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Os bons negócios de sempre, ou a mudança estrutural na economia portuguesa
Passou despercebida a publicação das listagens das maiores empresas portuguesas e o que elas revelam sobre a estrutura da economia. Não devia. Porque mostra o que há de fantasia no discurso das “mudanças estruturais”.
Tomemos o exemplo de uma das revistas que produz essa série com maior continuidade, a Exame. Em finais de 2013, publicou os dados sobre as 500 maiores empresas atuando em Portugal, referentes ao ano anterior (o que pode ser consultado aqui, se se registar).
Os dados são esclarecedores (clique na imagem):
1) 78 das 500 maiores empresas estão em quatro grandes sectores: são 27 na distribuição de combustíveis, 28 na água, eletricidade e gás, 18 na distribuição alimentar e 5 nas telecomunicações.
2) O maior volume de negócios é o da distribuição de combustíveis (19,7 mil milhões), seguido dos sectores energéticos (17,8), da distribuição alimentar (11,9) e das telecomunicações (5,9).
3) Juntas, estas empresas representam cerca de 45% do volume de negócios de todas as 500.
4) O seu volume de negócios equivale a um quarto do PIB nacional.
5) O seu nível de endividamento, como o das 500 maiores, é superior a 50%.
Ou seja, o poder de controlo dos grandes mercados de produtos de consumo é decisivo na economia portuguesa, em larga medida suportado por importações. Esses mercados são controlados por poucas empresas (e num caso, só por cinco). Os outros sectores produtivos, todos juntos, são praticamente equiparáveis ao volume de negócios destes sectores chave.
A economia portuguesa do ajustamento estrutural é dependente de importações, tem uma estrutura concentrada e beneficia deste poder de mercado. Estamos na mesma ou pior, porque se perdeu tempo.
Artigo publicado no blogue Inflexão
Comments
Esta análise, que do meu
Esta análise, que do meu ponto de vista não só está correcta, mas merecia um maior aprofundamento, torna claro as grandes fragilidades da nossa economia, e consequentemente põe a nu a nossa verdadeira fragilidade enquanto País.
Coloca em evidência a nossa fragilidade ao longo de todo o sec. XX, e a nossa incapacidade de a corrigir. E coloca em evidência a completa incapacidade e incompetência dos governantes actuais para alterarem a situação, assim como a fantasia que é o discurso das alterações estruturais, ou seja, não só não se provocaram alterações estruturais, como se agravaram todos ou a maioria dos nossos problemas, porque ao facilitar a vida daqueles que mais poder têm na nossa sociedade, isso foi um convite para continuarem a fazer o que têm feito, ou seja, tal como o Francisco Louça coloca em evidência, de continuarem a aproveitar-se da nossa sociedade para enriquecerem e como consequência, empobrecerem-nos a nós todos. Para o bem e para o mal, a situação descrita, do meu ponto de vista coloca em evidência 3 conjuntos de factos com as respectivas consequências:
1ª- A economia Portuguesa é pouco competitiva a nível internacional e a maior parte da riqueza gerada baseia-se em actividades produtivas com baixa/média tecnologia, e sustentada em volumes de negócios relativamente pequenos. Os grandes negócios (45% do total da economia), são negócios que se aproveitam de monopólios criados à sombra de vantagens concedidas pelos contratos exclusivos/preferenciais com o estado. Sobram algumas excepções como a cortiça ou a distribuição. Áreas inteiras da economia, onde os nossos principais parceiros/concorrentes baseiam a sua riqueza, sobretudo nos sectores secundário e primário praticamente não existem em Portugal ou têm uma expressão reduzida (Industria farmacêutica, automóvel, alimentar, electrónica e aeronáutica) (produção hortícola, cerealífera, de oleaginosas (os nossos vizinhos espanhóis são largamente excedentários e nós somos deficitários)), e nos serviços, o seu desenvolvimento é sobretudo para consumo interno (seguradoras, banca, saúde e educação), e esta concorrência nos serviços com multinacionais externas sustenta-se (outra vez) sobretudo em relações privilegiadas com o estado.
Surge a grande questão, como alterar esta situação?, porque quem nos governa, claramente não só não encontra a solução, como parece que nem a procura, o que nos leva a pensar que provavelmente representa aqueles que mais beneficiam desta situação actual!! e a única coisa que têm feito é procurar consolidar e reforçar a posição que já têm!
2ª É necessário, encontrar à esquerda, soluções novas para este velho problema. É necessário expandir a economia competitiva e limitar os benefícios daqueles que beneficiam das relações exclusivas/preferenciais com o estado. Países como a Coreia do Sul (por exemplo), conseguiram criar industrias competitivas a nível internacional, apoiadas com recursos governamentais. Será que conseguimos fazer algo de semelhante?, aproveitando a matriz económica que já possuímos? Se não fizermos isso, vamos continuar naquela situação que um velho provérbio português bem caracteriza, "casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão", sendo que neste caso o pouco pão que há está a ir todo para a boca de alguns, a expensas do que iria para a maioria da nossa população. Temos que corrigir a desigualdade na distribuição de rendimento e ao mesmo tempo fazer desenvolver a economia do país. A grande questão é, como fazer isto?
3ª Parece-me que a resposta está encerrada nos próprios factos que a análise do Francisco Louça coloca em evidência. Fazer com que os recursos que estão a ser drenados para alguns, que os retiram a todos nós, sejam colocados ao serviço do investimento em actividades que nos permitam ser mais competitivos a nível internacional, ou seja, que nos permitam gerar mais riqueza do que aquela que produzimos hoje, e que sejam actividades cujos produtos ou serviços possam ser comercializados em qualquer lugar do mundo, pois só assim geramos rendimento suficiente para com as exportações cobrir as importações realizadas ao exterior, condição necessária para aumentar a nossa riqueza colectiva. Para garantir que os recursos que agora são utilizados para nos explorar, serão utilizados para nos fazer crescer, é necessário na minha opinião, reforçar a nossa democracia, exigindo uma separação entre o poder politico e o poder económico, e mecanismos muito fortes de controlo democrático da regulação dessa separação. Depois é necessário dar vantagens ás actividades económicas que são competitivas, e retirar as vantagens, e regular muito melhor as actividades que actualmente vivem de relações exclusivas/preferenciais com o estado. Ou seja, falando claro, estou a advogar, que tem que se permitir que as actividades mais interessantes para a nossa sociedade (as que permitem ganhar competitividade) se tornem muito mais lucrativas, e que as que servem para fornecer produtos e serviços essenciais, de que todos necessitamos e utilizamos, tenham um lucro reduzido e perfeitamente controlado!!!, porque podem ser controladas e reguladas (mas não exercidas), por entidades independentes, controladas democraticamente.
E como última sugestão, o nosso sistema de ensino secundário, tecnológico, universitário e o esforço de investigação cientifica aplicada tem de estar integrado e voltado para resolver este problema. Ou seja, para além de pressionar para resolver o problema de literacia que o país tem, tem de estar ligado ás principais actividades que o país tem de desenvolver. Estas devem ser identificadas, a partir do tecido empresarial existente, e potenciadas, por investimentos coordenados no ensino, na investigação e nas actividades produtivas. Isto quer dizer que os investimentos devem puxar todos para o mesmo lado e não, como até agora, serem feitos de forma quase aleatória. Se forem feitos investimentos produtivos numa dada área, também devem ser feitos na educação tecnológica/profissional e na investigação nessa área.
Por fim:
E para quem leu este comentário até aqui, obrigado pela paciência, e espero que tenha valido a pena, e sobretudo um grande agradecimento ao Francisco Louça, pelos seus comentários acutilantes, cheios de actualidade, e contributos inestimáveis para encontrar caminhos para o futuro de que tanto necessitamos.
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