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Aproxima-se outro crash?

Está a ser gerada uma crise muito pior do que a que foi provocada hipotecas subprime, cujos resultados ainda sentimos com intensidade. Não pode ocorrer outra coisa quando praticamente não se fez nada para bloquear os fatores de risco que ocasionaram esta última crise. Por Juan Torres López
Os ativos tóxicos ainda estão nos bancos.

Enquanto o governo espanhol continua empenhado em fazer-nos crer que a economia vai levantar a cabeça este ano, voltam a recrudescer os piores prognósticos sobre o futuro imediato do sistema financeiro e da economia mundial.

Na realidade, não há muito mérito em antecipar que está a ser gerado um crash muito pior do que o que provocou a crise das hipotecas subprime, cujos resultados ainda sentimos com quase toda a intensidade.

Não pode acontecer outra coisa quando praticamente não se fez nada para bloquear os fatores de risco que ocasionaram esta última crise e que, portanto, vão voltar a provocar outras sucessivas, cada vez de maior envergadura e periculosidade.

As principais circunstâncias que permitem prevê-lo são as seguintes:

1) O volume materialmente impagável que atingiram a dívida pública e a privada em todo mundo.

É inevitável que, mais tarde ou mais cedo, ocorram falências em casos concretos ou em série e, além disso, de modo muito desordenado, por duas razões principais. Em primeiro lugar, porque não existem instituições nem mecanismos de arbitragem a nível mundial que possam abordar o problema estabelecendo reestruturações equilibradas. E, em segundo lugar, porque é impossível que a dívida acumulada se possa metabolizar pelo sistema, nem sequer a muito longo prazo, sem produzir um bloqueio fatal da atividade produtiva, dada a sua magnitude.

Os conflitos por este motivo podem começar a dar-se muito cedo, no mesmo momento em que ocorram altas, que nem sequer teriam de ser muito grandes, nas taxas de juro, bem generalizadas ou inclusive só em alguns países. A partir daí, muitos países entrariam em situação de default, ao não poderem fazer frente aos pagamentos das suas obrigações por dívida e isso arrastaria os restantes, sem remédio.

A dívida mundial e a dos diferentes países vem-se duplicando a cada sete ou dez anos, mais ou menos (em alguns inclusive na metade do tempo), o que indica que não é possível “digeri-la” através do crescimento da atividade económica e do rendimento, não só porque estes serão sempre globalmente insuficientes como também porque, além disso, se concentram cada vez mais.

E as falências não virão sozinhas, mas sim acompanhadas de movimentos de capital muito rápidos e caóticos, como os que têm surgido nas últimas semanas em torno de alguns dos chamados países emergentes e que levarão consigo crises cambiais e perturbações grandes e graves, com efeitos inevitáveis sobre a economia real.

2) A insolvência generalizada da banca internacional que provocará outra explosão do sistema financeiro.

O salvamento dos bancos tem consistido em permitir que voltem a atuar “como se”, isto é, aparentando que sanearam os seus balanços graças a mentiras e armadilhas contábeis e às ajudas regulatórias que permitem registar benefícios com independência da sua verdadeira situação patrimonial e, mais concretamente, sem contabilizar as quedas que têm sofrido os seus ativos.

Graças às ajudas multimilionárias dos bancos centrais e dos governos pôde-se reciclar uma parte dos ativos tóxicos que tinham contaminado até à paralisia a imensa maioria das grandes entidades financeiras, mas ainda fica uma boa parte desses ativos nos balanços, dissimulada graças a que continuam a valorizar-se preços de aquisição como se não tivesse ocorrido nada nestes últimos anos. A prova é que praticamente em nenhum lugar se recuperou o financiamento à economia.

E não só não desapareceram os ativos tóxicos dos bancos como também estes aumentaram a sua exposição aos perigos dos derivados financeiros com que se alimentam um bom número de bolhas que continuam a produzir benefícios às entidades financeiras. O gigantesco saco sem fundo de onde virá a fagulha que vai provocar de novo uma crise financeira.

3) A falta de regulação das finanças internacionais que multiplica a instabilidade e as crises.

Também não se fez nada para evitar que a especulação e a geração de bolhas continue a generalizar-se na economia internacional, consumindo recursos e desestabilizando tudo o que há à sua volta. As tensões nas Bolsas são constantes e estão a apontar para uma queda vertiginosa que pode ir acompanhada da explosão das bolhas que se vêm gerando em diversos âmbitos e países.

Além destes fatores, que são de carácter mais conjuntural, isto é, que podem provocar uma explosão em qualquer momento, há que ter em conta outros três fatores estruturais que criam um permanente caldo de cultura para a instabilidade e as crises, pois empurram e dão força às anteriores.

O primeiro é a desigualdade crescente que tem três efeitos: deteriora a atividade produtiva por falta de recursos, alimenta a poupança que é dirigida à especulação financeira e desincentiva a inovação e o equilíbrio social que poderia levar-nos para modelos produtivos mais estáveis e menos dados à crise.

O segundo, são os limites insuperáveis que impõe a natureza e o uso que fazemos dos recursos. O capitalismo poderia tornar-se mais estável, como ocorreu depois da longa época de crescimento posterior à Segunda Guerra Mundial, mas isso só seria viável (no marco do atual sistema de propriedade e sob o imperativo do lucro) à custa de intensificar ainda mais a exploração da natureza e das fontes de energia, o que é também já materialmente impossível sem provocar uma destruição de consequências verdadeiramente incalculáveis.

Finalmente, há que ter em conta que as crises que estamos a viver quase sem cessar nos últimos duzentos anos não são episódios resultantes de fenómenos naturais ou de meras incidências casuais mas sim o efeito de uma sociedade que se organiza sem se organizar, que se deixa levar pelo ganho e não planifica, que não respeita os limites da natureza, que separa a necessidade das estratégias de produção, que concebe a propriedade como uma fronteira, que entroniza o dinheiro e o converte no eixo ao redor do qual tem de girar a vida e que, assim, está condenada a sofrer recorrentemente o divórcio entre a oferta e a procura, entre o que os seres humanos precisam e o que estes produzem com os recursos.

E como se tudo isto fosse pouco não há que esquecer que vivemos numa situação política e social extraordinariamente instável, com democracias (onde as há) limitadas e vigiadas, sem governo mundial e submetidos ao ditado dos grandes poderes económicos, sob a ameaça constante de guerras e no meio de contínuos conflitos de baixa ou média intensidade. Em outros momentos da história, as guerras solucionavam situações de dívida impagável ou de insuficiência de procura e falta de rentabilidade, mas hoje em dia a magnitude dos problemas que tenho mencionado é tão grande que nem uma guerra de dimensões colossais poderia os solucionar.

Estamos à beira do abismo e comprová-lo-emos muito cedo.

Publicado no Público.es

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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