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Redução de número de deputados é contra a democracia

Querem roubar na secretaria aquilo que os portugueses dão nas eleições: representação diversa das opiniões dos portugueses.

As declarações de Jorge Lacão, preconizando uma redução do número de deputados, e associando esta medida a um eventual reforço da qualidade da imagem do Parlamento, são inaceitáveis e constituem a prova mais fiel do desespero e desnorte do Governo.

Foram eufemismos do ministro Jorge Lacão para se referir à redução da representatividade democrática e da sua diversidade, redução da capacidade fiscalizadora nas autarquias e afunilamento geral da democracia.

O ministro de um governo que tem a obrigação de enfrentar uma grave crise económica e social, considera central o regresso aquilo que é a sua própria agenda política pessoal, que vem desde a revisão constitucional de 1997.

José Sócrates já não lidera um governo de gestão, mas uma comissão eleitoral que apenas se preocupa em manter o poder nas próximas eleições. Nem que, para isso, seja preciso fazer batota eleitoral e mudar as regras para assegurar a concentração de deputados num bloco central que os portugueses nunca escolheram nas mesas de voto.

Não é só a representatividade dos partidos, e da escolha popular, que não dão pelo nome de PS ou PSD que é posta em causa. Diminuir o número de deputados, para um número sem paralelo em qualquer país com a dimensão do nosso, coloca também em causa a representatividade distrital e regional do Parlamento. Há alguma razão para que os eleitores do Algarve, Santarém, Viseu ou de tantos outros distritos se vejam obrigados a ser unicamente representados por deputados do PS ou PSD? Para o bloco central parece que sim. Dá-lhes mais jeito e é o que basta.

Se aplicássemos os critérios PSD, que Jorge Lacão agora defende com tanto ardor, na Madeira, a Assembleia Regional passaria de 60 para 5 deputados. Cinco deputados é menos do que o número dos partidos actualmente com assento na assembleia madeirense. É esta a dimensão do ridículo do que é proposto. Ignorar que não é possível, a partir de um certo nível, assegurar que os pequenos distritos ou regiões mantêm a sua representação sem distorcer completamente o sentido de voto dos portugueses.

Já na revisão que alterou o número de deputados no parlamento nacional, em 1997, Jorge Lacão foi obrigado a demitir-se da liderança da bancada do PS por ter negociado com o PSD uma revisão que suscitou a revolta de grande parte da sua bancada.

Foi esse acordo que levou igualmente à demissão do então presidente da Comissão de Revisão Constitucional, Vital Moreira, mas, ao contrário de Lacão, porque não concordou com o acordo PS/PSD para a revisão constitucional.

O ministro de um governo acossado pela crise e pela revolta dos portugueses contra a austeridade para a maioria, retorna à sua agenda política pessoal e sente necessidade de atacar a composição da Assembleia da República e o actual formato da democracia local.

Isto ao arrepio das declarações do actual líder parlamentar do PS, de Maio do ano passado, que considera que a discussão sobre “a redução do número de deputados é facilmente dominada pelo oportunismo numa altura de crise”, não constituindo “uma questão central em Portugal”.

Pois o ministro Lacão considerou que não, nada disso!

É preciso despertar todos os demónios populistas e demagógicos contra a representatividade, proporcionalidade e diversidade na nossa democracia, neste preciso momento, mesmo contra o que parece ser a opinião geral da sua bancada (que já tinha contestado o acordo de 1997 com a direita), desde que isso possa de algum modo contribuir para conter a descida da popularidade do governo, para suster a queda nas sondagens, para desviar as atenções do povo português da crise, da recessão anunciada, dos cortes nos salários, dos aumentos dos bens essenciais e das reduções nos apoios sociais.

O argumento do ministro Lacão foi o da necessidade de credibilizar a política. Mas o senhor ministro não percebe que o que descredibiliza a política é o seu governo, o sistemático incumprimento das promessas eleitorais e do programa de governo, é a austeridade cair de forma dramática sobre as famílias, até sobre os reformados mais pobres, mas nada acontecer aos salários milionários dos gestores públicos, nada acontecer aos bancos que cometeram crimes que agora caem sobre todos nós?

O que não deixa de ser revelador é que todos os pacotes de austeridade foram acordados entre o governo e o PSD e, agora, para a redução do número de deputados, mais uma vez o PSD salta em apoio entusiasmado às declarações do ministro dos assuntos parlamentares do PS.

O ministro Jorge Lacão e, certamente, algumas personalidades do PS com o apoio do PSD, gostariam de ver o Parlamento reduzido a um clube de cavalheiros onde o direito de entrada é reservado aos representantes do PS e PSD.

Querem roubar na secretaria aquilo que os portugueses dão nas eleições: representação diversa das opiniões dos portugueses.

Estamos claros que, para além da vozearia populista que na Europa é promovida pela extrema-direita, os portugueses têm o direito de escolher os seus deputados e a sua própria representação, na Assembleia da República e nas autarquias. Seremos implacáveis com a deriva populista que é contra os interesses da democracia e fomenta a batota eleitoral para reduzir o parlamento a um clube de cavalheiros do bloco central, que os portugueses não escolheram nas urnas.

Declaração Política na Assembleia da República, 3 de Fevereiro de 2011

Sobre o/a autor(a)

Docente universitário IGOT/CEG; dirigente da associação ambientalista URTICA. Dirigente do Bloco de Esquerda
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