Requalificar a democracia

É necessário alterar a lei no sentido de uma maior exigência republicana dos eleitos com a causa pública e com os cidadãos e as cidadãs.

Há um sentimento generalizado de desqualificação da democracia. A violação dos compromissos eleitorais e da palavra dada aos eleitores é disso exemplo, bem como a ideia, por vezes justificada, de que os agentes políticos não são independentes e que há interesses ocultos que mandam mais alto. Quantos governos rasgaram as promessas e deputados esqueceram os seus eleitores?!

Precisamos de mudar. A Assembleia da República é um bom ponto de partida para esta mudança.

Precisa também de novas regras para que a ação daqueles que foram legitimamente eleitos seja mais transparente. Essas regras não passarão pela redução do número de deputados, mas pelo aumento da sua independência e autonomia. Portugal está hoje entre os países da União Europeia com o menor número de deputados por habitante. Reduzir o seu número apenas retiraria pluralidade e representatividade parlamentar, ao mesmo tempo que aumentaria a opacidade ao sistema político pela redução da fiscalização sobre o mesmo e pelo maior afastamento entre eleitos e eleitores.

Existe ainda a evidência de que este caminho não servirá para cumprir os objetivos de independência e de autonomia, porque o problema não está no número de deputados atual, mas sim nas regras do desempenho das suas funções. A desconfiança nasce dos conflitos de interesses e é aí que tem de ser confrontada e resolvida.

O problema - e, em simultâneo, a solução - reside na forma como muitas vezes é desempenhada a função de deputado, em acumulação com outras atividades e rendimentos profissionais, muitas vezes contraditórios entre si. A evolução das leis foi no sentido errado de retirar impedimentos e incompatibilidades à função de deputado. É necessário percorrer o caminho contrário, alterando a lei no sentido de uma maior exigência republicana dos eleitos com a causa pública e com os cidadãos e as cidadãs.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” a 7 de abril de 2014