciência Viva no Parque Verde do Mondego, um equipamento de qualidade excecional, pioneiro e único no país, composto por dois edifícios com exposições concebidas originalmente pela equipa do próprio Exploratório e manufaturadas nas oficinas do mesmo. Durante os mais de 20 anos da sua existência, a direção, que desenvolveu um curriculum e uma experiência inigualáveis em Portugal no domínio da divulgação científica, trabalhou gratuitamente, com total devoção ao seu projeto. Recorrendo a receitas próprias e a fundos obtidos através de projetos – incluindo um projeto QREN que financiou o segundo edifício -, bem como a subsídios de funcionamento atribuídos regularmente pela Agência Ciência Viva e o Município de Coimbra, o Exploratório sempre conseguiu manter um equilíbrio financeiro, contas limpas, ao mesmo tempo que oferecia à cidade, graças ao trabalho pró bono destes professores, uma mais-valia extraordinária em termos de divulgação científica, educação para a ciência, cultura, lazer e turismo. Criava também know-how único na própria produção autónoma dos módulos expositivos, o que permitia conseguir originalidade e ainda controlar custos, criando emprego. O Exploratório era visitado por uma média de 25.000 alunos e alunas de todo o país por ano.

A despeito de uma massiva mobilização cívica, que levou 400 pessoas ao Exploratório no passado sábado, a Universidade e a Câmara conduziram o esquema ao seu desfecho previsível: a destituição de uma direção competente, honesta e benévola e a sua substituição por um homem do aparelho

Não admira, pois, que um equipamento de qualidade internacional, concebido e elaborado pelos mais competentes profissionais, suscitasse invejas, cobiças e, sobretudo, desejos de apropriação por parte de interesses que nada têm a ver com a causa da ciência, mas que encaram o empreendimento na perspetiva do seu aproveitamento económico e político. Daqui até ao golpe palaciano que levou à apropriação do Exploratório, terá sido o tempo de constituir uma rede com três vértices principais: a agência Ciência Viva, a Câmara de Coimbra (CMC) e a Universidade de Coimbra, principal associada do Exploratório e com poderes para nomear a direção. À direção em funções começou então a ser dito, pela Agência Ciência Viva e pela CMC, as duas entidades que se haviam comprometido com um subsídio de funcionamento, até então atribuído regularmente, que os pouco mais de 300.000 euros orçamentados só seriam transferidos “se mudasse a direção”. Ao mesmo tempo, a CMC usava de meias-verdades para protelar a ligação ao saneamento e a atribuição de licença de utilização ao novo edifício, pronto a funcionar, e fechado há mais de um ano, com consequente perda de receitas. Pela mesma altura, tem início uma campanha difamatória, em que as mesmas entidades que não haviam pago o que deviam ao Exploratório fazem constar que este tem problemas de gestão financeira e que é necessária uma intervenção redentora. Ou seja, corta-se o dinheiro, para afastar uma direção. Cria-se, artificialmente e com penalização para os interesses do município, os problemas económicos que são, injustamente, imputados à direção. E quem cria um problema que nunca se tinha colocado em 20 anos de gestão propõe-se resolver esse mesmo problema. Surge então um homem, com ligações ao PS e a Manuel Machado, que passa a ser conhecido como novo diretor – Paulo Trincão, diretor do Jardim Botânico, professor da Universidade de Aveiro. A despeito de uma massiva mobilização cívica, que levou 400 pessoas ao Exploratório no passado sábado, a Universidade e a Câmara conduziram o esquema ao seu desfecho previsível: a destituição de uma direção competente, honesta e benévola e a sua substituição por um homem do aparelho desconhecedor do equipamento, que será remunerado, e que traz como equipa duas inexperientes bolseiras de pós-doutoramento.

À direção cessante, afastada a poucos meses de concluir o seu mandato, nem é dada a oportunidade de inaugurar o edifício extraordinário que havia construído. Porém, se este jogo seguir o caminho que se adivinha, o edifício será inaugurado em breve e com pompa e circunstância, depois de o dinheiro até agora negado aparecer magicamente, por obra e graça de uma nova direção, cuja única vantagem em relação à anterior é a estreita relação com os poderes políticos – como aliás foi afirmado na Assembleia Geral do Exploratório da passada terça-feira. Quem se prepara para destruir o Exploratório será entronizado como seu salvador, com elogios propagandísticos numa comunicação social servil perante os poderes políticos instalados.

Esta descrição torna claros os meandros do exercício do poder em Coimbra. Por um lado, uma Universidade, cujo reitor não resiste a pressões políticas. Por outro lado, uma Câmara Municipal que pretende funcionar como um polvo controlando e, provavelmente, rentabilizando de modos pouco transparentes, equipamentos que resultaram do trabalho árduo de cidadãos e cidadãs

Esta descrição torna claros os meandros do exercício do poder em Coimbra. Por um lado, uma Universidade, cujo reitor não somente não resiste a pressões políticas, mas que aliena um valor que é da universidade e, em vez de promover as competências geradas por professores da própria instituição, vai buscar uma equipa de Aveiro, com um curriculum menor, e com aumentos de custos de milhares de euros em remunerações, que não se sabe de onde virão, nem a quanto orçarão. Por outro lado, uma Câmara Municipal que pretende funcionar como um polvo, controlando e, provavelmente, rentabilizando de modos pouco transparentes, equipamentos que resultaram do trabalho árduo de cidadãos e cidadãs. Não esqueçamos que João Aidos, oitavo membro da lista com que Manuel Machado se candidatou à Câmara, em 2013, é o gestor e programador daquele que será o maior equipamento cultural da cidade – o Convento de S. Francisco. São conhecidas as ambições de “programador de cidade”, o qual já começa a exercer funções de verdadeiro vereador – diria melhor, controlador – da política cultural do município.

O padrão de atuação está estabelecido: a partir dos Paços do Concelho, Manuel Machado pretende controlar os equipamentos e instituições da cidade que permitam obter dividendos económicos e políticos, à custa de quem neles sempre trabalhou e de quem por eles se sacrificou. O Exploratório foi apenas o primeiro caso. Em breve, teremos notícias de mais manobras difamatórias sobre mais cidadãos e cidadãs honrados que serão afastados dos cargos que exercem e dos equipamentos que eventualmente estejam a gerir por meio de pressões políticas insustentáveis.

Consta que, na Assembleia Geral do Exploratório, Manuel Machado terá manifestado descontentamento contra uma direção que se portou mal, porque deu conhecimento à opinião pública da situação que viveu, através de uma conferência de imprensa e de uma petição (enganou-se: a petição é de responsabilidade minha e de Joaquim Norberto Pires). Manuel Machado prefere reinar onde não há democracia e o que mais o perturba, como esta atitude demonstra, são aqueles e aquelas que revelam as suas manobras de bastidores e a elas se opõem. O exercício da denúncia e o combate cívico contra a indignidade e a injustiça, como fizeram as pessoas que se reuniram em defesa do Exploratório, são a maior arma que temos contra um poder municipal abusivo, que despreza o interesse público em favor de interesses pessoais próprios ou dos seus próximos, que pretende instalar sobre a cidade um controlo tentacular ao qual, a concretizar-se, poucos poderão escapar.

Aproxima-se o 25 de Abril e a festa da liberdade e da democracia. Saibamos comemorá-la demonstrando ao polvo que nos governa, também a nível local, que não deixamos que nos abocanhem. “Tirem as mãos do Exploratório”, diziam os manifestantes. “Tirem as mãos do que é de todos/as” – temos de dizer a cada novo esquema e a cada nova ameaça.

Sobre o/a autor(a)

Professora universitária, dirigente do Bloco/Coimbra
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