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A austeridade que esvazia o país

O país está a emagrecer, a sangria é brutal e perdem-se os melhores recursos humanos, os mais jovens, mais qualificados e mais capazes. Para Ricardo Vicente, dirigente da Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis, isto terá custos incalculáveis para a economia e para a sociedade portuguesa como um todo.
Foto Paulete Matos.

Atualmente todos temos um amigo próximo ou familiar que foi recentemente obrigado a emigrar e a deixar para trás um projeto de vida diferente. Se todos os trabalhadores deste país somarem estes seus amigos, só em 2012 emigraram mais de 120 mil pessoas, mais de 10 mil por mês faz as malas e vai embora. Nos últimos cinco anos 500 mil pessoas foram expulsas do país. Portugal não é um caso isolado, em Espanha (700 mil), Grécia, Itália e Irlanda (400 mil) centenas de milhar partilham esta experiência. Faz parte da atualidade dos países do sul da Europa, onde as políticas de austeridade mais têm trilhado caminho.

Esta realidade só encontra paralelo quando comparada com os anos 60, onde a vaga de emigração atingiu valores idênticos impulsionada por um regime ditatorial, pela guerra colonial e pelo abandono dos campos e do trabalho agrícola.

O país está a emagrecer, a sangria é brutal e perdem-se os melhores recursos humanos, os mais jovens, mais qualificados e mais capazes, o que terá custos incalculáveis para a economia e para a sociedade portuguesa como um todo. Custos muito maiores do que qualquer hipotético retorno consequente das medidas austeritárias que estão na origem deste fenómeno. Em 2012, pela primeira vez registaram-se menos de 90 mil nascimentos , uma redução de 7,2% comparado com 2011. O saldo é negativo, os que emigram são mais que os nascimentos. Perante o corte nas perspetivas e a degradação da qualidade de vida os jovens decidem ter menos filhos e mais tarde que o habitual.

A edificação do estado de sítio em que vive atualmente a sociedade portuguesa tem uma história que inicia em Maio de 2011 com a chegada da troika. Há já algumas décadas que os direitos no trabalho estavam a regredir, impondo-se a precariedade como uma condição dos tempos modernos. Vingou a política baseada na ideia de que trabalhadores e patrões estão em pé de igualdade. A troika trouxe consigo a chantagem da dívida e a desculpa perfeita para acelerar a destruição dos direitos no trabalho e a implementação de todas as medidas de austeridade. Desde a sua chegada o desemprego real passou de 13% para mais de 20%, o desemprego jovem de 27% para 40% e centenas de milhar de pessoas emigraram. Atualmente mais de metade da população ativa são precários e desempregados. Os funcionários públicos perderam 2 salários por ano e os privados perderam 1. Os apoios sociais às famílias mais pobres foram os primeiros a ser atacados e a maioria dos pensionistas já vivem na miséria. Serviços públicos como a educação, a saúde e os transportes, que representam uma forma de salário indireto, estão a ser brutalmente destruídos para dar lugar a serviços privados.

Foram três anos de fanatismo ideológico e de austeridade radical, três anos de implementação de um regime social de precariedade e desemprego, que nos rouba nos salários, nos direitos sociais e na vida para dar ao capital. Certamente não é este o futuro que a população portuguesa ambiciona, mas é este o futuro que cumpre os interesses da finança internacional, para Portugal como para os restantes países do sul da Europa. Existem hoje cerca de 15,6 milhões de desempregados em Portugal, Espanha, Grécia, Itália e Irlanda, e a taxa de desemprego combinada entre estes países é de 24%.

Vivemos tempos em que mais do que nunca temos de encontrar pontos comuns e articular lutas entre vários setores, a nível nacional e internacional, pelos direitos no trabalho e pelo direito ao trabalho, pela justiça social, pelos serviços públicos. Fazer com que a democracia vença o autoritarismo da finança e a cegueira social das folhas de cálculo. Só a resposta popular, a convergência dos vários setores e vítimas desta violência, pode enfrentar e vencer este projeto de destruição.


Artigo de Ricardo Vicente, dirigente da Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis.

Comentários (1)

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