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Em Coimbra, a propaganda praxista tem o apoio da universidade

Recebi recentemente na minha caixa de correio eletrónico da Universidade de Coimbra, onde sou estudante, uma mensagem propagandística de um órgão da praxe. A mensagem vem do Conselho de Veteranos e foi reencaminhada pelo serviço de divulgação da UC. Artigo de Ricardo Coelho.
Uma praxe normal em Coimbra: "caloiros" e "caloiras" metem-se numa fonte, num dia de frio e chuva, enquanto os praxistas observam tudo bem aconchegados nos seus trajes. Não sei em que é que expor novos alunos a uma possível pneumonia ajuda no seu processo de integração, mas talvez os praxistas saibam responder. A foto é do professor Elísio Estanque, que a partilhou no Facebook.

O Conselho de Veteranos é formado por praxistas que se auto-nomearam guardiões da tradição. Não é uma associação com existência legal. Não é um grupo estudantil aberto à participação de todos os estudantes. Não é um órgão estudantil democraticamente eleito. Não existe nenhum motivo válido, portanto, para a UC divulgar uma mensagem do CV, atribuindo-lhe uma importância e legitimidade claramente indevida.

O endereço do serviço de divulgação, pelo que depreendo, é suposto ser usado para a divulgação de notícias, não para a difusão de textos de conteúdo político. Sendo esta norma quebrada, exige-se que, pelo menos, seja dado igual 'tempo de antena' a um grupo de estudantes anti-praxe.

Enviei uma mensagem à Reitoria a perguntar porque é que a UC sentiu a necessidade de colaborar numa manobra de propaganda pró-praxe, espero agora a resposta. Entretanto, partilho a carta que recebi abaixo.

Apenas dois apontamentos prévios:

1) Diz a missiva que "A Praxe da Universidade de Coimbra engloba muito mais do que gozar caloiros". Estamos de acordo. De facto, a praxe não engloba apenas o "gozo aos caloiros". Ficamos sem saber, contudo, para que serve o "gozo" e porque não podem os praxistas organizar uma receção aos novos alunos sem "gozo".

2) De forma a separar a praxe do "crime-que-acontece-na-praxe-mas-não-é-praxe", o CV recomenda o respeito pelo Código de Praxe, "de modo a evitar os abusos ou atropelos que temos vindo a presenciar". O mesmo código (sem validade legal) que descreve os estudantes do primeiro ano como "bestas" e que determina a sua obediência incondicional aos "doutores", como ilustrou o Nuno Moniz, é suposto evitar abusos. Espero pacientemente pelo dia em que um praxista seja capaz de citar uma só norma do código que tenha como objetivo impedir abusos.

Segue a missiva dos "veteranos":

Caros e caras estudantes,

O Magnum Concilium Veteranorum, Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra, vem por este meio saudar-vos no início deste ano lectivo, desejando-vos um bom aproveitamento e uma

excelente vivência académica. Vimos também esclarecer e desmistificar algumas ideias relativamente às tradições coimbrãs, nomeadamente sobre a PRAXE, que tanto tem sido debatida ultimamente, esperando poder contar com a vossa colaboração para que a Praxe e as tradições não sejam desvirtuadas, como têm por vezes sido.

Antes de mais, importa esclarecer que a Praxe e as tradições académicas servem para criar e fortalecer laços de amizade e camaradagem numa comunidade estudantil que se quer consciente dos seus direitos, deveres e responsabilidades. É a passagem de testemunho das vivências e problemas sentidos ao longo da experiência académica dos estudantes mais velhos para os mais novos, e é um dos instrumentos fundamentais, mas não o único, para a inserção activa na vida académica.

A Praxe da Universidade de Coimbra engloba muito mais do que gozar caloiros, regendo-se por um vasto conjunto de regras e princípios que devem ser respeitados por todos aqueles que nela se inserem, desde o estudante de hierarquia praxística mais baixa até ao de mais elevada. A Praxe não pode ser usada para actos de humilhação ou coacção, pelo que se deve ter sempre em conta que cada pessoa tem limites e concepções próprias. Os atropelos às liberdades e direitos individuais são crime e não Praxe, devendo nesse caso ser denunciados. Acima de tudo, o que se quer é uma harmonia entre a liberdade e responsabilidade. Só porque um individuo está com uma Capa e Batina vestida, isso não pode ser justificação para actos ilícitos. Quando isto não é respeitado, os princípios e regras da Praxe também o não são.

Com vista a alcançar os seus objectivos (entre os quais a integração dos novos colegas e a valorização do património cultural coimbrão), deve existir uma cooperação real entre os estudantes, de forma a que se entenda aquilo que deve, ou não, ser tido por Praxe. Grande instrumento dessa compreensão é o Código da Praxe, que, sendo um conjunto de preceitos-guia para a boa actuação de todos, se torna normativamente necessário, de modo a evitar os abusos ou atropelos que temos vindo a presenciar. Na óptica do Conselho de Veteranos, estas práticas abusivas não podem, portanto, ser toleradas, quer para a manutenção das tradições académicas, quer para a boa convivência entre colegas.

Por último, importa referir que na Universidade de Coimbra é expressamente proibido: pintar os Caloiros; perturbar o normal funcionamento das actividades, eventos e cerimónias da UC; perturbar ou desrespeitar eventos inseridos na tradição e actividade da Academia de Coimbra; o desenvolvimento de actividades que lesem bens de terceiros; a mobilização de Caloiros ou Novatos dentro do seu horário lectivo; o desenvolvimento de actividades que causem dano, físico ou psicológico. Importa também relembrar que a adesão à Praxe é voluntária e não pressupõe qualquer tipo de consequências.

Lançamos o apelo a todos os estudantes da Universidade de Coimbra para que, tendo sempre presente o bom senso e as regras da sã convivência em sociedade, vivam a Praxe e a Tradição Coimbrã em toda a sua plenitude, e que descubram, nestes novos tempos, a magia de Coimbra e o porquê dos seus colegas do passado tanto cantarem a palavra Saudade.

Magnum Concilium Veteranorum

Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra

Artigo publicado por Ricardo S. Coelho no blogue Inflexão

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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