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Pepito, o “nosso homem” do PAIGC
A notícia colheu-me de chofre, ao ler o artigo sobre a vida deste resistente ao fascismo e cabouqueiro de uma jovem nação.
Encontrámo-nos no movimento associativo em 1972: eu na Direção do Técnico, ele Presidente da AE do Instituto Superior de Agronomia, ambos ligados à corrente “por um ensino popular” e à UEC (m-l), organização estudantil do Comité Marxista-Leninista Português.
As prisões e a clandestinidade separaram-nos fisicamente. Após o 25 de Abril as notícias foram escasseando até que, numa digressão poética à Guiné, o Zé Fanha encontrou o Schwarz a chefiar o DEPA – Departamento de Experimentação e Pesquisa Agrícola – olhado com alguma desconfiança pelos quadros formados na escola soviética.
Como relata o próprio no documentário na RTP, o seu “primeiro amor profissional” consumou-se na cultura do arroz na época seca, com rega a partir do rio Geba: uma utopia que arrancou com 12 famílias, chegando a englobar 12 mil. Em vez de escrever uma lista de dificuldades, Pepito (nome pelo qual é conhecido em toda a Guiné) escolheu mobilizar as pessoas para ação, partindo do que é possível fazer localmente.
Reencontrámo-nos em Lisboa após o golpe militar de Ansumane Mané que depôs Nino Vieira, “uma espécie de 25 de Abril”, com o Mário Tomé, também aluno do Liceu de Bissau e colega de um irmão mais velho do Pepito. Desfiámos memórias e preenchemos vazio de mais de 20 anos.
À minha curiosidade sobre se o PAIGC tinha uma política de infiltração concertada nos partidos de esquerda portugueses repondeu com toda a simplicidade: “Respeitávamos as simpatias de cada um(a) em Portugal: o PC, os m-l, o MRPP, os católicos, os trotskistas – estes, sobretudo entre o pessoal de Cabo Verde. E claro, dávamos prioridade à luta contra a guerra colonial. Mas nem era preciso, a nossa malta às vezes era mais independentista que os próprios africanos…”
O espírito crítico e a coragem cívica do Pepito não pouparam os homens no poder. Luís Cabral, primeiro presidente da RGB, “tinha tal pavor de atentados que a escolta presidencial atropelava pessoas e animais ao atravessar Bissau, a caminho do aeroporto; aconselhei-o a viajar menos”.
Após o golpe de Estado a que recusou qualquer apoio, escreveu a Nino Vieira denunciando a onda xenófoba contra os cabo-verdianos, irmãos na luta pela independência. Não ousaram assassiná-lo, era um quadro fundamental para a agricultura guineense. Mas as provocações e tiros para o ar sucederam-se junto à casa de Pepito no bairro do Quelele, em Bissau, pilhada e destruída em 1998, nos combates entre as forças de Ansumane Mané e de Nino Vieira.
Em 1991 fundou a AD (Ação para o Desenvolvimento) e a primeira rádio comunitária, a Rádio Voz Quelele, com um papel fulcral no combate à epidemia de cólera de 1994. Hoje há também uma televisão comunitária, uma escola de artes e ofícios e um centro de animação infantil.
Pepito foi deputado à Assembleia Nacional e ministro do Equipamento Social no governo provisório de Francisco Fadul, até às presidenciais de 2000, ganhas por Kumba Yalá e que mergulharam o país em novo ciclo de tribalismo, corrupção e golpes de estado, antes e depois do regresso de Nino Vieira, transformando a Guiné-Bissau num narco-Estado.
No meio da desgraça, Pepito nunca perdeu a esperança. “Recomeçámos tudo mais uma vez, menos por convicção, mais por tradição. Desistir é perder e recomeçar é vencer”, escreveu num texto autobiográfico a que chamou “A sombra do pau torto”.
Na diversidade das 32 etnias (fulas, balantas, nalus…) não via um problema, antes uma riqueza e uma oportunidade extraordinária. “Não basta criticar, temos o dever e a capacidade de construir outra Guiné-Bissau, de respeito, de cultura, de história, e de pô-la em contraponto contra a meia dúzia de pessoas dos negócios fraudulentos, do tráfico de armas, de drogas”.
Com a AD percorreu de novo os caminhos da Guiné, de norte a sul. No Parque Nacional de Cantanhês desenvolve programas de soberania e segurança alimentar, de gestão ambiental e de ecoturismo, numa zona classificada como “o último contraforte antes do deserto”.
Neste combate, Pepito sempre mobilizou e contou com solidariedades internacionais. Mas denunciou com frontalidade “os turistas do mercado do subdesenvolvimento” que aproveitam todos os fundos e programas ditos de desenvolvimento, sem lhes interessar os resultados (ou a falta deles) junto das populações, metaforicamente designadas como “alvo”…
O “branco grande” que assumiu muito cedo a pátria guineense gostava de citar a sabedoria do rei dos nalus, seu pai adotivo: “para matar uma formiga basta um dedo, mas um dedo não chega para levantar uma formiga”. Sabendo ouvir e aprender, Pepito conquistou os corações africanos, compartilhando-os com a família portuguesa: Isabel, a sua companheira de sempre, os filhos e netas.
Segundo o cineasta Flora Gomes, seu amigo, Pepito “Morreu trabalhando. Queria fazer muitas coisas ao mesmo tempo. De tanto trabalhar não se deu conta da fragilidade do ser humano.”
Disseste um dia: “Quero viver a minha época”. Conseguiste, pá!
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Perdemos um grande Homem e um
Perdemos um grande Homem e um Bom Amigo ainda que distante no espaço e nos tempos.
Um grande abraço para ti, Alberto.
O Schwarz vai ficar para
O Schwarz vai ficar para sempre na minha memória. Era o Presidente da Associação de Estudantes de Agronomia, quando eu lá ingressei no 1º ano. Quando hoje ouvimos muito sobre as praxes, naquele tempo as preocupações eram outras. O Carlos era muito trabalhador e muito dinamizador dos colaboradores associativos, onde eu me encontrava. Aprendi muito com ele. Participei com ele em diversas ações para além de colaborador associativo, sempre na senda do progresso, da paz, da liberdade e da solidariedade. Permitam-me que por esta via envie um voto de pesar à família. Perdemos um homem com EME GRANDE. Até sempre companheiro.
Fiz parte da Direção da
Fiz parte da Direção da A.E.Agronomia em 1973-1974. Foi Carlos que me meteu nessas andanças, e começou logo em 1972, poucos dias após ter entrato no Instituto, quando me levou ( e eu todo borrado...) a uma reunião Inter-Associações no Hospital St. Maria cercado pela polícia de choque. Estive com ele no cerco ao quartel do Carmo no 25 de Abril . Ainda o Fui visitar á Guiné. Estive com ele no último Agosto. Que tipo extraordinário. Mas além dum lutador, tinha um humor que não se compadecia com a linguagem maoista-estalinista daqueles tempos. Já aí se destacava da malta que repetia a lengalenga. E tenho a certeza que se deve estar a rir hoje. Creio que quando soube este mês que tinha um câncro e estava nas últimas ainda se riu um bom bocado...
Toda a Guiné-Bissau e todos
Toda a Guiné-Bissau e todos os guineenses que lutaram e lutam por um Futuro estão de luto. Recordam que o Eng.º Carlos Schwarz, vulgo Pepito, apesar de todos os reveses que o seu país tem vindo a sofrer, por cobardes militares e políticos corruptos, nunca, mas nunca, saíu da GB, vivendo em Bissau e presente por todo o território, de São Domingos a Tombali, sempre realizando projectos de desenvolvimento da AD - Acção para o Desenvolvimento para e com o seu Povo. Foi sempre um baluarte de integridade, honestidade, perseverança - quantas vezes a sua voz nunca se calou em denunciar a situação politico-militar. Esperemos que a AD e todos os colaboradores que semeou, tenham uma mais longa vida na GB [recordo que na visita ao Parque Natural de Cantanhez os meninos chamavam “Pepito” às pessoas com pele mais clara: que todos esses meninos possam perpetuar a sua memória...]
Retenho na memória...
Só agora fiquei a saber – por mero acaso, pela simples curiosidade de ler este artigo do Alberto – do falecimento do Schwarz.
A bem dizer, mal conheci o Schwarz, a ponto de ser para mim uma novidade a sua relação com a Guiné.
Todavia, retenho na memória uma ou duas reuniões, já lá vão mais de 40 anos, acho que na casa dele, onde, entre outros – quiçá, até o Alberto – também esteve presente o Varela, o qual, já não me lembro muito bem, mas julgo que também era dirigente da Associação de Estudantes de Agronomia.
Só me lembro que a dita reunião se destinava a organizar uma distribuição de comunicados dos estudantes à população. Inicialmente era para ser nos comboios da linha de Cascais, mas acabou por ser em Moscavide. Dada a situação repressiva que se vivia, com a PIDE assanhada, tratava-se de uma operação arriscada, a qual tinha de ser meticulosamente preparada, sob pena de podermos ir todos bater com os costados a Caxias. Quase tenho a certeza de que os comunicados em questão eram sobre o assassínio, pela PIDE, do estudante Ribeiro Santos, em 12 de outubro de 1972.
No outono de 72, num fim de tarde, a apanhar a saída dos operários e operárias das fábricas ali para as bandas de Moscavide, a distribuição de comunicados à população foi um êxito. Nada podia falhar e nada falhou graças a uns quantos estudantes dirigentes associativos de que destaco o Schwarz.
De jovem a dar os primeiros passos na luta contra o fascismo, a raiva a inquietar por dentro na razão direta da sede de justiça, retenho na memória o empenho abnegado do Schwarz na luta antifascista. Aqui lhe presto o meu reconhecimento. Retenho também na memória o sorriso cúmplice e solidário dos trabalhadores e trabalhadoras que recebiam os comunicados – qual grito a clamar justiça – e depressa e nervosamente os guardavam, não fosse alguém ser apanhado pela besta fascista…
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