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Coisa de ocasião

Qualquer comunista percebe que Alegre se situa à esquerda de qualquer dos outros candidatos apoiados no passado pelo PCP.

O Partido Comunista Português entendeu ter um candidato próprio às eleições presidenciais. Já se esperava e o anúncio da candidatura de Francisco Lopes foi recebido com naturalidade. O PCP não vislumbrou em Alegre a possibilidade de uma convergência de sectores da esquerda, nem avaliou o papel que este candidato podia ter como garantia democrática face à ofensiva ultraliberal contra a Constituição da República. O PCP desvalorizou a zero a diferença entre a actual candidatura de Alegre e a que protagonizou há cinco anos atrás: foi no percurso posterior que o socialista desavindo entrou em choque com o PS acerca dos pontos fundamentais da política do governo de J. Sócrates, o que acumula forças para a resistência popular numa relação de forças tão adversa às forças de esquerda. O PCP não quis mesmo saber se Alegre era um desalinhado no PS, apoiado tarde e a más horas pelo seu próprio partido como quem engole um sapo. Técnica que o PCP conhece por tradição. Bem, ainda assim o PCP achou tudo isso insuficiente. Respeita-se a opção. O candidato de extracção própria nem sequer periga uma concentração de votos numa 2ª volta, se ela for possível. Até aqui tudo normal.

O que já é incompreensível é o esforço de Francisco Lopes, Jerónimo de Sousa e outros dirigentes partidários para se demarcarem de Alegre tentando encostá-lo a Cavaco e aos mais de 30 anos do regime pós-prec. "Entre Cavaco e Alegre não há alternativa, são duas componentes da política do desastre" Lopes dixit e frases do mesmo género há muitas de Jerónimo ou qualquer outro heterónimo. Rebuscam o argumento com o euro, como se essa fosse neste momento a divisória da luta de classes em vez dos serviços públicos e o estado social que centram hoje todos os combates.

Seguramente que o espaço de crítica ao reformismo de esquerda é bem vindo, o que é qualitativamente diverso do ataque necessário ao liberalismo blairista de Sócrates e de toda a direcção do PS. Mas não é isso que o PCP faz. Para fins de pura demagogia eleitoralista este partido quer apresentar-se como se nunca tivesse apoiado nenhum candidato do "regime". Porém, o PCP apoiou à 1ª volta Ramalho Eanes, Salgado Zenha ou Jorge Sampaio. Jerónimo de Sousa desistiu mesmo para Jorge Sampaio. Qualquer comunista, repito e sublinho, qualquer comunista percebe que Alegre se situa à esquerda de qualquer dos outros candidatos antes apoiados pelo PCP. E é aqui que o processo tresanda a oportunismo. Ao PCP só lhe interessa a eventualidade próxima de legislativas, está agora a fazer as suas primárias, as presidenciais não contam. O PCP continua fazendo as escolhas do seu sectarismo, mesmo quando troca o alvo e batalha. Tudo, claro, em nome de "interesses de classe" porque a classe tem as costas largas. Podem sentir-se na fortaleza mas os muros são altos. Fortalezas, por definição, são lugares de difícil acesso.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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