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Pilar!

A Pilar deixou-nos! Foi das mais incansáveis sindicalistas que todos nós alguma vez conhecemos. Toda a sua vida foi coerente e focada na defesa das carreiras médicas e da qualidade dos serviços de saúde. A Pilar nunca deu lições de vida. A sua vida é uma lição.

"Não basta teres sido bom quando deixares o mundo, é preciso deixares um mundo melhor" (Brecht).

A Pilar deixou-nos! Para aqueles como eu que tiveram o prazer de passar pela sua rica e curta vida, encontrar as palavras certas é fácil: energia contagiante, perseverança, astúcia, firmeza na voz e um coração cheio de bondade. Pilar foi das mais incansáveis sindicalistas que todos nós alguma vez conhecemos. Organizou greves, manifestações, plenários. Discutiu com e amedrontou ministros. Recrutou jovens e velhos médicos para a sua causa. Toda a sua vida foi coerente e focada na defesa das carreiras médicas e da qualidade dos serviços de saúde. A Pilar nunca deu lições de vida. A sua vida é uma lição.

Mas encontrar as palavras escondidas é bem mais difícil! A Pilar foi muito mais do que uma exemplar sindicalista. Para a Pilar o sindicalismo era um instrumento para defender ideais e princípios que sempre nortearam a sua vida: a liberdade, a igualdade e a justiça! Pilar é uma daquelas muitas pessoas que viram nascer o SNS e uma das poucas que sempre lhe foram fiel. Ela sabia que o nosso serviço público de saúde é uma das mais importantes e frutíferas conquistas da liberdade: o SNS trouxe-nos mais intensidade à democracia, mais igualdade e solidariedade entre todos. Destruiu pobreza, aproximou gentes e costumes. E sabia também que no país do Fado e da saudade, o SNS é a estrela que brilha no orgulho de tantos e tantas que lutaram pela liberdade: nunca em tão pouco tempo fizemos algo tão importante e de tanta qualidade. O SNS também é a Pilar, porque resistiu e resiste pela força das suas convicções e pela bravura das suas ações.

A pilar não era só uma sindicalista e uma mulher do SNS. Era muito mais do que isso! Pilar, mulher revolucionaria, entrou num bloco operatório para aprender a ser cirurgiã, pouco depois do 25 de Abril, numa altura em que aquele era um teatro de homens conservadores. Hoje as mulheres dominam a medicina e ela ajudou a abrir esse caminho difícil. Rompeu convenções aristocráticas cristalizadas na cirurgia. Ensinou centenas de outras mulheres e homens a serem médicos, sempre pelos doentes, sempre pela causa pública.

Pilar, cirurgiã feita não tinha plumas nem fastio. Vestia a bata branca e saía à rua com um molho de panfletos no braço e distribuía-os numa estação de metro, à porta de S. José, ou onde quer que estivesse o povo anónimo que um dia há-de voltar a ter nome e re-conquistar a liberdade!

À Pilar, mulher do teatro, não bastou ter sido boa quando deixou o mundo, lutou até ao fim para nos deixar um mundo melhor.

A Pilar passou pela vida com a determinação de quem caminha sobre pedras e não sente a dor! Obrigado Pilar!

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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