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Governo ataca violentamente os baldios
PSD/CDS prepara o maior ataque desde o 25 de Abril aos baldios através de projeto de lei apresentado na AR. Se este projeto vier a ser aprovado, os baldios passarão a constituir bens privados, convertendo, os meios de produção comunitários em meios de produção do setor privado.
Pode-se dizer, como Aquilino Ribeiro em “Quando os Lobos Uivam”, que os baldios são dos povos a que pertencem “desde que o mundo é mundo” e “a serra é dos serranos”.
Os baldios não são propriedade privada nem pública, mas terrenos comunitários conforme previsto na Constituição. São bens de natureza coletiva, usados e fruídos pelos moradores de determinada freguesia, freguesias, ou de parte delas, e não apropriáveis por cada um dos compartes, não sendo alienáveis, nem objeto de outros negócios admissíveis pelo direito privado, nem objeto de aquisição por usucapião.
A direita governamental quer colocar tudo isto em causa e retoma o ataque salazarista aos baldios.
Foram muitas as tentativas de usurpação dos baldios ao longo da história, muitas com êxito. Mas a resistência dos povos à espoliação e à cobiça da privatização foi tenaz e com assinalável eficácia sobretudo no norte e no centro do país.
Durante o Estado Novo (1926 -1974) os baldios foram atacados pelos Serviços Florestais do Estado salazarista, com expulsão violenta dos povos do seu uso, sobretudo durante o fim da década de 1940 até ao meado da década de 1960.
A ocupação à força dos baldios pelos Serviços Florestais contribuiu significativamente para o empobrecimento das populações rurais do norte e do centro do país, para o despovoamento de número significativo de aldeias e para a emigração forçada nas décadas de 1960 e 1970. As estatísticas da altura refletem a quebra significativa do gado caprino e ovino, que era o que mais pastava nos baldios, essencial para as pequenas economias locais.
As primeiras lutas organizadas ocorreram em 1970 na freguesia das Talhadas, no concelho de Sever do Vouga, tendo-se estendido às freguesias próximas do Préstimo (Águeda), de Arcozelo das Maias e Ribeiradio (Oliveira de Frades), de Cabreiros (Arouca).
Imediatamente depois do 25 de Abril, em reunião das freguesias com baldios, realizada em Sever do Vouga, foi elaborado um documento enviado ao primeiro Governo provisório exigindo a restituição dos baldios aos povos que a eles tinham e têm direito.
Estas lutas estiveram na base das medidas legislativas do início de 1976 de restituição aos povos dos baldios que sempre foram seus e de que o Estado Novo os havia desapossado.
Os baldios sempre foram e são importante fonte de riqueza para a vida das suas comunidades. O uso tradicional economicamente mais relevante era a pastorícia, sendo contudo também fundamental à sobrevivência dos povos o direito à exploração dos matos para a cama dos gados, das lenhas como fonte de energia e da água.
Atualmente, a evolução tecnológica tem permitido outros usos agrícolas e florestais, sendo a instalação de parques eólicos importante fonte de riqueza para os povos dos baldios, que os gerem com base em princípios democráticos, de acordo com a atual Lei dos Baldios (Lei nº 68/93 de 4 de Setembro, alterada pela lei 89/97 de 30/7).
Para que se tenha noção da importância destes terrenos e no enorme “apetite” que despertam nos interesses privados, importa referir que os baldios ocupam cerca de 500.000 hectares, o que corresponde a 5,55% do território nacional.
O PSD/CDS prepara agora o maior ataque desde o 25 de Abril aos baldios através de Projeto de Lei recentemente apresentado na Assembleia da República. A coligação governamental pretende, com esta iniciativa legislativa, que os baldios deixem de ter a natureza jurídica de bens comunitários, criando mecanismos para a sua progressiva privatização quanto à exploração e também da sua passagem a bens de natureza privada.
Se este Projeto de Lei, brevemente em debate na Assembleia da República, vier a ser aprovado, os baldios passarão a constituir bens patrimoniais, isto é, privados, convertendo, nesse caso, os meios de produção comunitários em meios de produção do setor privado. Nessa medida serão infringidos na Constituição o art.º 80º, b) e f), o art.º 81º, d) e o art.º 82º, nº4, b) que dão proteção constitucional aos baldios enquanto meios de produção comunitários.
Este abrir de caminho para a privatização dos baldios conjugado com o novo regime de florestação, que desde 2013 abriu portas à liberalização da plantação de eucaliptos, irá levar a que a grande indústria madeireira, nomeadamente a de celulose, passe a explorar os baldios de acordo com o regime legal do direito privado.
Este ataque do CDS/PSD aos baldios das populações rurais do norte e do centro do país corresponde ao seu programa político e económico neoliberal de tudo privatizar e desregular, entregando a economia do país aos grandes interesses económicos nacionais e internacionais.
A luta dos povos pelos baldios não pode deixar de ser também nossa.
Comments
Os baldios foram respeitados
Os baldios foram respeitados pelo nosso primeiro Rei. Dom Afonso Henriques manteve intacto o mais antigo direito dos nossos povos, situação que se prolongou pelos séculos fora, durante a nossa Monarquia Tradicional. Foi a partir da revolução da esquerda do séc. XIX que começou a usurpação dos baldios, sob a capa de uma falsa idéia de progresso, o chamado liberalismo. A usurpação continuou com a República, na apropriação feita pelos serviços florestais, durante o estado novo, como o artigo bem indica, e mesmo depois do 25 de abril, com alguns poderes locais a destacarem largas parcelas de baldios para fins privados.
Este projecto de lei será assim o último ataque da esquerda política (a social-semocracia é uma ideologia de esquerda, como sabemos)aos direitos tradicionais dos nossos povos.
Estou de acordo com a sua
Estou de acordo com a sua opinião expressa neste comentário. Considero ainda que é de facto muito importante a proposta que faz de criação de medidas de apoio técnico às assembleias de compartes de baldios bem como de apoios específicos ao investimento em baldios. Na verdade muitos compartes não têm acesso à informação necessária para o desenvolvimento de projectos de investimento nos seus baldios, não tendo conseguido, por isso, tirar partido de alguns apoios que têm havido no âmbito da PAC.
Ora viva Além de tudo o mais
Ora viva
Além de tudo o mais o desaparecimento dos baldios irá acelerar o despovoamento ...
É verdade, Manuel Costa, o
É verdade, Manuel Costa, o ataque aos baldios durante o salazarismo contribuiu para o fluxo emigratório e o abandono das aldeias. A retirada dos baldios às comunidades locais de compartes vai empobrecê-las e acelerar o abandono das áreas rurais em direção às áreas metropolitanas de cá e do estrangeiro.
Penso que o modelo dos
Penso que o modelo dos baldios actual traz para o País um carácter de coesão territorial insubstituivel. Todos os outros modelos pensados falham nesse aspecto concreto. Passo a explicar. Como o baldio é dos povos que o habitam, e nele desenvolvem a sua actividade, a verdade é que só existem, enquanto baldios, enquanto houver povoados habitados. Os baldios são uma fórmula de exploração dos recursos naturais baseada no desenvolvimento social local. É um direito sobre o território, transitório e fluido (que o digam os tribunais, pejados de processos devidos à incerteza na definição dos limites dos baldios, situação gerada pela instalação de parques eólicos),e todavia, de residência e industria. Tem-se a posse enquanto lá se vive e trabalha. Daí a afirmação da importância do Baldio, tal como é. Está num patamar superior aos outros modelos no que toca à coesão territorial, pois, obriga ao estabelecimento do tecido social no local. Essa é uma vantagem que nenhum dos casos pubico ou privado asseguram só por si. Não concebo pois que se pretenda alterar a lei que define os baldios, com argumentos que ignoram este carácter único. As perguntas que surgem são: -Quem irá habitar esses territórios? -Que garantia há de melhor gestão? As respostas não são animadoras: -Ninguém habitará, haverá trabalhadores sazonais, que aparecem e desaparecem, ao sabor dos contratos e campanhas, os recursos passam a ser explorados à distância, sem permanência, segundo um paradigma que nega ao território a marca civilizacional que os seus recursos sustentam. A imagem do Portugal interior abandonado é disso reflexo. "Em nenhures, uma terra de alguém, habitada por ninguém". -Quanto a gestão, boa ou má, não há qualquer garantia. O Estado sem dinheiro para investir e os privados, racionalmente, querem lucrar. Pagará o território a conta: caos natural, por ausência de um investidor, ou caos induzido, por práticas operacionais delapidatórias.
Gostaria antes de ver no Parlamento, uma comissão que equacione os modos de o Estado dar apoio técnico às comissões de baldios, dado o papel que desempenham na coesão territorial.
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