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Quem está fora, não desistiu nem fugiu

E se tem razões para o ressentimento, não tem necessariamente vergonha do país. Tem, provavelmente, cada vez mais vergonha do Governo.

Durante os últimos três anos, o Governo teve um programa para a juventude: o “Bazem”. Começou com Passos Coelho, em 2011, a dizer aos professores que tinham que olhar para “o mercado da língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”. Bazem.

Depois foram os conselhos em estilo autoajuda, dizendo que era preciso abandonar “a zona de conforto”. Ou seja: bazem

Ao menos neste ponto, o Governo foi relativamente bem-sucedido. Com o desemprego a atingir quase metade dos jovens, com a precariedade a constituir-se na regra do mercado de trabalho, com a imprevisibilidade do futuro a ser a única certeza para toda uma geração, mais de 100 mil portugueses bazaram mesmo em cada ano, desde 2011.

Não vale a pena nem dourar a pílula nem ver tudo a preto e branco. Sair do país por escolha e por vontade é um ato de liberdade. Liberdade tão essencial como o direito a não sair do país, forçado pelo desemprego e pela precariedade. Sejamos claros. Viajar é um prazer, a mobilidade escolhida é uma conquista, as trocas internacionais uma mais-valia. Mas quando temos dezenas de milhares a emigrar não estamos, apenas, a falar de escolhas individuais. A maioria destes jovens não viajou. Nem emigraram. Foram expulsos. Expulsos do seu país.

O convite para regressar implica uma coisa: que o cenário que fez as pessoas saírem se tenha transformado. Quando acabamos a nossa formação, seja ela qual for, quais são os horizontes que se colocam? O chavão da geração mais qualificada já não quer dizer nada. O que conhecemos são trabalhos temporários sem direitos, estágios não remunerados que temos de aceitar para fazer currículo, programas ocupacionais, recibos verdes, bolsas, um permanente estado de stand-by, sem saber o que se segue, a não ser que o que se segue será sempre menos que um emprego.

Este mês houve uma pequena mudança no discurso do Governo sobre a emigração. Reconhecendo que convidar o pessoal a “bazar” começava a talvez não ser a melhor estratégia, o Governo apresentou um plano: o “VEM” - Valorização do Empreendedorismo Emigrante.

Questionado sobre os detalhes do programa aprovado em Conselho de Ministros, o secretário de Estado Pedro Lomba foi-nos esclarecendo que ainda não podia adiantar os detalhes, o alcance, os custos, a forma de contratualização, o público-alvo ou a abrangência. Nada. Nem o número de emigrantes indica, quanto mais quantos pretende fazer regressar. O programa do governo é na base do “logo se vê”.

Se não roçasse o ofensivo, este anúncio do Secretário de Estado seria apenas caricato.

Depois de muita insistência, lá foram ideando alguns pormenores. Apoiar entre 30 a 40 projetos (sim ouviram bem, entre 30 a 40 projetos) de emigrantes que queriam criar a sua própria empresa, mais alguns estágios, pagos pelos fundos sociais.

40 projetos para mais de 3 centenas de milhares de emigrantes, sem mexer nas políticas emprego, na política económica, na dívida que estrangula, nas políticas de habitação.

Ou seja, é quase um microcrédito por cada 10 mil pessoas que emigraram. Está-se mesmo a ver que este imperativo VEM do Dr Lomba vai ser um retumbante sucesso. Vão vir charters de emigrantes de volta.

Nós já sabíamos que quando faltam propostas, o Governo saca da palavra mágica: o “empreendedorismo”. O “empreendedorismo é uma revolução que será para o século XXI mais importante do que a revolução industrial foi para o século XX” (PSD, 2011: 128). A frase é ridícula, mas, para nossa vergonha coletiva, faz parte do programa de Governo proposto ao país pelo PSD.

Em 2011, ao mesmo tempo que mandava os jovens bazarem, o Governo engalanava-se com uma mão cheia de medidas de “promoção do empreendedorismo” como receita para responder ao problema do desemprego Passaportes empreendedorismo, vales empreendedorismo, empreendedorismo para crianças. Tudo isto envolvido com as palhaçadas do Miguel Gonçalves sobre a necessidade de “bater punho” e os convites para os jovens desempregados irem “vender pipocas” para a rua.

Como se o problema do desemprego fosse uma questão de “querer muito” ou de um “défice de cultura empreendedora” e não uma consequência de escolhas coletivas de política económica, com a austeridade a arrasar a economia e a riqueza que devia ir para a criação de emprego a ser sugada pelos juros da dívida e pelo financiamento dos escândalos da Banca.

Os resultados da “promoção do empreendedorismo” são conhecidos: do ponto de vista de criação de emprego, não adiantou nada, foi insignificante, e a maior fatia destes programas foi captada por grandes empresas, com capacidade de fazerem as candidaturas. O atual programa para os jovens emigrantes é uma espécie de Miguel Gonçalves, Take 2, agora sem Relvas mas com Lomba.

Este programa parece um insulto. Aos bolseiros da FCT que tiveram os seus projetos interrompidos; aos enfermeiros mal pagos que foram convidados a sair, aos dois milhões de desemprecários que gostariam de dar o seu talento ao país, de todos os que foram forçados a emigrar e dos que ficaram com a dor de vê-los partir.

Querem fazer regressar os mesmos portugueses que mandaram embora? Inventem menos programas para inglês ver, deixem a religião da austeridade de lado, deixem a vassalagem europeia e ponham a economia a crescer e a criar empregos. Empregos, não estágios, nem contratos inserção, ou falsos recibos verdes. Empregos que permitam projetar uma vida, ter autonomia e olhar para o futuro com alguma esperança.

Quem está fora, não desistiu nem fugiu. E se tem razões para o ressentimento, não tem necessariamente vergonha do país. Tem, provavelmente, cada vez mais vergonha do Governo.

Declaração política do Bloco de Esquerda na Assembleia da República em 18 de março de 2015

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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