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Sem paciência
Não fora a tenacidade dos pais dos estudantes que encontraram a morte no Meco, uma tenacidade forjada na dor do luto perplexo, e o país teria esquecido o episódio, para abocanhar a página seguinte de qualquer outra tragédia. Mais, teria papado a versão de uma grande onda a apanhar estudantes a passear ocasionalmente à beira mar. Acidentalmente.
É claro que não sabemos o que aconteceu na praia escura de 15 de Dezembro.
Mas sabemos que quem deveria investigar não investigou; quem deveria preservar provas, colher depoimentos, não fez a ponta de um corno; sabemos que quem tinha por obrigação averiguar, apurar, deslindar o mar de indícios a boiar à nossa volta, omitiu o dever elementar da função.
Sabemos também que há grande incomodidade dos praxistas em falar do Meco.
No Prós e Contras, a mera abordagem à praxe eventual que terá estado na origem da tragédia, foi matéria proibida e desvalorizada. Nem piaram. Avisaram logo que não se sabe o que aconteceu.
Assistimos, pois, sentadinhos à frente da televisão, ao desfiar alarve dos discursos roscofe dos defensores do negócio, ao driblar de responsabilidades e ao gargarejar argumentativo a desmentir evidências.
Pasteladas sonoras e apaixonadas, vibrantes de energia idiota. A versão romântica da praxe serenata, a versão solidária da praxe amiga, a versão edulcorada da praxe cavalheiresca e sorridente, foi ali cinicamente ostentada, como se fôssemos todos imbecis e cegos.
Uma lição para vida. Ou para a morte?
Um professor de Direito apadrinhava a tese da praxe benigna, um acompanhamento a cheirar a dolo e a chutar para canto. Um chico esperto, um sonso, a descair para o bacoco.
Esta gente sacode com inegável destreza a água do capote. Uma destreza adquirida na reiterada impunidade que a capa ocultou até agora.
A direita investiu na praxe. Um investimento que lhe tem saído frutuoso. Um movimento estudantil domesticado a fazer flexões na coreografia de praxes reeditadas, sendo que a primeira edição não era já publicável. No meio da azáfama praxista não há tempo para ler o mundo. Os governos descansam.
No Meco morreram seis. Há uma testemunha. Um sobrevivente. Calado, caladinho, não diz nada, não se mexe, faz de morto.
Nem tão pouco ouve o som da prece dos pais, órfãos dos filhos que se foram, a clamar o conhecimento mínimo do ocorrido. É estranho. Tão estranho quanto inacreditável.
Houve tempo para tudo. Para tudo. Destruir provas, assustar testemunhas, forjar depoimentos. A máquina pode ser sinistra.
Continuem, filhos que vão longe! Lambuzem-se de obediência. Enxovalhem-se de hierarquias. Se nem a morte vos faz parar, continuem, alegremente, até à próxima.
Agora foram seis. O traje foi-lhes mortalha.
Comments
A praxe e' uma forma de
A praxe e' uma forma de educar para a subserviencia!
Parabéns pelo seu artigo.
Parabéns pelo seu artigo. Concordo completamente e venho dizer que não fui praxada, pois sou um ser consciente. Fui muito subjugada e durante uma parte da minha vida por ser eu própria. Eu durante o meu percurso académico os meus colegas comportavam-se sem modos e com valores distorcidos. Tinham e têm objectivos erráticos e eu era vítima de escárnio, difamação e malediciência, por ser eu própria, pois infelizmente na sua maioria, só existe dois tipos de personalidades nas universidades. O ensino superior, como o próprio nome diz, é um tipo de educação que com muito trabalho e estudo se chega lá e serve para se adquirir mais conhecimento e melhorar os valores. No nosso país é o contrário. Desculpe a expressão, mas parecem "fábricas de bacoquice e sadismo". Tenho imenso dó que a maioria da população jovem esteja a ser educada conforme estas regras absurdas e disfuncionais, para mais tarde governar e servir mal este país. É um ciclo vicioso que se tem de quebrar e acho e tenho a certeza que só acabando com as praxes os jovens vão começar a perceber que existe muita coisa para saber, fazer e aprender e servir verdadeiramente o país que é essa a função que temos ajudá-lo a ser próspero e sustentável.
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